Depressão e crise religiosa

Partirei de uma premissa: Se formos ao fundo de nosso interior, ao nosso inconsciente, nos encontraremos com a existência de um forte vínculo entre depressão e crise espiritual.

Admitindo esta conexão, vi necessário analisar em profundidade tanto a depressão como a espiritualidade. Para isso, usei a linguagem clássica e os instrumentos da psicologia analítica kleiniana, como da psicologia existencial de Winnicot.

Ainda que tenha respeitado todos os enfoques médicos, priorizei duas de suas causas: a perda “de objetos significativos” e o “predomínio da agressividade sobre a bondade e o amor”.

Apliquei a primeira causa – as perdas – à vivência religiosa e, na mesma linha, busquei uma palavra mais convergente e iluminadora que denominei “separatividade”. Sobre ela estabeleci uma afirmação; “O mal radica, em face das doenças depressivas, em nossa vivência – errônea – de que estamos separados de Deus, de nós mesmos e dos demais”.

Em seguida, sobre esta perda significativa, articulei a segunda causa da depressão, e afirmei: “O sentimento do dano causado pela separação, tem por efeito aumentar a voracidade, a compulsão e os impulsos destrutivos».

Em linguagem mais religiosa, ainda que respeitando sempre a estrutura da psicologia analítica e existencial, propus um percurso de cura: A transgressão forja a culpabilidade e esta o perdão e a reparação (Winnicott). Desta forma, esta última dá origem à aceitação de si mesmo, à solicitude pelos demais, à bondade e à sensatez (Winnicott), que por sua vez ocasiona o amor a Deus (o Evangelho).

Na hora da terapia, em um esforço de estabelecer uma sinergia entre os dinamismos psicológicos e espirituais, apoiei-me nos mesmos elementos. Tomei como fio condutor a atividade reparadora e a conectei com uma atividade religiosa fundamental, a reconciliação. “Entre religião e psicoterapia o chamado “exercício de duelo” tem em comum que, além da carência, implica umas elaborações, que são plenitudes arrancadas ao vazio, imagens da ressurreição. Por isso, voltar a recuperar o sentido da própria vida é o ponto crucial e primordial da terapia”.

Terminei minha exposição afirmando que a “saúde” implica recobrar a autorização para amar e amar-nos. E, ante o risco de uma sociedade depressiva e sem sentido, sugeri pôr em comum todos e cada um dos gramas de bondade autorizada que existem em Deus, o mundo, comunidades, medicina, pessoas e coisas que dêem “sentido” à nossa vida.

Intervenção pronunciada pelo Cardeal Carlos Amigo Vallejo, arcebispo de Sevilha, na XVIII Conferência Internacional sobre “A depressão”, convocada pelo Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde de 13 a 14 de novembro.