Depoimentos que permanecem

Às 16h37 no Brasil, 21h37 em Roma, o Papa João Paulo II terminou a sua carreira e entregou a sua alma a Deus. Impressionou a presença e emoção dos mais de 100 mil romanos, fiéis católicos dos mais distantes países que se encontravam na Praça de São Pedro. Nenhum outro Papa reuniu em torno de si tantas autoridades e gente do povo, crianças, jovens, casais, incluindo negros, índios e asiáticos, católicos, evangélicos, muçulmanos e budistas. Claro que Karol Wojtyla irá fazer falta à Igreja e ao Mundo.

Retornei, depois de emocionar-me e oferecer-lhe o meu sufrágio em celebração eucarística na Igreja do Bom Jesus, no centro de Itu, à minha biblioteca em que vim reunindo livros biográficos e belas revistas sobre o Papa que “não veio da Polônia mas saiu das margens do Lago de Genesaré” (Jean Guiton). Não foi nada difícil anotar entre tantas encíclicas, exortações apostólicas e mensagens do venerando Pontífice, alguns dos depoimentos que fez e que, tenho certeza, continuarão ecoando por longos anos.

Escolho alguns dos testemunhos de João Paulo II que foram mais fundo no coração das multidões que puderam ouvi-lo. A sua primeira palavra, apenas eleito novo Papa, quando se apresentou à multidão reunida na Praça de São Pedro em 16 de outubro de 1978 foi: “Abram as portas para Cristo, uma após outra! Abram os confins dos Estados, dos sistemas econômicos e políticos! Não temam!”. Mais adiante João Paulo II partiria para a defesa da dignidade, dos direitos humanos, entre eles o da vida, do ventre materno ao término da existência. “Uma nação que mata as suas crianças não tem futuro!”. Vale a pena reler nestes dias o “Evangelium Vitae”, de 1995.

Desde os primeiros dias de seu fecundo pontificado, Karol Wojtyla multiplicou os seus encontros com a juventude. A palavra que repetia aos jovens com freqüência era: “Vocês jovens são a esperança da Igreja e o futuro do mundo!”. Já em 1983, quando assinou a “Familiaris Consortio”, sobre a instituição familiar, escrevia no parágrafo 11: “O futuro do mundo passa pela família”. Ele instituiu e presidiu todos os Encontros Mundiais da Família, entre eles o realizado no Brasil em 1997. Quem não se lembra dos 150 mil casais que se reuniram no Maracanã e dos quase dois milhões de fiéis na grande Concelebração Eucarística do Aterro do Flamengo?

Em uma das três visitas apostólicas que fez ao Brasil, João Paulo II afirmou com a coragem que nunca lhe faltou: “Ai daqueles que juntam casa com casa, campo com campo, até ocupar todo o território, como se somente eles vivessem na face da terra!”. Se nossos governantes tivessem ouvido os seus apelos por uma justa e necessária reforma agrária, não estaríamos hoje diante dos riscos de enfrentamento fratricida entre sem-terras e latifundiários.
Convidado para falar aos líderes das 190 nações em Assembléia da ONU, em Nova York, aplaudido entusiasticamente por todos, o Sucessor de Pedro ousou dizer: “O Norte está cada vez mais rico e o Sul cada vez mais pobre. Cristo é o juiz!”. Anos depois ousou afirmar: “O futuro do homem não está nem em Moscou nem em Nova York! Eu, João Paulo II, filho de nação polonesa, Sucessor do Apóstolo Pedro, digo a você, velha Europa, com um grito cheio de amor: encontre a si mesma!”.

A palavra de João Paulo II ecoou muito além dos espaços da Igreja católica de que foi Pastor exemplar. Disse em certa oportunidade: “Quero alcançar a todos. A todos aqueles que rezam… desde o beduíno dos desertos aos monges dos mosteiros, desde os enfermos e oprimidos até os humilhados em todos os lugares!” . Haveria muito mais a dizer deste incansável peregrino do mundo e arauto da paz. Entretanto, não consigo omitir o que dele disse Mikhail Gorbachev, Presidente da ex-União Soviética: “Se não contássemos com o seu empenho e excepcional atuação no cenário mundial, a reviravolta no Leste Europeu jamais teria ocorrido”.

Deixo para outro artigo as referências aos elogios feitos ao Papa que acaba de partir, Billy Graham, conhecido líder protestante dos Estados Unidos, o Dalai Lama, Nobel da Paz, budista e Elio Toaff, Grão Rabino dos judeus da sinagoga de Roma. A Igreja acaba de perder um grande Pastor e o Mundo o maior arauto da paz, dos direitos humanos, da justiça e da fraternidade entre os homens. Mas temos agora uma nova estrela brilhando nos céus. Na contemplação da face de Deus, João Paulo II certamente estará sempre intercedendo por nós.