De Porta em porta.

OS antigos sábios sentenciavam com autoridade que é próprio dos sábios mudar de pensamento e próprio dos burros continuar a pensar na mesma forma a vida toda. É por isso que muitos povos não se desenvolvem porque, tendo medo do novo e de perder as coisas do passado, não avançam, não andam e ficam parados no tempo. A Igreja nos convida a cada momento a “avançar para águas mais profundas”, que não significam para águas novas e nem para outros mares. Pode ser o mesmo mar, mais a fundo e mais a largo. No passado eu ficava simplesmente irritado com as atitudes de algumas seitas que iam de porta em porta anunciando a doutrina delas com afinco e perseverança. Nunca gostei dos vendedores ambulantes que iam e vão de porta em porta vendendo as bugigangas deles, e entre elas até coisas boas.
Há escritores que conseguem sobreviver indo de porta em porta vendendo os seus livros, fazendo novas amizades e formando um círculo de leitores aficionados. Em tudo isto uma coisa é certa e não chove no molhado: a propaganda é a alma do negócio e a evangelização é a alma do cristianismo. Por isso que o mesmo Jesus, antes de voltar ao Pai deu uma ordem dinâmica e não estática. Não disse que eles, os discípulos, deviam ficar em Jerusalém, não sair da cidade e que toda a evangelização da boa nova por ele trazida devia ficar restrita ao cenáculo e não ultrapassar as fronteiras. Se assim fosse o evangelho não teria chegado a lugar nenhum, ninguém seria agora cristão. Mas Jesus olhou bem mais amplamente e contemplou o mundo de então e de sempre.

“Ide, pregai o Evangelho a todas as criaturas”. Nenhum lugar foi excluído e nenhuma criatura ficou de fora. Onde há uma criatura humana lá deve chegar o anúncio de libertação. A boa nova não pode ser presa e acorrentada. O cristianismo “missionário geneticamente” não pode fugir de sua responsabilidade de anunciar Jesus, que é o fundamento e a essencialidade do anúncio, está em nós. Esta missão nos é oferecida e repetida a cada instante em todas as páginas do primeiro e segundo Testamento.
“Como são belos os pés dos que anunciam a palavra de Deus, que andam pelos montes”… É o ideal que nos queima dentro e que faz que todos os batizados não possam se desculpar de sua vocação de anúncio. Historicamente a Igreja afastou os leigos, o povo da evangelização e reservou esta missão somente a um grupo escolhido, e os leigos perderam o gosto de evangelizar e de ser evangelizados. Os católicos nasciam católicos sem saber porque, não lhes custava nada ser católico e por isso que não eram evangelizados. Nasciam já com a conquista da certidão de batistério assegurada e isto lhes era mais do que suficiente.

Esta falta de evangelização criou um “status de cristianismo” extremamente perigoso. A Igreja assim perdeu a alegria de evangelizar. É urgente sair deste torpor que não nos permite mais de entregar a nossa vida a uma causa maravilhosa que é anunciar o evangelho a todas as criaturas. O cristão perdeu o sabor de ir de porta em porta e a todos, queiram ou não, se revelar como missionário do reino. A todos apresentar a própria fé, e a alegria de ter fé os obriga a não querer mais crerem sozinhos. Cada batizado deve se conscientizar que é chamado a andar “certas horas” ao trabalho evangelizador. É preciso fazer uma estratégia de anúncio que compromete a todos os que se dizem batizados. O lugar da evangelização não é ir longe de onde se mora, mas se comprometer a evangelizar o próprio prédio, a própria rua, os próprios vizinhos. Não se pode mais ser cristão das catacumbas, cristão escondido e medroso que vive no íntimo mais intimista a própria fé. Cristo não nos perdoa se nós não o comunicamos com a palavra e com a vida. O III milênio é quase igual, teológica e missionariamente, como o primeiro milênio quando a Igreja saiu do silêncio do cenáculo e encontrou diante de si uma sociedade que era obstáculo ao evangelho e foram necessários mártires e pregadores destemidos que enfrentassem a cultura pagã do tempo para lançar as sementes do Verbo. Foi o tempo mais belo em que todo cristão era suficientemente evangelizado a ponto de dar a razão da própria fé e da própria esperança. Ninguém se sentia incapaz de defender a sua fé em Cristo Jesus, morto, ressuscitado e vivo entre eles. O anúncio do kerigma pobre e essencial era proclamado por todos os meios e por todos. Evangelizar não é um trabalho nem uma profissão para tirar proveito, mas sim uma exigência de fé e de amor. Há quem se faz evangelizador cobrando “cachê”, como se fosse chamado a dar um espetáculo ou a desempenhar um ofício que lhe rende dinheiro e bem estar econômico. Claro que o evangelizador, o apóstolo, vive do seu ministério, mas antes de tudo e sobretudo deve existir a “gratuidade” do anúncio, o gosto do anúncio e da beleza da nossa missão.

Se a igreja, se cada paróquia não abrir novas frentes de missionaridade convidando, convencendo cada cristão a dar à missão, todas as semanas, um espaço para ser missionário e percorrer as ruas, os novos areópagos anunciado a sua alegria de ser discípulo de Cristo, os que fazem isto nos vencerão na primeira esquina e nós chegaremos atrasados. As pequenas seitas, as religiões que vêm do oriente, os pequenos movimentos esotéricos não se envergonham de anunciar o “novo que eles trazem” e corajosamente vão à luta para conquistar um pequeno espaço no meio da humanidade porque acreditam na própria ideologia. Não anunciamos Jesus vivo e ressuscitado com o mesmo entusiasmo com que o vendedor na feira livre anuncia os seus produtos. Só se a paixão de Cristo entrar novamente na nossa vida seremos capazes de sair do nosso egoísmo e sacristia para ir pela rua e dizer a todos que nós estamos felizes porque Cristo está em nosso meio. Não é uma ideologia que proclamamos mas sim a pessoa viva de Jesus de Nazaré. É preciso redescobrir a loucura da cruz para não Ter medo de sermos vilipendiados e nem de sermos chamados de fanáticos. Não queremos obrigar ninguém a se converter nem com lavagem cerebral e nem com a força, mas queremos dizer para todos que a proposta de Cristo não pode mais permanecer escondida e que sua luz brilha em cima do candelabro para iluminar a todos.