Cristo, diante da política e dos políticos

Às vésperas das eleições, a atitude de Jesus diante da Política e dos políticos merece especial atenção. O Império Romano subjugava o Povo Eleito, que aguardava ardentemente a vinda do Libertador. Os fatos extraordinários que marcavam a vida de Jesus identificavam-no com o chefe político, – salvador do povo – esperado por muitos.

O Evangelho de João (6,15) relata um episódio, entre tantos outros: “Jesus, porém, sabendo que viriam buscá-lo para fazê-lO rei, refugiou-se de novo, sozinho, na montanha.” Após a aparente derrota no Calvário, os dois discípulos de Emaús expressavam sua desilusão: “Nós esperávamos que fosse Ele quem iria redimir Israel” (Lc 24,21). Os Livros Santos se referem às dissensões políticas dos chefes e da gente simples, em torno de Jesus. Evidentemente, Ele foi fiel à sua missão e, por isso, a Obra que fundou resiste a todos os embates e fraquezas humanas, até nossos dias. E assim será até ao final dos tempos.

O Catecismo da Igreja Católica, ao tratar de “Igreja – Povo de Deus” diz: “O Povo de Deus tem características que o distinguem nitidamente de todos os agrupamentos religiosos, étnicos, políticos ou culturais da História” (nº 782).

O Concílio Vaticano II (“Gaudium et Spes”, nº 42) é de uma clareza meridiana: “A missão própria confiada por Cristo à sua Igreja não é de ordem política, econômica ou social: o fim que lhe propôs é, com efeito, de ordem religiosa”.

O ensinamento de Cristo deve ser integralmente vivido pelo fiel, não só como pessoa, mas enquanto membro integrante da comunidade. Um verdadeiro cristão leigo “trata de descobrir, de inventar meios para impregnar as realidades sociais, políticas, econômicas com as exigências da doutrina e da vida cristã. Esta iniciativa é um elemento normal da vida da Igreja” (Catecismo da Igreja Católica, nº 899).

Cabe ao sacerdote transmitir o ensinamento e formar os membros da comunidade religiosa segundo os princípios do Evangelho. O leigo, em nome pessoal, inserir-se-á nos diversos grupos partidários. E, dessa forma, servirá o bem comum pelo fortalecimento da solidariedade e das normas de justiça, fazendo crescer uma ordem temporal mais perfeita.

Uma das maiores deficiências da vida religiosa dos indivíduos é o divórcio entre o comportamento particular e público. A escolha dos candidatos a serem propostos aos eleitores e a opção no ato de votar encerram algo de grave, que onera a nossa consciência. Daremos contas a Deus, pois é uma só Fé que orienta a vida privada e a pública. O cumprimento desse dever não depende da livre aceitação: é uma imposição de Deus. A observância do mandamento divino não fica à mercê da liberdade de cada um. Diz São Paulo (Rm 16,26) que o Senhor deu a conhecer sua vontade “a todos os gentios, para levá-los à obediência da fé”.

O Concílio Ecumênico Vaticano II, no documento “Apostolicam Actuositatem”, recorda ser um múnus dos católicos participar da vida pública para, assim, servir ao Evangelho de Jesus Cristo: “Os católicos, peritos nos negócios públicos e firmes como devem ser na Fé e na doutrina cristã, não recusem nelas participar, uma vez que, exercendo-os dignamente, podem atender ao bem comum e, ao mesmo tempo, abrir caminhos ao Evangelho” (nº 14).

Dessa doutrina várias conclusões emergem e nos obrigam, em consciência, a observá-las. Neste período eleitoral é de importância particular conhecer os encargos da Fé cristã.

A decadência da vida política, manifestada em tantas oportunidades por escândalos amplamente levados ao conhecimento público, em vez de afastar, deve urgir a presença dos homens de valor. De modo particular, requer-se a inserção de pessoas dignas na lista de candidatos; cada eleitor precisa se informar sobre sua idoneidade, recusando firmemente os que tenham comportamentos escusos ou qualquer compromisso com pontos inaceitáveis à Fé cristã. Faz-se mister excluir liminarmente o elemento envolvido em episódio de corrupção administrativa, ficando onerada a consciência de quem o proponha ou nele vote. Há toda uma série de exemplos que devem ser objeto de exame. Isso também ocorre em relação a qualquer apoio à liberação de drogas, seja qual for o pretexto, como também na defesa do aborto, mesmo alegando motivos humanitários, como a proteção da saúde materna, com prejuízo do embrião humano; optar pela liberalização de cassinos e jogos de azar; o enfraquecimento do respeito à ordem pública, sob a alegação do direito à liberdade individual; criar dificuldades ao legítimo ensino confessional, respeitada a liberdade de culto; facilitar o desrespeito ao descanso dominical; tomar a defesa de tudo o que pode equiparar ao matrimônio as falsas uniões com pessoas do mesmo sexo; dar apoio aos desvios das normas de moralidade, como o homossexualismo e ao enfraquecimento das normas da moral. E assim por diante.

Somente desta forma, pode-se excluir de uma eleição as pessoas que falharam em mandatos anteriores, quer diante do bem público, quer prejudicando os ensinamentos de Jesus Cristo; caso não o façamos, daremos contas ao justo Juiz e seremos responsáveis pelos danos causados à sociedade. Quem não agir dessa maneira, compactua, ao menos por omissão, com os males que nos afligem. Vivemos num regime democrático. Portanto, usemos bem da liberdade que as leis nos outorgam. Não sejamos omissos, nem colaboradores da corrupção ofendendo, assim, a lei de Deus.

O que aqui vem exposto, nada tem de política partidária. Pelo contrário, obedece rigorosamente à ordem do Senhor “Ide e ensinai” a manifestar em atos, os compromissos decorrentes do Evangelho.

Cardeal Eugênio de Araújo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro