Meu pai não tem misericórdia!
Lembro-me bem da cena: morávamos em Palmas-TO, calor escaldante. As crianças não conseguiam ficar dentro de casa, brincando.
“Adotaram” uma goiabeira ao lado da casa dos jovens da Comunidade Canção Nova, onde montaram o que eles chamaram “clube da goiabeira”. Participavam desse clube: meus filhos, Lucas (na época com 7 anos), Gabriel (6 anos), Miriam (4 anos) e vários amiguinhos: Juninho, Raíssa, que ali, em cima e embaixo da goiabeira, faziam seus lanchinhos e viajavam em suas imaginações férteis.
Ao lado da goiabeira, que ficava num terreno baldio, havia um pequeno barracão de tijolos, ainda não terminado. Ali eles brincavam e chegavam em casa vermelhos de poeira. Gabriel, então, foi e bateu o pé na parede como quem dá golpe de karatê. Veio outro menino e fez o mesmo. E assim, todos se revezam na “luta” contra o barranco, um após o outro. A parede foi cedendo e, depois do golpe do Gabriel, ela foi ao chão.
Imediatamente todas as crianças começaram a chorar de susto e de medo de serem castigadas. Ouvindo o barulho feito pela derrubada da parede e o choro das crianças, Edilma (membro da Comunidade Canção Nova), que morava ao lado, foi ver o que estava acontecendo. Encontrou Gabriel aos prantos repetindo:
Papai vai me castigar, meu pai vai me bater.
Ela tentou acalmá-lo, mas ele chorou mais ainda e as outras crianças também. Ela dizia:
Gabriel, o seu pai não vai castigar você.
Ele respondeu:
Tia, você não conhece o meu pai, meu pai não tem misericórdia!
À noite, fiquei sabendo de toda a história e fui dizer ao Gabriel:
Meu filho, papai é diácono, e todo diácono, no dia de sua ordenação adota um lema diaconal; o meu é: “Misericórdia é o que eu quero!”. Você foi dizer para a tia Edilma que eu não tenho misericórdia?
Ele me olhou com aquela carinha de italiano e me respondeu:
É, às vezes você não tem misericórdia mesmo!
Refletindo
Quantas vezes, nos achamos pacientes, justos, misericordiosos, mas na verdade não somos? Quando Gabriel disse-me “às vezes você não tem misericórdia”, pude fazer uma revisão de meus atos e me colocar no lugar dele. Percebi que, muitas vezes, com a desculpa de educação, de formar, estou é agindo na irritação.
A irritação não é base para corrigir ninguém. Coloquei-me no lugar de filho e me lembrei de quantas vezes fiz minhas “artes” e o Papai do Céu teve misericórdia de mim. Comecei a trabalhar com o meu filho, para que ele não tivesse medo de mim e, pelo amor, me respeitasse.
“O perfeito amor lança fora o temor, porque o temor envolve castigo e, quem teme não é perfeito no amor (I Jo 4,18).
E, pensando na afirmação do Gabriel: “Meu pai não tem misericórdia”, refleti.
Pense: como você está agindo com as pessoas?
Rezando
Concede-me, Senhor, a misericórdia de que preciso. Que não seja eu a dizer que tenho essa qualidade, mas que sejam meus atos, minhas palavras e as pessoas que convivem comigo. Amém.
Do livro “Retalhos de Vida” – Lançamento dia 09/10/04