Construir família ou vida religiosa?

Uma das questões que mais afligem os jovens que já conheceram Jesus.
Uma das questões que mais afligem o coração dos jovens que conheceram o amor de Deus, e que já foram tocados pelo Espírito Santo aceitando a salvação de Jesus em suas vidas, é saber qual é o chamado de Deus para suas vidas. Em outras palavras qual é a sua vocação.

Há alguns anos atrás eu participava de um programa pela rádio, junto com o então Bispo de Franca (SP) – Dom Diógenes, em que o assunto acabou caindo na questão vocacional, e nesta oportunidade suas palavras nunca mais saíram de minha cabeça: ‘O homem só tem duas vocações, ou serve a Deus celibatariamente como sacerdote, religioso ou leigo consagrado, ou vai servir a Deus pelo matrimônio, constituindo para isto a família cristã’.

Diante disto temos que pensar nossa vida colocando-a em uma destas duas direções, e é nesta busca que se encaixa o que popularmente conhecemos como namoro.

A imensa inquietação no coração do jovem está em ver respondida a sua questão quase que existencial: o que devo fazer de minha vida, Senhor? Devo me consagrar e ser um padre, uma religiosa, ou devo um dia me casar e constituir uma família, ter filhos e educá-los para o amor, isto é, para Deus?

Sabemos que o coração parece dividir-se entre os quereres que existem dentro de nós, por um lado servir a Deus sem reserva, sem partilha; por outro queremos nos relacionar com alguém de outro sexo de forma íntima com vínculos de profunda amizade, e desta forma servir a Deus. Qual é a vontade de Deus para a minha vida?

Uma vez atendi para um aconselhamento espiritual um seminarista Agostiniano que estava preocupado com sua vocação. Após um breve momento de oração aconselhei a que seguisse o seu coração, entregando sem partilha seu coração ao Senhor Jesus. Anos mais tarde quando pregava um encontro para a juventude naquela Diocese, encontrei este jovem, agora já não mais um seminarista, mas um sacerdote atendendo outros jovens em confissão, a alegria do encontro levou-o a confidenciar-me que mesmo depois daquela oração, quando chegou o momento de decidir-se pelos votos perpétuos de sua congregação, fez um longo retiro de silêncio onde buscava a confirmação de sua vocação, e o que o surpreendia era o fato dos jovens decidirem-se pelo caminho do matrimônio sem um tempo de silêncio e oração, como se esta vocação não fosse para toda a vida.

Da mesma maneira um dos jovens que participava comigo de um grupo de crescimento em minha casa, antes de se decidir sobre o casamento com sua namorada já há alguns anos, procurou um retiro dentro de um Mosteiro Trapista, onde colocou em cheque sua vocação e nos disse que só voltaria de lá se fosse para a vida matrimonial, senão deveríamos avisar sua namorada de sua decisão. Creio que o método usado não seja o mais adequado, porém ressalta a necessidade de um discernimento sério para uma decisão tão importante como é o casamento, neste caso ele voltou e hoje está casado e servindo a Deus em sua vocação.

Nesta luta por discernimento quero colocar a necessidade de descansarmos em Deus, como em (Gn 2,22) ,i>’O Senhor Deus fez cair um sono profundo no homem, que adormeceu, tomou uma de sua costelas…‘, assim como Adão que precisou de um sono profundo para que Deus pudesse lhe tirar algo, uma costela que não está nem acima dele, nem abaixo, porém ao lado, mostrando toda a unidade e valor da mulher no plano da vocação humana, diferente do masculino, o feminino vem a ser igual ao masculino em dignidade. Quando descansamos em Deus usando de nosso tempo não na busca aflita do companheiro ou da companheira, mas procurando desenvolver um tempo especial de serviço a Deus, de crescimento nas amizades, e de aprofundamento da descoberta comunitária que há em nós, Deus vai despertando o amor mútuo e mostrando aos nossos olhos as riquezas que existem nos corações, e que nos levam a começarmos a aprofundar uma relação especial de amor.

No Gn 2,18-25, vemos uma razão fundamental para descansarmos em Deus, a fé. O texto nos diz que ‘Deus viu que o homem estava só…’ e precisamos crer que Deus nos vê, olha a nossa condição, nossa preocupação e nossa solidão, Ele se importa conosco, pois em Jesus Cristo nos revelou no Evangelho que conhece até quantos cabelos temos em nossa cabeça, isto é, se importa com o mais insignificante de nossos problemas, portanto se importa com nosso futuro, e o nosso futuro depende necessariamente de nossa opção vocacional.

Gosto de completar que esta passagem acrescenta’… não é bom que o homem esteja só…’, a vocação matrimonial é a primeira das vocações, a primeira que Deus escolheu para a felicidade de seus filhos, e que Deus viu nela um instrumento de serviço ao reino e ao seu plano de amor, na experiência única da comunhão do amor e da procriação como fonte de vida plena para a humanidade.

A exclamação de Adão diante da sua descoberta ao voltar do profundo sono que Deus lhe havia dado, nos deixa felizes por constatarmos como é o plano de Deus para os homens e mulheres, a descoberta de que não é bom que estejamos sós, como disse o primeiro dos viventes: ‘E o homem exclamou: Agora sim ossos dos meus ossos e carne de minha carne’. (Gn 2,23)

São os ossos que dão forma a cada um de nós, sem os ossos seríamos como um monte de carne e músculos amontoados, mas como temos o esqueleto, vamos dando os contornos de cada um de nossos membros, por isto as palavras de Adão tornam-se significativas para entendermos a vocação primeira do homem, o matrimônio, constituir família, esta foi a primeira das vocações e não uma vocação de segunda categoria para os fracos que não conseguem viver celibatariamente, somos chamados a dar forma uns aos outros pelo matrimônio e a caminharmos para uma vivência sadia da vocação familiar.

O medo de que Deus tenha para nós uma vocação que não queremos, partindo de um princípio de que Deus sempre quer o que nós não queremos, nos impede de dar liberdade ao Espírito para ir revelando ao nosso coração o seu chamado.

O documento Perfect Caritas voltado à vida consagrada, nos ensina que nenhuma vocação acontece sem a confirmação em nossa vida, Deus não nos força, Ele nos convida e a resposta é livre e convicta de nossa parte.

Claro que sabemos que Jesus fala daqueles que são chamados a servir o reino dos céus como eunucos, como diz Perfect Caritas ‘A consagração é um ato divino, Deus chama à parte alguém por Ele amado, para lhe ser consagrado de modo especial. Ao mesmo tempo Ele dá a graça de responder a este chamado’.

Ao lado da bela vocação sacerdotal, religiosa, consagrada, está também a vocação da complementaridade do matrimônio, uma consagração a dois, que une a masculinidade e a feminilidade, formando um todo, um eu com missão de vida, de Igreja e de amor.

Gostaria de dar um testemunho, quando conheci o amor de Deus procurei encontrar alguém que partilhasse comigo do mesmo sentimento e que eu pudesse namorar e vir a formar uma família. Esta procura me angustiava cada vez mais, e eu já não sabia orar sobre outra coisa que não fosse pela minha área sentimental, eu queria estar na vontade de Deus, mas também tinha meus gostos, tinha também meus medos de que Deus não me quisesse casado, além da preocupação com a sexualidade, meus impulsos, etc…

Quanto mais eu procurava mais difícil as coisas ficavam, de forma que eu já nem sabia direito como procurar; neste ponto optei pelo absurdo, me afastar da procura e das feridas de ser rejeitado, que era um de meus maiores traumas e também de não namorar só para não ficar sozinho. Foram quase dois anos de descanso no Senhor, que me trouxeram um crescimento incalculável, minha vida de oração melhorou, meu coração se tranqüilizou, comecei a me preocupar com a transformação real da minha vida e como servir melhor a meu Deus. Quando já não esperava com tanta aflição, acabei por começar um namoro que depois de dois anos de amadurecimento gerou a minha família. Também minha esposa se lembra de uma reunião de oração no grupo de partilha onde Deus lhe falava que não se preocupasse, pois já estava preparando um companheiro para ela, e isto lhe trouxe muita paz, alguns anos depois viemos a namorar, fruto de confiar em Deus.

É preciso porém compreender que Deus não quer dominar a vontade das pessoas e obrigá-las a viverem de acordo com Sua vontade, pois Ele deu-nos a liberdade, que muitas vezes vamos usá-la de forma errada, ou vamos esperar que Deus obrigue alguém a ficar conosco porque tivemos uma suposta palavra profética sobre o assunto.

Precisamos conhecer bem a Palavra de Deus para que não peçamos ou perguntemos a Ele o que Ele já revelou na Sagrada Escritura ou pelo Magistério da Igreja, como por exemplo se Deus abençoaria um namoro com alguém casado. Pois sua Palavra é clara e nos ensina a não separar o que Deus uniu, nem levar o irmão ao adultério e a fornicação.

O namoro é o tempo de aprofundarmos o relacionamento, para descobrirmos quem é a pessoa com quem vamos construir um novo eu, é a preparação sadia para as núpcias, e só tem sentido diante desta perspectiva do casamento, para isto ele existe e não para ser uma aventura, ou uma brincadeira.

Em resumo, o namoro é a atividade que nos permite conhecer mais profundamente o outro em busca de encontrarmos a ajuda adequada, o companheiro(a) que respondendo à mesma vocação matrimonial irá construir conosco a nova vida, que nasce do Sacramento do Matrimônio e termina na eternidade quando todas as coisas serão coroadas do amor.

Fonte: Sacramusic