Castidade?

Quando São Francisco e Santa Clara escreveram, no século XIII, que os seus Irmãos e Irmãs iam viver o Evangelho em castidade (além de vivê-lo em obediência e sem propriedade) entenderam que os frades menores e a as clarissas eram pessoas que não iam se casar. Sabendo que tanto Francisco como Clara tinham uma visão tão positiva das coisas, como é que a gente deve entender, hoje, a proposta que eles nos fizeram?

Será que ainda tem sentido falar em castidade hoje? Não é coisa do passado, em um tempo em que o sexo parece que se tornou tão necessário e, ao mesmo tempo, tão banal? Ainda haveria pessoas capazes de fazer essa renúncia?

Sim, o que Francisco e Clara têm a nos dizer é muito positivo e eu acho que hoje todo mundo está precisando ouvi-los, não só os frades menores e as clarissas.

O que a castidade não é…

Para começar, a castidade pode até incluir uma renúncia ao casamento, mas nem sempre. E, com toda a certeza, não é uma renúncia à sexualidade. Deus nos fez homens e mulheres e nós o somos sempre e em tudo, sem a menor possibilidade de renúncia. Aliás, sem a menor necessidade de renunciarmos a nada disso. Castidade não é ter uma visão negativa do sexo, muito pelo contrário.

Como, por uma questão de preguiça mental, muitas vezes a gente prefere se prender a fórmulas, já houve tempo em que muitas pessoas pensaram que viver a castidade consistia em se trancar em um convento atrás de grades, usando roupas medievais que escondiam até o pescoço. Como já se ensinou que os castos nunca dançavam e, quando tinham que cumprimentar alguém, só o podiam fazer formalmente, sem dar mais do que a mão. Sim já se pensou que os castos tinham que tentar ignorar o corpo e viviam um cerceamento, uma diminuição da pessoa. A virgindade corporal já foi divinizada como um tabu, isto é, como uma lei que todo mundo tem que cumprir mesmo sem saber porque ela existe. Porque se atribuía tudo isso à vontade de Deus.

Já houve tempo, e ainda há lugares em que, fora do mundo cristão, se afirmou que o corpo só pode ter sido criado por um deus do mal. No mundo cristão, muitas vezes preferiram falar na ação do demônio.

O que a castidade é…

Neste trabalho, nós queremos mostrar que a castidade é uma visão muito mais rica e aberta da sexualidade: é uma visão positiva do amor, que valoriza o corpo e o sexo. Aliás, mais do que isso, é uma visão criativa e libertadora da afetividade.

E queremos mostrar que isso não é nenhuma novidade, pelo menos para os que sempre souberam ler com a mente aberta a Palavra de Deus que está na Bíblia e que foi vivida, continua a ser vivida, por todas as pessoas que se abriram ao Deus do Amor. O livro do Cântico dos Cânticos vai ser a referência fundamental de toda a nossa reflexão, porque viver a castidade é viver, pessoalmente e como Igreja, a aventura do amor de Deus.

Uma nova proposta

Se há alguma novidade no que vamos apresentar ela está em uma nova maneira de falar sobre o amor, sobre a liberdade, sobre o uso do corpo, sobre as nossas amizades e relacionamentos. São Francisco e Santa Clara de Assis traduziram para a linguagem do século XIII a plenitude de vida que Jesus Cristo veio trazer ao mundo dois mil anos atrás. Nós vamos aproveitar o que eles souberam viver para ver se conseguimos falar aos homens e às mulheres que estão entrando no terceiro milênio depois de Cristo.
Eu acho que a proposta cristã foi renovada de uma maneira muito bonita pelo Concílio Vaticano II que, nos anos sessenta do século XX começou lembrando que nós todos somos um Povo amado por Deus e que está caminhando para Deus. E deixou claro que caminhar para Deus é caminhar para o Amor, porque, como lembrou São João em sua primeira Carta, ‘Deus é Amor’.

Na visão do Vaticano II, um Povo que está caminhando para o Amor, está aprendendo a amar, porque, na vida eterna, é só isso que nós vamos fazer: Amar a Deus, amar a todas as pessoas, ser amados por Deus, ser amados por todas as pessoas.

Foi dentro dessa visão que o Concílio também renovou a sua maneira de entender as pessoas que vivem em castidade por voto. Fazer um voto é comprometer-se a dar um presente a Deus, evidentemente a dar um presente com imenso amor. E esse presente não é a renúncia ao amor e sim o testemunho do amor eterno.

Comprometer-se com a castidade, na proposta da Igreja do século XX é ser, no meio do seu Povo, uma pessoa, ou um grupo de pessoas que provam, por seu exemplo e por sua alegria, que aquele amor da eternidade vai existir mesmo. Tanto vai existir que até já existe, para quem está vivendo a Castidade.

Livres para amar

Por isso, castidade é liberdade para amar. Uma liberdade sem limites para um Amor sem limites.

Depois de ter passado mais de quarenta anos cultivando o coração para ouvir pessoas – tanto pessoas consagradas a Deus com o voto de castidade, como pessoas casadas mas de uma fé cristã assumida, e até pessoas com outros pontos referenciais de vida, tenho que concluir que todos sonhamos com a liberdade para amar, mas muito poucos estão conseguindo vive-la de fato.

Como Francisco e Clara de Assis souberam fazer isso muito bem, nós vamos pedir a ajuda deles na caminhada que queremos abrir, neste caderno e em nossa vida, para sermos cada vez mais livres para amar.

Francisco e Clara de Assis quiseram viver com simplicidade o Evangelho. Por esse caminho, Deus os ensinou a estabelecer uma ponte entre o ‘Cântico dos Cânticos’ do Antigo Testamento e a Carta sobre o Amor, escrita por São João no Novo Testamento. Aprenderam, e muita gente já aprendeu com eles, como é que nós podemos acompanhar Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, cantando o hino da imortalidade.

Fonte: Sicoar