Carência afetiva

Não podemos ser orgulhosos e não reconhecermos carentes. Todos nós somos carentes mas Deus tem um jeito para nós: nós temos solução, temos jeito. Muitas das nossos atitudes desgostosas com os outros e conosco mesmo são causadas por carências que tivemos em nossa história. Neste texto vamos caminhar bem no que é a carência afetiva, quais as causas e as soluções de Deus para nossa cura e transformação, pois Deus quer nos formar para uma vida de santidade.

Na idade de 0 a 5 anos, a criança tem três necessidades básicas: amor, alimento e higiene. O prejuízo seria o atraso, a falta ou o excesso dessas necessidades. Neste caso a satisfação seria de forma imediata e equilibrada, ou seja, suprir essas necessidades de forma concreta sem atrasos, mas também de forma tranqüila e verdadeira.

Os prejuízos podem ser causados por algumas circunstâncias:

· Excessiva severidade, sem demonstrar amor e sem explicar as ações;
· Decepção dos pais ao receber o filho, não sendo o físico que ambos esperavam (frustração das expectativas);
· Morte de um dos pais ou de um parente ou amigo da família muito próximo da criança;
· Nascimento de um irmãozinho (vendo-se que esse nascimento pode causar nos pais um excesso de carinho no mais novo e desequilíbrio – falta – no mais velho causando ciúme);
· Os pais terem um receio demasiado pela saúde da criança;
· Desavença entre os pais, etc;

Com isso, concluímos que a falta de amor gera carência afetiva. Mas quais as reações que uma pessoa concretiza com tudo isso na sua história?

A criança quando não se sente amada, ou não recebe amor que se espera, mostra duas personalidades: a boa e a rebelde. A boa é interesseira, para ela é obrigatório que se dá, deve-se receber, faz tudo em troca de algo. Dá uma bala e quer receber em troca outra bala ou até mais se for muito ambiciosa. Faz de tudo para ser amada, retribuída, o amor não é verdadeiro pois não é uma doação gratuita, quer sempre algo em troca, e quando não recebe se frustra, demonstrando isso com o afastamento da pessoa que doou o amor e que não recebeu como quis, ou em outras ações, o que somos costumados a dizer que “estamos fazendo cenas”. O outro lado que também precisamos é a rebelde que faz tudo para ser notado (amado), pois no fundo sua intenção é a de ser vista, chamar atenção. Com a carência afetiva, a pessoa não sabe dar nem receber amor, sente-se incomodada com as duas coisas, ou com uma só deles, sabendo amar e não sabendo receber amor, ou (hiper-egoísta) não ama e só quer receber.

Isso faz parte do sistema do mundo. É assim que se faz no mercado, dou a quantia para receber a mercadoria necessária. Mas essa não é a regra do Evangelho. Jesus age e pede que se haja diferente, pois Deus nos amou por primeiro e quer que nós amemos primeiro, esse é o verdadeiro amor. A cura da nossa carência está em reconhecermos carentes e reagirmos com o amor, com as ordens e direções que nos dá o Santo Evangelho. O amor que se cura não é o que se recebe mas o que se dá gratuitamente. É interessante que até nossa língua portuguesa nos ensina, pois nos evangelhos o verbo no imperativo, o que é próprio dele, é exigir uma ação, uma ordem: orai, fazei, buscai, amai, etc, tudo são ações que Jesus nos manda ter que exige que saiamos de nós mesmos. Uma vez que seria da nossa humanidade machucada querer dar para receber em troca, é necessário que ajamos como Deus quer de nós: AMAI, DAI sem querer receber nada em troca – isso é o verdadeiro Amor. É um sair de si mesmo ao encontro do outro, não nos preocupando com a reciprocidade. Deus quer que amemos, e muito, convida-nos a dar a vida por amor. Se alguém quer ser perfeito, santo como Ele é Santo, esse, como diz Santa Terezinha, é o meio, a via mais segura para se alcançar a santidade, o amor.

Mas também é preciso reagirmos com a nossa ingratidão de não sabermos receber o amor que nos é dado. É matéria prima do nosso orgulho não sabermos receber, ou querermos receber da nossa forma, não sabendo sermos amados da forma que as pessoas sabem nos amar, mas da forma que queremos ser amados, e até mesmo uma coisa que intrinsecamente pecaminosa que é não ter gratidão em nosso coração com o amor recebido, pois um coração auto-suficiente não sabe agradecer, pois está muito cheio de si e “nunca tem tempo para o outro”, nunca está satisfeita.

O quanto Jesus disse que éramos para nos amar, “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Jesus por não ser carente fazia tudo ao contrário, amava sem querer receber nada em troca, mas por amor só havia um desejo no seu coração que era para não pecarmos mais e seguí-lo, não porque seria bom para Ele mesmo, mas por nós, pois sabia que somente Ele era o Caminho, a Verdade e a Vida que necessitamos. Jesus dava sem receber em troca. Poderíamos até pensar que Jesus quando curou os dez leprosos, e um só voltou para agradecer perguntando onde estava os outros nove, que Ele queria o agradecimento dos outros, a retribuição dos outros, mas até aí Jesus faz diferente, pois esse um voltou dando glórias a Deus pelo que Jesus fez, e diz a palavra que Jesus perguntou onde estavam os outros nove para dar “glórias a Deus” (Lc 17, 19). Até aí Ele não quis a retribuição para si, mas para Deus, o grande Mistério de humildade recíproca que se tem entre a própria Santíssima Trindade, Jesus que reconhece a obra do Pai.

São Paulo na sua carta aos Romanos nos dá total direção daquilo que devemos fazer. “Dai a cada um o que lhe é devido” (Rom 13, 7), pois devendo não podemos realizar a missão que Deus confia a cada um de nós, devendo não podemos servir. O combustível da nossa evangelização deve ser o amor, precisa ser o amor, e o que devemos aos nossos é o amor que Deus quer que nos amemos. No versículo 8 diz que não podemos ficar devendo nada a ninguém a não ser o amor de devemos uns aos outros, pois o amor é o cumprimento perfeito da lei. Já vi casal de 20 anos de matrimônio querendo se separar por causa de periquitos, como também já vi irmão correr atrás de outro irmão com faca por causa de um adesivo da “Coca-Cola”, mas nunca vi um coordenador de grupo de oração, um casal, irmãos ou amigos brigando por quererem amar mais. Nunca vi nunca discussão a seguinte frase: “QUEM AMA MAIS AQUI SOU EU”. No capítulo 12, 1 diz que devemos, pelo amor fraterno nos unir num só coração, com terna afeição, RIVALIZANDO-VOS em atenções recíprocas e essas atenções recíprocas é amor, e mesmo que não seja recíproco, devemos amar, eu devo amar por primeiro. Diz São João da Cruz que onde se planta amor, se colhe amor. Seria muita burrice querer amor de alguém se eu não amar primeiro, e mesmo que não me amem, eu preciso amar, pois não estou fazendo mais que minha obrigação, se quero ser santo. Tenho aprendido com Deus que o Amor resolve todas as coisas. Sanit-Exupérit no seu livro “O Pequeno Príncipe”, num diálogo entre o principezinho e a raposa, esta diz para ele, “mas se me cativar, terei necessidade de ti e terás necessidade de mim (…) cativa-me”. Belo discurso, mas nem mesmo a raposa que queria somente ser cativada quis cativar primeiro, teve pena de sair de si mesmo, o principezinho teve que fazer por ela.

Deus quer nos curar, e para a cura da carência afetiva nesta área não basta só recebermos oração e orarmos nesta intenção, o que não poderia faltar que é evidente, mas é necessário também e principalmente reagirmos contra nossa humanidade, dando um PHN ao nosso orgulho, egoísmo, auto-suficiência, e sairmos de nós mesmos indo ao encontro de Jesus abandonado que se faz presente em todos os que estão ao nosso redor. Sou eu quem tenho que amar primeiro: se o outro não vem, EU VOU. Jesus sempre ia, e vem até hoje a nós com seu Espírito e no Pão Sacramentado, e assim como Ele precisamos tomar uma decisão concreta de amar, por isso amemos e seremos curados.