A simplicidade das crianças

Logo após escrever sobre o Reino de Deus e a condição para nele entrar dada por Jesus de que devemos ser como crianças presenciei uma cena de uma pequenina que me fez concluir que o Senhor estava certíssimo na comparação que fez.

Aqui em Roma celebro a Santa Missa todos os domingos num hospital. São assíduos freqüentadores um jovem casal e seus dois filhos pequenos, um de colo e Sara Maria, que tem dois ou três anos, e que silenciosamente perambula durante a celebração por todos os cantos da Capela.

Os que freqüentam esta Missa costumam se ajoelhar depois da bênção final e ficar alguns minutos em ação de graças pela comunhão recebida. Num destes domingos vi que Sara me olhava muito. Chamei-a e, tirando uma bala do bolso da batina, fiz a alegria da pequenina que correu alegre para mostrar o “presente” ao pai. Os pais logo lhe disseram: “Agradeça ao Padre”. E a “bambina” voltou, parou na minha frente, olhou-me por uns segundos e presenteou-me com o papel da bala. Entendi que era a sua maneira de agradecer. Estes pais exemplares ensinam muito bem a filha. Todos os domingos antes de irem embora dizem a ela: “Saúde a Jesus, Sara”. E ela manda um beijo ao sacrário. No “domingo da bala” os pais disseram a mesma coisa àquela menina. Ela rapidamente preparou o beijo em sua mãozinha mas, em vez de dirigi-lo ao sacrário, mandou-o para mim. Todos os que estávamos
na capela sorrimos.

Eis um pequeno episódio para ilustrar a simplicidade própria das crianças, mas que deve ser também a nossa. Nosso relacionamento com o Senhor necessariamente deve ser o de pequenos, pequenos filhos que confiam, que esperam, que amam, que sabem ser agradecidos.

Não se trata de sermos sentimentalistas. Não. Nossa piedade deve ser inteligente mas isto não exclui que seja afetuosa. Seria muito bom neste período de tão nobres sentimentos, desejos e reflexões como o do período pós-natalino que nos perguntássemos se quando nos dirigimos ao Senhor o fazemos com confiança filial ou só por obrigação. Falamos com quem temos confiança, com quem sabemos que está perto de nós, que compartilha de nossas alegrias e sofrimentos ou estamos meio de longe como quem só tem medo. A criança, na sua pureza, abraça e beija o pai e a mãe até sem motivo. Quer expressar o seu amor. E nós? Procuramos a Deus só quando precisamos passar numa prova, quando necessitamos de um emprego, quando temos urgência em alguma questão. Ou somos simples como os pequeninos dirigindo nosso carinho a Deus através do agradecimento pelos dons recebidos.

Deus se fez criança e quer que nós também nos façamos para podermos estar no
seu Reino eterno. A vida de oração é o meio por excelência para nos tornarmos crianças diante de Deus. Quem reza pede. Pedir é próprio não dos soberbos mas dos humildes e pequenos. Quem reza agradece. Agradecer é próprio dos que se sabem amados. Já que estamos num tempo de fazer planos para o ano que se inicia tenhamos o propósito de rezar mais no próximo ano. De conversar mais com o Senhor. De agradecer mais a Deus todos os benefícios nem que seja com um papel de bala, isto é, como o nosso nada. Nem que seja com um beijo, em outras palavras, com a demonstração do nosso afeto, da nossa fé, inteligente mas também afetuosa.