À procura de Deus

As grandes tentações totalitaristas do século passado não destruíram este desejo profundo de cada pessoa ser reconhecida como única e inalienável. O todo de uma nação ou de um grupo de indivíduos não pode significar a morte do que é particular. Contudo, os constantes atentados à dignidade humana de pessoas e comunidades, por um lado, e a massificação cultural e consumista por outro, põem em causa constante o valor de cada um.

Num mesmo jornal deste domingo surge a notícia do médico italiano que terá clonado um ser humano, e também a de um “casal” de lésbicas norte-americano, surdas, que recorreram à inseminação artificial de um dador surdo, com objectivo de terem um filho surdo! Evolução ou cúmulo do egoísmo? Parece que entramos naqueles filmes de terror com cientistas loucos e uma humanidade submissa aos seus caprichos. O que é possível cientificamente torna-se moralmente realizável? Cada pessoa não é uma soma de átomos e moléculas, nem o produto escolhido de um catálogo!

Cada um de nós é dom e surpresa de um projeto de amor. Cada um tem um chamamento único, uma vocação que não determina as nossas escolhas, mas nos abre a horizontes mais plenos de vida. É a voz de Deus, que ecoa baixinho na alma de cada um, e aponta a vida em abundância. E o grande perigo é abafarmos esta voz. Nas crianças e nos jovens abafa-se com o pouco tempo para escutar as suas perguntas, para alimentar os sonhos, para promover a coragem e generosidade. Nos adultos é a ânsia de consumir e tudo fazer para ter mais coisas, a vida absorvida em trabalho e alienação, o culto da aparência que abafam esta voz. Fica sufocada. É a essência da vida que fica por responder. Podemos ter uma vida com abundância mas não uma vida abundante!

Culminamos hoje a semana das vocações. Daquelas que chamamos de “especial consagração” e de todas. Porque o segredo de ser cristão é sabermo-nos chamados. À vida, à fé, à doação da vida, à santidade. E enquanto houver alguém que não saiba ainda que Deus o chama, há uma boa nova a comunicar. Que é a santidade senão essa aprendizagem de termos um coração universal, capaz de gestos tão espantosos com raízes na terra a crescer para o céu azul?

Não creio numa santidade balofa de “perfeições egoístas”, mas nesta santidade quotidiana de amar tanto a vida que até somos capazes de a dar. Cada um tem o seu chamamento próprio. Que não se realiza de uma só vez, mas tem os contornos de um caminho com avanços e recuos, ousadia e indecisões, coragem e medo. Os caminhos cruzam-se, entrelaçam-se mas são únicos. Tapar os caminhos à partida é impedir o encontro com a vida em abundância!

Pe. Vitor Gonçalves
Portugal, 21 de abril de 2002.