A metade do "X" da vida

Malba Tahan, é o pseudônimo sob o qual assinava suas obras o genial professor, educador, pedagogo, escritor e conferencista brasileiro Júlio César de Mello e Souza. Diga-se a propósito, que a infância desse ilustre professor foi vivida em Queluz, às margens do rio Paraíba do Sul, nas vizinhanças da Canção Nova em Cachoeira Paulista, São Paulo. O criativo autor e excelente contador de histórias possuía uma didática própria e divertida, até hoje ainda viva e muito admirada.

Em sua mais famosa obra, “O Homem que Calculava”, em um dos mais interessantes capítulos narra um insólito desafio ao principal personagem, Beremiz, respeitado calculista convocado a apresentar a solução para o problema do “X” – a incógnita – da vida de um condenado. A narrativa mostra certa autoridade, um vizir árabe, que num gesto de bondade manda reduzir à metade do tempo de sua existência a pena de um sentenciado à prisão perpétua. Os ministros mandam chamar Beremiz para calcular e demonstrar matematicamente, quando ocorreria esse momento. A questão extremamente delicada, assim sendo, seria determinar quantos anos de vida ainda teria aquele condenado e libertá-lo exatamente quando atingisse a metade da sua vida.

No final a solução para a complexa questão nos parece, na atualidade, muito simples: o condenado deveria passar a metade do seu tempo na prisão e a outra metade em liberdade, livre durante 12 horas do dia e na prisão no período restante de 12 horas da noite; a solução do problema é semelhante àquilo que hoje conhecemos como “regime semi-aberto” (embora não corresponda à situação proposta na história).

Ficção e curiosidades à parte, a incógnita da duração da nossa vida – profundo mistério – é um tema estimulante às discussões filosóficas, à meditação e às profundas cogitações. E nestes tempos, apesar de todos os avanços tecnológicos e científicos, cada vez mais se torna difícil imaginar qual será a duração de nossa tão preciosa vida (enquanto parte da sociedade convive com tanta violência e tenta impor a crueldade da lei do aborto). Muitos se apegam às estatísticas acompanhando os índices de expectativa de vida, enquanto a ciência busca recursos que possibilitem uma vida mais longa. É inegável que muitos avanços da ciência têm sido importantes como, por exemplo, os transplantes de órgãos e medula e os equipamentos como o “marca-passo” cardíaco.

Permitam-me uns parênteses para comentar sobre a incoerência das idéias de nossos semelhantes quanto à vida: porquê tanto empenho em prolongar a vida através de recursos tecno-científicos e ao mesmo tempo estimular a interrupção da vida de um embrião ou de um ser humano não-nascido? (grifo “ser humano” para que ninguém pense que um embrião seja um vulgar “rascunho” de gente…).
O grande problema, atualmente, é a forma de pensar de parte da sociedade (felizmente parte) onde os nascidos têm maior direito à vida do que aqueles que estão para nascer.

Vamos, todavia, a dois Salmos intitulados “A Brevidade da Vida”. O Salmo 89 nos parece atual quando fala em “Setenta anos é o total de nossa vida, os mais fortes chegam as oitenta, a maior parte deles em sofrimento e vaidade, porque o tempo passa depressa e desaparecemos” (v. 10), enquanto no Salmo 38 há um apelo ao entendimento: “Fazei-me conhecer, Senhor, o meu fim e o número de meus dias, para que eu veja como sou efêmero. A largura da mão, eis a medida dos meus dias; todo homem não é mais que um sopro” (v. 5-6).

Ainda sobre a duração da vida o Livro do Gênesis fala em 120 anos, pois o Espírito do Senhor não mais estaria com os homens (6,3) e o Eclesiástico em 100 anos (“quando muito”), no entanto o texto Sagrado nos fala de Noé morrendo 350 aos depois do dilúvio e com 950 anos de vida, um tempo de vida reservado aos verdadeiros e ungidos amigos de Deus; Sara viveu 120 anos e o patriarca Abraão, seu esposo viveu 175 anos (Gn 23,1; 25,7) todos com uma venturosa velhice como tantos outros personagens bíblicos.

Temos aqui uma preciosa lição, a de viver na amizade com o Senhor todos os dias de nossa vida, em paz com o próximo (a começar na família), não em busca da vida longa, mas de uma vida repleta em anos e frutos, porque o Senhor ama a vida. Isto, sem dúvida, é a sabedoria que devemos intensamente buscar. A extrema e absoluta verdade é que ninguém pode prolongar a própria existência, pois como nos questiona Jesus “Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida?” (Mt 6,27).

Inúmeros santos e santas tiveram vida tão breve e tão rica em graça e sabedoria, apesar de tantos sofrimentos, e conhecendo suas histórias, seus breves passos neste mundo, temos impressão de terem vivido um extenso número de anos. Por isto não nos esqueçamos da exortação da 2a. Carta de Pedro: “Um dia diante do Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia” (2 Pd 3,8).

Jesus esteve entre nós pouco mais de três décadas, não morreu prematuramente e por razões político-religiosas como alegam os descrentes, mas viveu o tempo exato e necessário para mudar o mundo. E quem dentre os profetas e mestres com pouco ou longo tempo de existência puderam dividir a história da humanidade em “Antes” e “Depois de” (aC/dC), se não Jesus Cristo?

Pouco importa, enfim, qual é o valor da incógnita da duração de nossa vida, importa procurar ainda hoje a conversão e a libertação – “Não demores em te converter ao Senhor, não adies de dia em dia” (Eclo 5,8).
Ao fazer a vontade do Pai a cada dia, entregando em suas Mãos e em seu generosíssimo Coração o dia de amanhã, a nossa breve ou longa existência será abundantemente abençoada pelo Senhor da Vida.

A todos os irmãos e irmãs uma longa, abençoada e frutuosa vida na Paz do Senhor!