A copa de Pinóquio

      Há dias que você levanta com o pé esquerdo e sente-se revoltado contra tantas coisas que nem sabe como começar. Mas percebe que são revoltas santas e provocadas por situações sociais, políticas e religiosas que todos gostariam de ver solucionadas à luz da verdade. A verdade quase sempre ou está na UTI, ou ferida, ou na porta do cemitério para ser enterrada. Jesus nos adverte que somente a verdade é capaz de nos libertar de nós mesmos e de todo tipo de mentira inventada para defender as próprias posições e não perder o “status quo” adquirido com tantas outras mentiras e poucos esforços. Todos, desde as crianças às pessoas analfabetas, conhecem a história de Pinóquio. Uma novela amena, onde não há nenhuma onda de pornografia ou de violência bruta. Claro, pode ser que os psicanalistas, lendo a novela de Carlos Collodi, vejam nela o subconsciente doentio e dominador de Gepetto, ou a rebeldia de Pinóquio ou até um caso amoroso inimaginável da fada Turquesa com o Pinóquio. Mas vamos deixar de lado tudo isto que não vem ao caso. Pinóquo é símbolo da mentira e da preguiça genética, vida boa, água fresca, comida e diversão sem fazer nada. Viver de juros e correção monetária. Por isso me veio a idéia que dou de graça para quem quiser que poderia ser no Brasil instituída a “copa da mentira” e nesta copa ganhariam os mais mentirosos, os campeões em mentira que parecem verdade e que num toque oferecem uma aparência de honestidade que é tão fácil descobrir até pela pessoa mais ingênua.

      Todos nós sabemos que o povo necessita de verdade, e não de mentiras eleitoreiras que, de quatro em quatro anos, voltam com uma fidelidade impressionante. Em tempo de eleição se tem a impressão que tudo vai mudar e que teremos uma vida nova, um Brasil onde vai sobrar trabalho para todos e onde os maus espíritos são afastados com um toque de mágica. Precisamos de ilusões, aliás, vivemos de ilusões, mas nem tanto. Peço perdão aos meus cinco leitores pelo meu desabafo e que me ajude e corrijam se estou errado. Não consegui entender por que os ricos, assim me parecem, não querem a reforma da previdência… Querem continuar a Ter salários que chegam as raias do impensável, cifrões que o pobre nem sabe ler e que deveria viver 200 anos trabalhando de sol a sol e ainda não alcançaria os 58 mil reais destes privilegiados que adquiriram este salário através de pontos e liminares de justiça. Até criança de berço sabe que não seria isto nivelar os salários, todos ganharem a mesma coisa. O salário é fruto do trabalho e das especificações, das atribuições, da responsabilidade, do preparo intelectual, mas disto a chegar ao salário ofensivo à moral e ao mínimo da dignidade humana tem muitos mares para atravessar. Há uma justiça que não depende somente da observância das leis, mas da consciência ética das pessoas. Neste cenário nós vemos se digladiar os nossos políticos. Na campanha eleitoral preocupado com a justiça e com o desejo que a pobreza seja superada, e cada cidadão brasileiro tem direito sacrossanto de Ter todos os dias o que comer e o que vestir. Que podem ficar super tranqüilos que vão Ter condições de estudo e um dia progredir na vida. Deveremos instaurar durante as eleições a “Copa Pinóquio” para ser distribuída entre os que são capazes de mentir mais descaradamente e que falam coisas que nem eles mesmos acreditam.

      O mundo de hoje, cada vez menos, suporta a mentira, seja qual for. Não queremos mais ser enganados nem no bem e nem no mal, queremos contemplar a verdade com os nossos olhos e tocar com as mãos o que nos é dito. Vivemos quem sabe a espiritualidade de Tomé que, quando voltou e os discípulos lhe disseram “vimos o Senhor ressuscitado”, ele simplesmente não acreditou e disse “se eu não colocar o meu dedo nas feridas, se eu não vir os cravos de suas mãos, não acreditarei no Senhor”. É verdade que o Senhor Jesus o desafiou e lhe recordou que são mais felizes os que crêem sem ver, mas por causa de sua incredulidade não foi repreendido, somente foi convidado a crer no seu irmão de caminho e ser testemunha. Saímos agora de uma guerra estúpida e medrosa das potências orgulhosas e prepotentes contra o Iraque. Deram-nos motivações apocalípticas desastrosas que todos seriam mortos em poucos dias com as armas químicas de destruição em massa. Que tudo estava escondido. Que era problema decidido que seriam encontradas e que a verdade apareceria com toda sua luz. Na verdade morreram pessoas e a incógnita continua, e de armas químicas nem a sombra.
O mundo se revolta e os “Pinóquios” da história continuam a ganhar os seus prêmios. Há dentro de nós o sentido da verdade que quer ser respeitada e amada acima de tudo. Dentro do nosso Brasil o que vemos de concorrentes ao prêmio Pinóquio não está escrito e uma sede de enganar em vista de uma vida boa e melhor, e às custas dos pobres. E o nosso bem estar aumenta o sofrimento de outras pessoas. Há mesmo dentro da Igreja nem sempre atitudes que nos honram e nos fazem luzes para os demais.
Seja qual for a situação vale a pena reavivar em nós o desejo incontrolável da verdade. E somente a verdade será capaz de abrir-nos caminhos novos para uma felicidade feita de poucas coisas, mas de muito amor. Engano é como embriaguez, dá alívio no momento porque nos parece Ter vencido, mas depois dá uma ressaca desgraçada e uma dor de cabeça que ninguém se livra. Verdade e mentira duelam forte pelos caminhos da vida, mas não podemos perder a esperança de que a verdade vai se manifestar, mais cedo ou mais tarde. É tanta a mentira que em todas as situações há documentos secretos, documentos confidenciais aos quais somente poucas pessoas têm acesso, e tudo isto em nome da caridade. Quando a caridade, para ser tal, é verdade e somente verdade. A copa Pinóquio pode ser distribuída à vontade em todas as circunstâncias. Quem sabe se mesmo eu e você, meu amigo e leitor, já ganhamos várias copas Pinóquios e não nos foram entregues. Quem sabe se o mundo todo amanhã se acordará como a marionete Pinóquio com o nariz um pouco mais comprido e com a consciência ética mais curta?