20,40,60...

Sempre para mim foi uma festa celebrar o aniversário dos outros e o meu. Gosto de cantar parabéns não uma, mas várias vezes por dia; me parece que este canto tem em si mesmo uma força de re-doar esperança e vida, e ajudar as pessoas a acreditar que vale a pena olhar para o futuro. Deus nos dá a vida e continua a manter esta vida para que possamos ser sua presença e úteis aos outros. Uma vida não vivida no serviço para os outros, consumida só no intimismo e voltada só para si mesma é muito triste. Nunca seremos servos dos outros numa forma total, mas o exemplo de Jesus vai sempre estimulando. Ninguém, recorda Paulo, vive para si mesmo e ninguém morre para si mesmo, se vivemos, vivemos para o Senhor e se morremos, morremos para o Senhor. E mesmo os que não têm fé vão se conscientizando que não podem ser capazes de pensar somente em si.

O mundo de hoje provavelmente está perdendo parâmetros de doação e de serviço porque está preocupado com o bem estar social, econômico e pessoal. As exigências são tantas que os pais, antes de se decidirem a exercer a sua missão de cooperadores com Deus para dar a vida a novo ser, pensam não uma vez, mas dezenas de vezes, e depois de ter tanto pensado decidem ter um só filho e nada mais. Por que isso? Porque acham difícil formar um filho nos moldes que a sociedade exige e dando-lhe todo o conforto possível. Deus encontra sua alegria nas famílias pobres que são ricas de filhos e que, embora a pobreza, sabem ver nos filhos a continuidade da vida. Muitos filhos dos pobres não devem ser vistos como incapacidade de dominar seus instintos sexuais e nem também como inconsciência e desconhecimento dos métodos anticoncepcionais. Mas os pobres amam de verdade as crianças e sentem alegria de ver a casa repleta de gritos de criança que chora, que brinca ou que corre feliz pelo quintal, se divertindo a empinar pipas.

Não faz muito tempo que celebrei com festa em grande estilo na minha comunidade carmelitana, que embora a minha ruindade me ama, os meus 59 anos. Um bocado de anos que já me permitem o luxo de uma liberdade interior muito grande e de poder dizer o que penso sem pensar muito no que os outros possam pensar. O dom da liberdade é o prêmio de uma sabedoria que faz parte da velhice, ou melhor, como diz a Bíblia, das “canícies”. Cabelos embranquecidos são frutos de sabedoria adquirida no sofrimento da vida. ou podem ser também manifestação dos muitos pecados que já tenho cometido. Jesus, no relato da mulher adúltera, desmascara os “velhos” numa forma bruta e dura: quem não tiver pecado atire a primeira pedra… e, começando pelos mais velhos, todos foram embora”. Claro, mais velhos somos e mais pecados na lógica deveríamos ter e também mais virtudes deveríamos possuir.

Celebrando o aniversário tive a oportunidade de pensar, rezar e olhar para trás com serenidade e amor. E decidi dividir os meus anos em blocos de 20 anos. Pareceu-me uma boa idéia e por isso a comunico e partilho com meus leitores, para que eles também possam ver a vida nesta perspectiva de dom, de caminho, de entrega e de serviço.

0-20: os primeiros 20 anos eu os vejo como trabalho para lançar ao alicerces da própria identidade, busca vocacional, procura ansiosa e angustiante do que pensamos fazer. Nestes primeiros 20 anos as pessoas normalmente decidem o próprio futuro e pensam o que serão. São anos de “doce inocência”, onde não somos tomados pelo medo mas animados pela esperança.

20-40: são os anos onde nós construímos, somos chamados a realizar os nossos sonhos e fazer surgir algo de interessante na vida. Há quem case, vai construindo uma família, tem filhos, constrói a própria casa e tenta construir com esforço a própria segurança econômica e social. Realiza os seus sonhos de política, de trabalho. É um período muito interessante em que muitas vezes o desejo do poder, de fazer, de ser importante entra na vida e nos obriga a experimentar também o peso do fracasso.

40-60: é o tempo da consolidação do que se faz. Olhamos o futuro com mais esperança e nos vemos lentamente, por amor ou por “força”, obrigados a rever o nosso caminho. Há a experiência triste de não estarmos acompanhando o mundo que evolui, e nos sentimos à margem de tantas coisas, mas lutamos para permanecer na superfície e não sermos atropelados pelos acontecimentos que estão por aí. Há neste período um certo cansaço que se faz sentir forte na vida física, espiritual, afetiva. É o período das grandes crises e das revisões do passado. Mas é necessário remar e não deixar de acreditar no amanhã.

60-80: é o tempo em que nós sentimos que entramos numa outra fase da vida, aquela que os sociólogos, com uma certa prepotência, definem como “terceira idade”. É o momento de se preparar para olhar com dignidade o pôr do sol, de uma sabedoria mais calma e tranqüila. Voltamos um pouco a uma serie de privilégios que podem, de um lado aumentar a nossa auto-estima, mas que normalmente são uma máscara de aparência que diz: “sou feliz por ter sessenta e tantos anos”, mas na verdade não é. Sente como privilegiado, não paga ônibus, paga metade de entrada para o cinema, teatro, tem lugar garantido para sentar reservado, tem experiência…mas recusa quando isto não lhe faz bem. É tempo, como diria Santa Teresa, de “já nos vermos, Senhor”. É o momento místico, contemplativo, de semear e deixar herança de bem, de conversão, de abjuração do passado ruim e de assumir o futuro bom. É o momento de sermos bons e contemplar a beleza do paraíso.

80-100: é a etapa da vida que cada vez mais está conhecida por mais pessoas. É o sacramento do “santo ócio espiritual”, onde nos resta a contemplação silenciosa no mais íntimo do coração. Cessam as atividades e só nos é permitido pensar em Deus e nada fazer. As doenças podem chegar e, como crianças, voltamos a ser cuidados na espera da mãe morte que nos dá uma vida nova. É o tempo em que já podemos gozar do céu antecipado. E cantar, com voz quase imperceptível para não perturbar ninguém, as misericórdias do Senhor.