Doação e Adoção de embriões para salvar os embriões humanos excedentes e congelados
O rápido desenvolvimento tecnológico e científico trouxe muitos benefícios e também muitos questionamentos para a humanidade nos últimos anos. As situações especiais, como os métodos artificiais de inseminação e fecundação, seleção do sexo, engenharia genética, transplante de órgãos, congelamento de embriões e pesquisa em seres humanos têm suscitado muitas discussões e necessitam de respostas e parâmetros éticos.
Um dos grandes desafios da bioética atual, diz respeito às técnicas de reprodução medicamente assistidas, em particular a fecundação in vitro, sobretudo no que diz respeito ao embrião sobrante e congelado. O questionamento aqui é: O que fazer com estes embriões? A pergunta propõe uma perspectiva ética, jurídica, filosófica e teológica. Nosso interesse é a proposta de doação e adoção dos embriões chamados “sobrantes”, entre tantas alternativas existentes, no propósito de salvá-los.
Foto: PhonlamaiPhoto
Ao tratarmos da doação e adoção de embriões, exige-se, num primeiro momento o reconhecimento de tais embriões, ou seja, o reconhecimento de todos aqueles que se encontram em qualquer estágio de vida, inclusive no estágio embrionário, da dignidade de pessoa, com isto, a defesa e a proteção dos mesmos, dos direitos humanos.
Biologicamente, sabemos que no momento da fecundação de um espermatozoide com um óvulo formar-se o ovo ou zigoto (unidade genética de um ser humano diferente das demais espécies da natureza). O embrião pode ser constituído in vivo no processo biológico de fecundação natural ou por inseminação artificial, ou, ainda, por transferência intratubária de gametas (GIFT); pode, igualmente, ser constituído in vitro após coleta de óvulos e de espermatozoides, estes são fecundados no laboratório, na proveta (daí vem o chamado bebê de proveta) e, depois, são transferidos para o útero, método conhecido como FIVET – Fertilization in Vitro and Embryo Transfer – é fertilização in vitro e transferência de embrião.
A própria biologia afirma que, desde a fertilização existe, portanto, um novo organismo humano, um novo genótipo, totalmente diferente dos genótipos dos doadores, quer esta fertilização tenha ocorrido in vivo ou in vitro. Portanto, o embrião humano, a partir da fecundação, é uma vida humana e representa uma identidade e individualidade biológica e de código genético que, na sua essência, é um modelo de diversidade e constância. Neste caso, o direito à vida é garantido a todo ser humano que viva; entre as várias fases da vida em desenvolvimento desde a concepção, não havendo nenhuma diferença.
Como surgem os embriões considerados “sobrantes”?
No processo de fecundação in vitro se obtêm vários embriões humanos. O número de embriões produzidos depende do acordo do médico com os pais. Para cada país existe uma lei diferente que regulamenta o número máximo de embriões a serem implantados no útero da mulher a cada tentativa (no Brasil são 4 o número máximo de embriões por tentativa). Em muitas situações o número de óvulos fecundados in vitro é maior que os implantados.
Aqueles que não são implantados são chamados de embriões sobrantes, excedentários ou supranumerários e são congelados (crioconservados), com a finalidade de serem implantados numa futura tentativa de gravidez; para cada país diferente poderão ser doados para pesquisas científicas ou mesmo doados para pessoas que querem adotá-los. Em muitos países, inclusive o Brasil, é proibida a destruição destes óvulos fecundados.
O grande número de embriões sobrantes e congelados nas clínicas de reprodução assistida, levanta debates éticos, jurídicos e teológicos sobre o destino destes quando os pais decidem que não querem mais implantá-los.
Qual o destino dos embriões sobrantes e congelados?
Existem países que obrigam o congelamento de embriões, durante certo prazo, e, depois desse prazo, são destruídos. Outros países, como os Estados Unidos e o Brasil, defendem doações de embriões para fins de pesquisas com células tronco embrionárias. E, ainda, há outros que defendem fecundar apenas os óvulos a serem implantados.
1 Para os autores Alice e Dalton, 2 os embriões são seres humanos vivos em constante desenvolvimento, sujeitos distintos da mãe e de seus progenitores, possuidores, desde a sua concepção, de identidade genética própria e permanente. E que, portanto, igualmente às pessoas nascidas, são dignos de um sincero respeito, independentemente de seu estágio de desenvolvimento, forma ou tamanho, e não merecem o destino de serem utilizados como matéria-prima de processos industriais ou serem objeto de investigação científica (como “cobaias”).
Para os autores, é necessária a proteção dos embriões humanos que sobram nos processos de fecundação assistida. O erro cometido por ocasião da produção e do armazenamento dos embriões não justifica, agora, outro erro: a utilização desses embriões em pesquisas, reduzindo-os ao status de coisa ou objeto e, consequentemente, negando seu significado ontológico.
Para o magistério Católico, “são claramente inaceitáveis as propostas de usar tais embriões para a investigação ou destiná-los a usos terapêuticos, porque tratam os embriões como simples ‘material biológico’ e comportam a sua destruição. Também a proposta de descongelar esses embriões e, sem reativá-los, usá-los para a pesquisa como se fossem cadáveres normais, é inadmissível”. 3 “A maior parte dos embriões não utilizados fica “órfã”. Seus pais não reclamam e muitas vezes seu rastro é perdido. Daí a existência de depósitos de milhares e milhares de embriões congelados em quase todos os países onde se pratica a fecundação in vitro”.
4 E a doação destes embriões sobrantes para adoção?
No mundo há dezenas de milhares de embriões crioconservados condenados, por uma razão ou outra, para o destino absurdo de uma vida suspensa e, em muitos países, destinado à destruição após um determinado período ou destinados a usos instrumentais, tais como a produção de células-tronco embrionárias.
A adoção de embriões pode ser a alternativa ao seu uso em pesquisas. Em países onde pesquisas com células-tronco estão legalizadas, como o Brasil, Inglaterra, EUA e Coreia, grupos contrários apostam na “adoção” de embriões de clínicas de fecundação assistida para evitar seu descarte ou uso em pesquisas. A adoção pré-natal, expressão que remete para o caso de uma mulher que acolhe em seu útero um embrião doado por outra mulher, de fato é uma adoção antes do nascimento.
Nas clínicas implantam-se no útero de mães receptoras embriões congelados e guardados em tanques de nitrogênio, “sobras” de outras fertilizações in vitro. A gestação completa e o parto natural garantem que o bebê seja registrado como filho legítimo, ainda que sem parentesco genético com os pais.
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Muitos argumentam que os pais naturais são os responsáveis para tomar e dar uma esperança de vida a seus embriões congelados e propor, como último recurso, que eles sejam doados para adoção pré-natal. Outros, entre alguns católicos moralistas, pensam, ao invés, que a transferência de embriões é um meio em si ilegal, e que, portanto, nem mesmo as soluções mais cuidadosas para a vida dos embriões congelados sejam eticamente justificáveis. Muitos moralistas que negam a legitimidade da transferência de embriões acreditam que seja melhor descongelá-los e deixá-los morrer em paz, sublinhando a não obrigatoriedade dos processos de crioconservação.
Doutrina Católica
A doutrina Católica, sem reprovar abertamente a adoção pré-natal e, antes, julgando-a “louvável na intenção de respeitar a defesa da vida humana” 5 não vê-la como uma solução de fato viável porque “apresenta, todavia, diversos problemas”. 6 Levando em conta toda problemática prática da adoção pré-natal, a instrução Dignitas Personae a julga uma solução, de fato, impraticável. O que a Igreja pede é que se dê um basta nesta produção desenfreada de embriões humanos.
Como podemos avaliar?
Os laços físicos e emocionais com a mãe adotiva e, consequentemente, com o pai adotivo será mais forte do que na adoção pós-natal tradicional; o estabelecimento de vínculos mais profundos ajuda a fortalecer a dinâmica de boas-vindas em sua adoção. A adoção pré-natal responde à dinâmica antropológica da adoção como acolhimento, da parte de um casal, de uma pessoa abandonada, que não é carne de sua carne, mas torna- se em virtude da fecundidade intrínseca e natural do seu amor. Parece que do ponto de vista do adotado, não faz diferença ser adotado pré-natal, in vitro, no útero ou ser adotado pós-nascimento.
Conforme o bioeticista Faggioni, podemos dizer que, a solução, sugerida como um último recurso (extrema ratio) para salvar da morte certa os embriões abandonados, tem o mérito de considerar com seriedade o valor da vida, enquanto embriões frágeis.
Mãe
Destina-se a reduzir os efeitos nocivos de uma situação desordenada; porém uma desordem em que a razão ética se encarrega de agir profundamente nas mesmas tentativas de solução. 7 Parece-nos que a transferência de embrião em mãe adotiva, excluindo qualquer forma de fecundação heteróloga e útero de aluguel, não fere em si a lógica da procriação humana porque se coloca em uma lógica diferente, mas coerente com a adoção tradicional. Com a possibilidade de adoção desses embriões congelados evitar-se- ia a destruição desses seres humanos. Nesse caso, poderia abrir-se uma exceção permitindo que mulheres solteiras procriassem (adotassem) esses embriões, além das casadas ou em união estável. Seria menos mal que a destruição desses embriões.
1 No Brasil, ainda não há uma regulamentação sobre o assunto, a não ser a Resolução CFM nº 1.358/92, que aponta algumas normas éticas sobre a reprodução assistida.
2 ALICE TEIXEIRA FERREIRA e DALTON LUIZ DE PAULA RAMOS. JULHO/AGOSTO 2003; ano 1; número 4. http://www.pucsp.br/fecultura/textos/bio_ciencias/16_manifesto.html (Consultado no dia 20 de março de 2017)
3 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Dignitas Personae. São Paulo: Paulinas, 2009, n 19.
4 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Dignitas Personae. São Paulo: Paulinas, 2009, n 18.
5 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Dignitas Personae. São Paulo: Paulinas, 2009, n 19.
6 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Dignitas Personae. São Paulo: Paulinas, 2009, n 19.
7 Cf. M.P. Faggioni, La questione degli embrioni congelati, in “L’Osservatore Romano”, 22-23 luglio 1996, p. 6.