Santa Maria Maior, a última morada escolhida pelo Papa Francisco
A decisão do Papa Francisco de ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, não é um ato aleatório ou impensado. Pelo contrário, é fruto de profunda reflexão e possui múltiplas camadas de significado, refletindo aspetos centrais do seu pontificado e da sua espiritualidade. Uma decisão ponderada e inspirada, recentemente revelou-se que a sugestão partiu do arcipreste da Basílica durante uma das muitas visitas do Papa ao local.

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Inicialmente, o Papa Francisco considerou a ideia incomum, dado que a maioria dos Papas repousa na Basílica de São Pedro. Contudo, após uma semana de oração, reflexão sobre a proposta, certamente foi uma inspiração, pois ele comunicou a sua decisão afirmativa, expressando uma convicção profunda: “Nossa Senhora me disse que esse era o lugar que eu deveria ser enterrado”. Esta afirmação provavelmente recebida em oração sugere também uma confirmação interior, validando a escolha do local.
O vínculo profundo com Maria, marcas do pontificado
A devoção mariana do Papa Francisco não é secundária; ela permeia todo o seu ministério. O seu primeiro gesto público após a eleição, na manhã de 14 de março de 2013, foi visitar a Basílica de Santa Maria Maior para confiar o seu pontificado a Nossa Senhora, sob o título de Salus Populi Romani (Salvação/Protetora do Povo Romano). Mesmo antes de ser Papa, como cardeal e bispo, um dos poucos lugares que visitava em Roma era a Basílica de Santa Maria Maior, demonstrando um vínculo pessoal com Maria no seu ministério como também um vínculo especial com esse lugar sagrado.
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A visão eclesiológica de Francisco está intrinsecamente ligada à figura de Maria. A Igreja que ele procurou fomentar ao longo dos 12 anos do seu pontificado é a expressão do que a Igreja deve ser, como Maria. A Igreja deve ser: Mãe, misericordiosa, terna e, ao mesmo tempo firme, e capaz de produzir a “revolução da ternura”, que ele incentivou ao longo dos anos do seu ministério, uma Igreja capaz de acolher a todos sem exceção – à semelhança das mães que amam incondicionalmente os seus filhos, mesmo os encarcerados. As atitudes de Francisco revolucionou, a forma de como exerceu o seu pontificado, ou seja, não ser como uma “alfândega” que controla o tempo todo os fiéis. Em vez disso, Francisco propõe uma Igreja como “uma Mãe de coração aberto”, profundamente marcada pelas atitudes de Maria.
A relevância histórica da Basílica de Santa Maria Maior
A escolha recai sobre um local de imenso valor histórico e teológico, diferente das grandes basílicas constantinianas, Santa Maria Maior foi a primeira construída por iniciativa direta dos Papas. Primeiro Templo Mariano do Ocidente, foi edificada para honrar Maria como Theotokos (Mãe de Deus), dogma proclamado no Concílio de Éfeso em 431, pois, no Concílio de Niceia, já havia sido declarado que Jesus era verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A construção celebra essa verdade de fé, que já ecoava no coração do povo cristão. Foi construída pelos Papas para honrar Maria, sendo assim, é o templo mais antigo e um dos mais importantes santuários marianos do Ocidente.

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O Bispo de Roma e a devoção ao ícone da Salus Populi Romani está ligada à identidade primordial do ministério que Francisco assumiu: a de Bispo de Roma. Desde a sua primeira aparição na varanda da Basílica de São Pedro, ele enfatizou este papel, pedindo a bênção do povo de Roma, foi uma lição de eclesiologia, mostrando uma Igreja sinodal desde o primeiro momento com o seu povo, depois pediu para rezarem pelo Papa Emérito Bento XVI, e rezou uma Ave-Maria como um primeiro ato mariano de seu Pontificado. Recordou que os Cardeais tinham uma missão de encontrar um Bispo para Roma e afirmou: “Agora começamos esse caminho com a igreja de Roma”, e por isso uma devoção especial Àquela que é a protetora, saúde, salvação, é o que indica Salus Populi Romani.
O sepultamento de Francisco e as marcas do seu pontificado
Algo importante da sua eclesiologia é a sua visão que está muito marcada pela definição de Igreja como Povo de Deus, definição central do Concílio Vaticano II, que ele considera a mais adequada (“o santo povo fiel de Deus”), Igreja que é Mãe, missionária, indicando sua visão e valorização da Piedade Popular: A veneração da Salus Populi Romani é uma expressão forte da piedade popular romana. Ao escolher ser enterrado ali, o Papa Francisco valoriza esta dimensão da fé. Ele mesmo afirmou: “Se você quiser saber quem é Maria, pergunte aos teólogos; mas se quiser saber como amá-la, pergunte ao povo”. Ele amou Maria “com o coração do povo” e desejou ser enterrado onde o povo romano a venera como sua protetora. Estar enterrado nesta Basílica facilitará a proximidade física e espiritual com o povo, um aspeto prático, mas não menos significativo, é a sua localização.
A Basílica Santa Maria Maior está no meio da cidade, muito perto da Estação Termini, que é um dos corações de Roma como também um ponto central e de fácil acesso pelos meios de transportes no local. Ao escolher Santa Maria Maior, o Papa Francisco parece desejar permanecer acessível ao povo mesmo após a sua morte. Este local poderá tornar-se, assim, um santuário não apenas mariano, mas também um ponto de referência e veneração para aqueles que desejam sentir a proximidade do Papa Francisco, junto da Mãe que ele tanto amou e a quem confiou o seu ministério e a sua vida. Sendo assim, a escolha do Papa Francisco é um gesto carregado de simbolismo teológico, eclesiológico e pastoral, coerente com as prioridades e a espiritualidade que marcaram o seu pontificado.
Padre Alexandre Awi Mello ISch
Atualmente, é o superior geral do Instituto Secular dos Padres de Schoenstatt. Foi Secretário do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida e também conselheiro da Pontifícia Comissão para a América Latina. Mestre em Teologia na Escola Superior de Filosofia e Teologia de Vallendar, Alemanha. Doutor em Mariologia na Universidade de Dayton, USA. Colaborou com o Cardeal Bergoglio durante a V Conferência Geral do Conselho Episcopal Latino-americano e do Caribe realizada em Aparecida, e acompanhou o Pontífice por ocasião da XXVIII Jornada Mundial da Juventude, em 2013, no Rio de Janeiro