Reflexão

Quais as acusações que levaram Jesus à condenação?

De acordo com os Evangelhos de Marcos e Mateus, o grupo religioso que mais acusou Jesus e o levou à condenação foi o dos fariseus. Faziam parte desse partido letrados e doutores, reconhecidos como intérpretes oficiais da lei mosaica, sendo que esses tinham o encargo de preservar a Doutrina, e os demais fariseus de promover a sua prática. Entretanto, a doutrina apresentada por Jesus, pautada essencialmente no amor a Deus e ao próximo, refuta o apego excessivo que esse grupo tinha pela lei, bem como a distorção da sua finalidade. Verifica-se que, entre o capítulo 2 e 15 do Evangelho de São Marcos, em consonância com o Evangelho de Mateus, a partir do capítulo 9 até o 27, as acusações contra Jesus são ressaltadas como itinerário que O levam à condenação, mas também servem para que sejam esclarecidos os aspectos primordiais de Sua missão.

No início do Evangelho de Marcos (2,2-12), os líderes dessa corrente religiosa já são evidenciados no episódio da cura do paralítico, que é levado a Jesus por amigos através do teto. Os letrados que se fazem presentes no local julgam, em seus pensamentos, que Jesus não tem poder para perdoar pecados, visto que Ele curou a alma para depois curar o corpo do paralítico. Assim, o evangelista evidencia o fechamento desse grupo religioso para com a Pessoa de Jesus, bem como a acusação que levantam em seu interior, pelo fato de não O reconhecerem como Deus. No Evangelho de Mateus (9,1-8), esta mesma cena foi descrita.

Quais as acusações que levaram Jesus à condenação

Foto Ilustrativa: Mihály Munkácsy 1844-1900

O Evangelho  de Marcos e Mateus nos fazem  refletir sobre a presença de Jesus

Entretanto, os dois evangelistas deixam claro que, nesse acontecimento, surgiu a oposição dos fariseus, haja vista que, na tradição dessa corrente religiosa, o poder de perdoar pecados pertence somente a Deus (cf. Sl 130,4; Sl 51,6). Nessa narrativa, tanto Marcos como Mateus demonstram que Jesus veio, primeiramente, para curar o homem de sua doença mais grave, que é o pecado e depois o corpo, não se deixando intimidar pela hostilidade dos fariseus.

O evangelista Marcos dá continuidade à narrativa das acusações ao descrever a refeição de Levi com Jesus, junto aos ex-colegas de profissão e compatriotas (Mc 2,13-17). A acusação é narrada por Marcos nestes termos: “Os letrados do partido farisaico, vendo-o comer com pecadores e coletores disseram aos discípulos – “Por que come com coletores e pecadores?” (2,16). Desse modo, davam a entender que Jesus era um pecador como os cobradores de impostos. O Evangelista Mateus (9, 9-13), ao narrar o mesmo acontecimento, também deixa claro que os fariseus consideram-se guardiães da pureza; por esse motivo separam categoricamente “justos de pecadores”. Os dois evangelistas evidenciam que Jesus veio com um chamado universal de salvação, já que todos são pecadores.

Em seguid,a Marcos (2, 18-22) e Mateus (9, 14-17) apresentam a controvérsia dos seguidores de João Batista e dos fariseus a respeito do jejum (cf. Zc 7,3-5 e Is 58). Objetam que eles jejuam como expressão de arrependimento dos pecados, enquanto que os discípulos de Jesus estão livres dessa prática. De acordo com os evangelistas, a resposta de Jesus é categórica: “Podem os companheiros do noivo jejuar enquanto o noivo está com eles? Enquanto têm o noivo com eles, não podem jejuar”. Assim, é ressaltada a novidade que Jesus traz em Si, que as velhas instituições não podem conter: Cristo é o “noivo” e n’Ele a festa celeste já começou. Como estão centrados somente na penitência, os discípulos de João e os fariseus não conseguem entender e experimentar a alegria concedida pelo “noivo”.

Após essa narrativa, Marcos (2, 23-28) e Mateus (12, 1-8) apresentam a acusação dos fariseus contra os discípulos de Jesus, que arrancam espigas em dia de sábado, tendo em vista que essa observância estava prescrita no decálogo (cf. Ex 20,8). Mediante essa hostilidade, os evangelistas expõem a resposta de Jesus, que lhes recorda o relato sobre Davi e seus soldados (cf. 1 Sm 21,2-7), que devido à fome se alimentam do pão consagrado em dia de sábado. Assim, Jesus demonstra que o pão é tão sagrado quanto o sábado, para lhes esclarecer a supremacia do homem em relação à lei do sábado.

O quinto episódio da acusação contra Jesus é narrado por Marcos (3,1-6) e Mateus (12, 9-14), sendo este o cume da tensão dos fariseus. O fato acontece numa sinagoga, também num dia de sábado, onde se fazia presente um homem com uma das mãos paralisada. Mateus ressalta a censura dos fariseus deste modo: “Perguntaram-lhe, com intenção de acusá-lo, se era lícito curar no sábado”. Jesus lhes esclarece que fazer o bem no sábado não se opõe ao descanso descrito na lei mosaica, e, então, cura a mão do homem. A partir desse acontecimento, os fariseus procuram os herodianos para deliberar uma forma de matá-lo.

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No entanto, as acusações continuam de maneira mais acirrada. De acordo com Marcos (3,20-30) e Mateus (Mt 12,22-32), mediante a cura que Jesus realiza num endemoninhado cego e mudo, o povo fica maravilhado e pergunta se seria o Messias. Os fariseus, não tendo como negar essa evidência, tentam desacreditar pela base sua missão, declarando que age sob o comando de Belzebu, o chefe dos demônios. O testemunho messiânico de Jesus, portador da autoridade divina, contradiz a acusação dos fariseus, demonstrando que o Espírito que age em Sua Pessoa confirma a presença de Deus no mundo. Mostra-lhes que é mais forte que satanás e como um reino dividido não pode subsistir. Nessa narrativa, pode-se verificar que a hostilidade desse partido religioso chega à blasfêmia, a ponto de atribuir às forças do mal a ação de Deus. Desse modo, fecham-se ao perdão de Deus pelo qual venceriam satanás.

A próxima objeção dos fariseus letrados contra Jesus é referente ao ritual de purificação antes dos alimentos. Tendo em vista que os discípulos de Jesus não seguiam tais observâncias, contestam o Seu Mestre a respeito da forma como procedem. Marcos (7,1-13) e Mateus (15,1-9) ressaltam a resposta de Jesus: “Quão bem profetizou Isaías sobre vossa hipocrisia quando escreveu: ‘Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim; o culto que me prestam é inútil, pois a doutrina que ensinam são preceitos humanos’”. Jesus evidencia que a interpretação da lei mosaica por parte dos fariseus promovia uma religião ritualista e meramente externa, favorecendo o orgulho dos observantes que desprezavam os demais. Em suma, deixa claro que o desacordo entre o interior e o exterior exprimia a hipocrisia em que viviam submersos.

Jesus viveu um processo doloroso até Sua crucificação

Todo esse percurso árduo que Jesus enfrentou culminou na Sua morte de cruz. Marcos (14,53-65) e Mateus (26,57-63) narram os últimos momentos de Sua vida na presença do sumo sacerdote e do Sinédrio reunido, que, a todo custo, procuram acusá-lo com falsos testemunhos para agravar e encerrar o injusto processo de condenação. Apresentam a acusação sobre a destruição do templo, sendo esta agravante devido a sua grande relevância para os judeus. O evangelista Marcos exprime a narração da seguinte forma: “Nós o ouvimos dizer: ‘Destruirei este templo, construído por mãos humanas, e em três dias construirei outro, não feito com mãos humanas’”. Entretanto, como não havia clima para diálogo e por se tratar de uma afirmação verdadeira, porém, num plano superior, Jesus permanece em silêncio mediante a acusação. Marcos evidencia que a condenação é sancionada quando o sumo sacerdote lhe pergunta se é o Messias, e Jesus se revela: “Eu o sou. Vereis o Filho do Homem sentado à direita da Majestade de Deus e chegando entre as nuvens do céu”. As palavras de Jesus são tidas como blasfêmia e merecem pena de morte. Tal contexto é destacado por Benito Marconcini nestes termos:

Aceitar Jesus como Messias, que colocava frente a frente justos e pecadores, por intermédio do perdão, não considerar a lei como um absoluto quando não fosse em favor do homem e admitir o pagão à salvação equivalia a destruir o sistema judaico: ou morria Ele ou a religião farisaica. (MARCONCINI, 2001, p. 247).

As diversas acusações contra Jesus chegam ao seu termo diante do governador Pilatos, sendo a última narrada por Mateus (27,11-14) e Marcos (15,1-15) a respeito do Seu reinado. Pilatos, ciente de que os fariseus O entregaram por inveja, sabe que está diante de um inocente. Todavia, interroga-o se, de fato, é o Rei dos judeus, obtendo de Jesus somente a resposta: “Tu o dizes.” Mediante esta acusação e o crime que ela representava, o especialista em Novo Testamento Raymond E. Brown (2011, p. 863), afirma que “muitos biblistas presumem que a alegação de ser rei merecia a pena de morte, pois era ofensa contra a Lex Iulia de maiestade. Apesar de não reconhecer, nesta acusação, a verdadeira base da rejeição para com Jesus por parte das autoridades judaicas, o governador cede, mediante a pressão organizada e O entrega para ser crucificado.

Assim, pode-se verificar que todo antagonismo que Jesus sofreu ao longo de sua vida pública por parte dos fariseus demonstra que a sentença de condenação estava previamente decidida, e o Sinédrio diante deste contexto, procurava a todo custo justificá-la.

REFERÊNCIAS:

BROWN, Raymond E. A morte do Messias: Comentário das narrativas da paixão nos quatro Evangelhos. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulinas, 2011. v.1.

MARCONCINI, Benito. Os Evangelhos Sinóticos: Formação, Redação, Teologia. Tradução de Clemente Rafael Mahl. São Paulo: Paulinas, 2001.

SCHOKEL, Luís Alonso. Bíblia do Peregrino. Tradução de Ivo Storniolo, José Bortolini e José raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 2002.

Áurea Maria
Missionária da Comunidade Canção Nova