Comportamento

Objeção de consciência - Parte 2

Precisamos compreender o que é verdadeiramente a consciência humana

No artigo anterior, refletimos sobre o real significado da liberdade humana (parte 1) e o papel que as normas e as autoridades desempenham em relação a esse valor fundamental para a existência do ser humano. Vimos, de maneira geral, que, a princípio, o papel das normas é justamente garantir nossa liberdade e não negá-la. No entanto, sabemos que a realidade concreta nem sempre é assim, e, em diversas oportunidades, a humanidade experimentou leis que, longe de serem libertadoras, foram causa de grande opressão.

Nosso objetivo nesta série é, justamente, compreender em que circunstâncias podemos, legitimamente, descumprir as normas em submissão à consciência. Para isso, precisamos compreender o que é verdadeiramente a consciência humana, pois este termo é geralmente confundido com gostos, inclinações e instintos subjetivos. Sob essa perspectiva, seguir a consciência é seguir aquilo que simplesmente se quer fazer, independente de estarmos diante do bem ou do mal.

Nessa concepção, a consciência é simplesmente “uma instância que nos dispensa da verdade” e não aquela janela que nos permite sair de nós mesmos para nos encontrarmos com a questão fundamental da “verdade”, que, em termos bem simples, significa a adequação de nosso intelecto à realidade (segundo a expressão clássica: adaequatio rei et intellectus). Para nos determos em um exemplo, a frase “o cachorro está próximo a mim” é verdadeira se, e somente se, o cachorro estiver realmente próximo; do contrário, diremos que essa frase é falsa.

Nesse caso, a percepção da verdade é simples, pois estamos falando de um objeto concreto – o cachorro –, e os nossos sentidos (a visão, a audição etc.) nos oferecem grande ajuda. No entanto, quando pensamos nas condutas humanas (no modo como agimos), os tempos atuais nos apresentam um problema grave, pois já não parece mais possível dizer que uma determinada concepção sobre o ser humano é verdadeira; tudo dependerá exclusivamente daquilo que o indivíduo “achar”, e, para isso, erroneamente, tem-se utilizado a expressão “seguir a consciência”.

Para compreendermos, autenticamente, o que é a consciência, devemos partir de alguns pressupostos: em primeiro lugar, que a verdade existe; em seguida, que o ser humano é capaz de encontrá-la em seus julgamentos. Quando, portanto, conversamos com alguém, esse ato se justifica, porque ambos querem encontrar a verdade, que pode estar com um dos interlocutores, parcialmente em ambos ou alheia aos dois. Se um diálogo não tem por objetivo a verdade, ele passa a não ter mais sentido.

Esse é o drama daquilo que tem se chamado a “ditadura do relativismo”, segundo a qual tudo é relativo, inclusive nossas percepções e ações. Seguindo essa concepção, desde que a pessoa tenha seguido a sua “consciência superficial” (suas primeiras impressões), ela está justificada. Esse argumento procurou, inclusive, justificar as barbáries cometidas pelos nazistas ao exterminarem milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, já que, nesse contexto, eles acreditavam que contribuíam para um mundo melhor.

A consciência, contudo, não é expressão de uma soberba individualista pela qual nos julgamos deuses, como sugeriu a primitiva serpente, mas a memória de Deus que habita em nós. Reconhecemos, pela fé e pela razão, que existe, em cada um de nós, uma capacidade de atração para o bem e de repulsa pelo mal, e que podemos realizar juízos adequados acerca da bondade e maldade de uma determinada ação.

No próximo artigo, veremos como se desenvolve, em cada um de nós, essa “voz interior”, que nos recorda quem somos, de onde viemos, para onde vamos e qual papel ela desempenha em nossa vida social.

(RATZINGER, Joseph. El elogio de la conciencia: la verdade interroga al corazón. Madrid: Palabra, 2010. p. 13)