Centenas de milhões de católicos pararam na última sexta-feira, 27 de março, e ligaram suas tevês, seus celulares ou computadores para acompanharem uma transmissão vinda do Vaticano. O que eles foram ver na praça deserta? Um imponente líder a vociferar palavras de ordem, desfilando orgulho e empáfia em cada sílaba? Um taumaturgo tardio, a apontar para a câmera e proclamar milagres, curas e prodígios e assim trazer um sentimento de consolo para tantas vidas feridas no confinamento de suas casas? O que esperavam ver, não sabemos. Mas o que viram?
Viram um velho homem, com o andar claudicante, aproximar-se lentamente da tenda de onde faria seu pronunciamento, cada passo uma pequena vitória, cada passo a dor do tamanho de um mundo em pânico. Viram uma praça deserta iluminada pelo brilho fugidio das luzes dissolvido pela chuva melancólica, tal como a alma de muitos que acompanhavam aquela cena. Uma praça deserta que se tornava maior ante a expectativa crescente nos corações dos fiéis católicos que se esforçaram para acompanhar as palavras do Papa, traduzidas para não se sabe quantos idiomas.
Em meio ao vazio da praça da Sé
Viram um discurso humilde de quem confessa a Cristo que nossa fé é fraca e, por isso, sentimo-nos temerosos. Também um discurso corajoso que não tenta seduzir as massas. Pelo contrário, apontou como essa tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos a nossa vida. Como essa mesma tempestade faz cair a maquiagem dos estereótipos que usamos para esconder nosso eu, sempre preocupado com a nossa própria imagem.
Viram no seu silêncio, diante do ícone de Nossa Senhora e diante do Cristo crucificado, o humilde reconhecimento de que não sabemos de nada, não podemos nada, não controlamos nada. Devemos nos calar diante do Mistério e esperar a resposta de Deus, que virá no tempo de Deus. Viram aquele homem octogenário levantar o Cristo
novamente e abençoar o mundo representado pela praça deserta. Viram, numa cena pungente, o esgotamento físico impedi-lo de levar o ostensório de volta ao seu lugar após a bênção, tendo sido necessário que um padre o socorresse no meio do caminho.
Leia mais:
::A importância da bênção Urbi Et Orbi
::Como manter a saúde em tempos de quarentena?
::O coronavírus me fez refletir
::Coronavírus no Brasil: voz do pobre, coro e lucidez
Milhões e milhões de pessoas viram tudo isso. Viram que é sobre os ombros de um homem doente, velho, praticamente inútil aos olhos do mundo, que repousa a responsabilidade de conduzir mais de um bilhão de fiéis no caminho até Cristo. E o Papa Francisco carrega esse peso com garbo, mas sem vaidade, sem murmurações nem
arrogância.
Renovação da fé
A despeito da fragilidade evidente, não teve um católico que tenha acompanhado a bênção Urbi et Orbi que não tenha se sentido seguro em ter o Papa Francisco como atual comandante da barca de Pedro. É a confirmação clara e inequívoca de um dos muitos paradoxos da nossa fé: quando me sinto fraco, então, é que sou forte. A fraqueza é o terreno mais apropriado para Deus manifestar o seu poder redentor. Afinal, não foi Ele mesmo que testemunhou isso de maneira definitiva e perfeita ao morrer na ignomínia da Cruz para ressuscitar em seguida, vencendo a morte e o pecado?
Num cenário mundano, as centenas de milhões de católicos que acompanharam o Papa teriam chegado ao fim da transmissão desconsolados, angustiados, pois, na aparência eles realmente viram “um caniço agitado pelo vento”. Mas ainda que estejamos no mundo não fazemos parte dele. Nós somos o corpo da única e verdadeira Igreja
de Cristo! Imagino quantos católicos sentiram o seu amor pela Igreja renovado ao testemunhar a grandeza de cada gesto do Vigário de Cristo! Não pode ter sido somente do meu peito que brotaram frases de louvor e agradecimento a Deus por meus pais terem me educado na fé católica.
Leia mais:
::Acompanhe transmissões da Santa Missa!
::Como viver a virtude da esperança em meio à pandemia
::Decreto sobre o sacramento da confissão
Penso que, muitos católicos, ao longo daquela transmissão, fizeram uma experiência de reavivamento da fé, da esperança e da caridade, justamente porque a grandeza de cada gesto do Papa não apontava para ele, mas somente para Cristo, cabeça da Igreja, por amor a quem tudo devemos fazer. Na sexta-feira, dia 27 de março de 2020, mais do que nunca, ficou evidente a verdade por trás das palavras de Chesterton: “Enquanto as monótonas heresias estão esparramadas e prostradas, a furiosa verdade cambaleia, mas segue de pé.”