Em ‘Doutor Estranho’, as batalhas não são exclusivamente no mundo visível
Com um começo empolgante, mostrando o quão frágil é um mundo materialista, que acredita só no que vê, toca, mede e comprova por dados científicos que podem ser documentados e reproduzidos por outros com resultados idênticos, mas não entende que essa é uma parte, não toda a realidade do mundo, o filme acaba rapidamente degringolando em espiritualismo, esoterismo e magia.
Crédito: Cartaz de Divulgação
Nesse contexto, a novidade em ‘Doutor Estranho’ é que, agora, as batalhas não são exclusivamente no mundo visível, mas se tornaram espirituais ou, na definição do próprio personagem Wong: “Assim como os Vingadores protegem o mundo das ameaças materiais, nós o protegemos das ameaças espirituais”.
Assim, os personagens tem acesso a outros universos de onde podem retirar poderes, armas e utilizar a magia segundo a sua necessidade ou desejo. Quem é bom naturalmente usa os poderes para o bem; quem é mal, para o mal.
Nem tudo é erro com a Marvel
Devo confessar, contudo, que fiquei admirado com uma certa coerência acidental do roteiro. Ao que tudo indica, sem perceber, os roteiristas acabaram retratando perfeitamente o que a ausência de Deus causa na vida das pessoas.
Desesperam-se com o sofrimento (principal motivo para todos os personagens do filme buscarem a magia) e também apanham para ter clareza moral sobre o que devem ou não fazer.
Assim, como joguetes de suas próprias paixões e caprichos, os personagens podem facilmente confundir o bem com o mal (Kaecilius), acreditar que o fim justifica os meios (Mestre Anciã), usar os dons recebidos para seu exclusivo benefício (Pangborn), começar a julgar (e punir), como se fosse investido de autoridade moral para isso (Karl Mordo – cena pós-créditos) ou viver um dilema entre usar seus poderes para si ou para o bem comum (Dr. Estranho).
É perceptível que, sem a ajuda de um ser supremo, inteligente e misericordioso, o homem não possui orientação e sofre para buscar uma direção e um sentido em sua vida. Infelizmente, a solução apresentada não é uma reorientação da vida, mas a busca de poder por meio das “artes mágicas”.
Nesse sentido, diferente dos outros filmes do universo Marvel, ‘Doutor Estranho’ pode causar danos reais às pessoas, afinal, como já dizia G. K. Chesterton: “Quem não acredita em Deus, passa a acreditar em qualquer coisa”, como em realidades paralelas e magias, e acabar se afundando nisso (como aconteceu com o fenômeno Harry Potter).
Uma sombra de Cristianismo
Para contrapor isso tudo, num eco distante e tímido da verdadeira espiritualidade, a única personagem que possui virtudes e determinação voltadas para o bem a toda prova não utiliza magia, trabalha duro com todo seu talento e capacidade em prol até mesmo de quem não merece. Ela se chama Christine!
Como o seu nome retrata e seus atos no filme comprovam, suas atitudes são de uma verdadeira cristã. Até imaginei uma cruz como pingente daquela correntinha que ela usa no pescoço (mas isso, claro, é pura fantasia da minha imaginação).
Com certeza, em uma evidente continuação, vão se preocupar em perverter também a personagem que, de forma acidental, permanece como um único raio de luz na trama e acaba servindo como um pilar de sanidade em meio ao caos de tantos “universos” e sincretismos.
No fundo, não há como excluir Deus
É facilmente constatável que, desde 2008, os já 14 filmes de super-heróis da nova cronologia da Marvel tiveram em comum a ausência de Deus em seus roteiros. Para não dizer ausência completa, só me lembro de uma única referência em ‘Os Vingadores’ (2012). É nesse filme que o Capitão América, ao ouvir que Thor era um deus de Asgard, responde: “Só existe um único Deus! E tenho certeza que Ele não se veste assim!”.
Até aí, nada diferente de 99,99% dos lançamentos de Hollywood. Também nada diferente do mundo em que vivemos, onde se busca cada vez encobrir os rastros de Deus no planeta e, como não é possível excluir, pelo menos desvirtuar, escandalizar, perverter a imagem de Jesus Cristo o máximo que conseguirem.
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De um lado, temos a sede natural do homem pelo transcendente, aquela sensação forte e persistente de que fomos criados para algo maior e eterno, e aquela vontade de dedicarmos e aprimorarmo-nos cada vez mais. De outro, uma resposta fácil (e errada) para tudo isso baseado no esoterismo. Pronto, o estrago está feito! Logo, começarão os “manuais”, “fórmulas” e “caminhos” baseados no filme e no personagem. Em parte, para honrar o “deus” dinheiro; em outra, para perverter e relativizar o desejo humano do verdadeiro Deus.
No mundo do entretenimento, continua valendo, mais do que nunca, a recomendação de São Paulo: “Tudo é permitido, mas nem tudo convém. Tudo é permitido, mas nem tudo edifica.” (1Cor 10,23)
Flávio Crepaldi
Especialista em Gestão Estratégica pela Esalq/USP, com formação em Produção Publicitária e Artes Cênicas, é colaborador na TV Canção Nova desde 2006.