Em um tempo marcado por divisões, guerras e perseguições, a figura de São Francisco de Assis ressurge como um farol de esperança para o mundo. Sua vida e seus ensinamentos nos lembram que a paz verdadeira não é apenas ausência de conflito, mas uma realidade profunda que nasce do coração e se irradia para o mundo.
“A paz que anunciais com a boca, deveis tê-la ainda mais em vossos corações”, exortava São Francisco a seus frades na Legenda dos Três Companheiros (58). Esta paz interior, vivida e testemunhada com mansidão, é o único caminho seguro para alcançar a verdadeira reconciliação entre os homens.

Imagem: Domínio público.
A proposta de paz de Francisco nasce de uma experiência profunda com o Senhor
São Francisco não falava de teorias. Sua proposta de paz era concreta e radical, porque nascia de uma experiência profunda com o próprio Senhor. A paz, portanto, não é simplesmente um estado de ausência de conflitos ou simples fruto de acordos políticos. É uma pessoa: Jesus Cristo. Como afirma São Paulo na Carta aos Efésios: “Ele (o Cristo) é a nossa paz” (Ef 2,14). Nele, com Ele e por Ele se acessa a paz verdadeira, um dom que o mundo não pode dar (Jo 14,27); n’Ele, os distantes se tornam próximos e os inimigos podem se reconhecer como irmãos. Compreendemos, assim, como um publicano e um zelota — que por suas convicções políticas e estilos de vida estariam naturalmente em lados opostos — foram capazes de deixar tudo e unir-se ao grupo dos apóstolos. Foi o chamado divino que os reuniu, pois Aquele que os chamou é Ele mesmo a nossa Paz; e, em Seu amor, toda divisão é superada, tornando possível que o dom da paz prevaleça e frutifique em verdadeira fraternidade.
Francisco encontrou a verdadeira paz fazendo de Cristo seu único tesouro
Francisco encontrou essa paz quando, despojado de tudo, lançou-se inteiramente nos braços de Deus e fez de Cristo seu único tesouro. Por isso, a paz que ele anunciava não era uma construção humana, frágil e passageira, mas um dom divino que brota do coração reconciliado com Deus. Recebida como graça, essa paz tornava-se missão: Francisco sentia-se enviado a testemunhá-la no mundo. No exercício desse anúncio, expressava-se em gestos concretos de cuidado com os mais pobres, no encorajamento dos desanimados e na pregação da penitência, que devolvia à verdade os que haviam se desviado do caminho. A missão dos seus frades era clara: não provocar à ira ou ao escândalo, mas, por meio da mansidão, conduzir todos à paz, à benignidade e à concórdia.
A mensagem de São Francisco é atual
Hoje, enquanto o mundo assiste atônito ao desenrolar de guerras devastadoras, como na Ucrânia e na Palestina, e acompanha o crescente número de cristãos perseguidos em tantas partes do planeta, a mensagem de São Francisco adquire uma atualidade impressionante. O ódio, a intolerância religiosa e a indiferença diante do sofrimento humano parecem ganhar espaço. Diante disso, enquanto seguidores de Cristo, como São Francisco devemos nos deixar interpelar: que tipo de presença temos sido no mundo? Nossa palavra promove a reconciliação? Nossas atitudes são um convite à paz ou alimentam divisões? É necessário, portanto, como diz o pobrezinho de Assis, voltar a Jesus, pois o amor não é amado. Não se pode amar uns aos outros se não amamos o Amor.
Uma paz interior e exterior, que conjuga oração e missão
Ao enviar seus frades pelo mundo, o Seráfico Pai os recomenda uma simples saudação: “O Senhor te dê a paz!” Essa saudação não era formalidade, mas expressão de uma realidade profunda: o desejo de que o outro também participe da paz que brota da comunhão com Deus. A experiência do ressuscitado na oração, na contemplação da paixão e na pobreza evangélica, possibilitava aos irmãos a autoridade espiritual para anunciar a paz. Uma paz interior e exterior, que conjuga oração e missão, num coração pacificado de onde pode brotar o anúncio profético: O Senhor lhe dê a paz!
Fazer da paz o centro do próprio caminho espiritual
Para os cristãos de hoje, especialmente os que buscam viver sua fé no meio das tempestades do mundo moderno, o testemunho de São Francisco é um convite claro a fazer da paz o centro do próprio caminho espiritual. Não se trata apenas de um ideal bonito, mas de uma exigência evangélica: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Ser pacificador não é apenas evitar o conflito, mas, acima de tudo, estar unido a Cristo e assim poder agir com ternura e firmeza para restaurar os laços rompidos, consolar os que sofrem e promover a justiça onde ela falta.
A paz, para Francisco, é dom e missão
A paz, para Francisco, não é negociável. Ela é dom e missão. É dom recebido de Deus na experiência da oração, e missão confiada a cada batizado. E para que seja autêntica, precisa começar em nosso coração. Por isso, a primeira tarefa do cristão diante do caos do mundo é cultivar o dom da paz que nos é oferecido pelo próprio Senhor, purificando-se da amargura, do julgamento, da violência disfarçada em palavras e gestos. Depois disso, é possível ser instrumento de paz no ambiente familiar, comunitário e social.
Evangelizar é também irradiar a paz
São Francisco nos ensina que evangelizar é também irradiar a paz. Num tempo em que muitos anunciam com estridência, mas vivem em desassossego, ele nos lembra: a palavra só será eficaz se vier de um coração pacificado em Cristo e que se traduz em gestos que evangelizam. A paz proclamada e dirigida a todos deve ser a mesma que brota de dentro como dádiva do Coração inflamado de Jesus. Caso contrário, não convence, não transforma, não cura.
Leia mais:
.:São Francisco de Assis – Sua Vida
.;Vida de São Francisco de Assis: A Juventude
.:A paz que você procura está no silêncio que você não faz
A estrada da mansidão, do acolhimento, da escuta, da compaixão
O mundo de hoje clama por paz, mas, muitas vezes, busca-a nos lugares errados: em ideologias, nas armas, em soluções rápidas e superficiais. Nosso pai São Francisco, por seu exemplo, nos impele a tomar um outro caminho, que nos coloque na direção do Senhor Jesus. A estrada da mansidão, do acolhimento, da escuta, da compaixão… de quem ama e está disposto a dar sua própria vida pelos seus (Jo 15, 13).
Que todos nós, cristãos — e, a partir de nós, toda a humanidade —, inspirados por São Francisco, façamos de nossa vida um anúncio vivo da paz. Que a saudação “O Senhor lhe dê a paz” não seja apenas um desejo piedoso, mas a expressão concreta de uma vida transformada por Cristo. E que cada um de nós possa, com humildade e coragem, ser sinal visível da presença do Príncipe da Paz neste mundo tão carente de amor, justiça e reconciliação.
Frei Jean Ajluni, OFM.