✝️ Reflexão

Bebês Reborn, problema ou sintoma?

O fruto de uma árvore sinistra

Devido ao choque que causa o fenômeno de homens e mulheres adultos, completamente desconexos da realidade, literalmente brincando de boneca, muito tem se falado, nas últimas semanas, a respeito dos “Bebês Reborn”. No entanto, parece-me que tal fato não se trata de uma patologia excêntrica a ser combatida apenas, mas sim de um grave sintoma de uma doença generalizada, espalhada por toda cultura e enraizada no modo de pensar da média das pessoas.

Crédito: shaunl / GettyImages

A grande verdade é que os ditos “bebês reborn” não são, por incrível que pareça, tão surpreendentes assim. Num mundo onde, já faz muito tempo, casais trocam a abertura à vida pelo cuidado de cães e gatos, é realmente chocante trocá-la por uma boneca?

O “Bebês reborn” são apenas mais um fruto de uma cultura humana que troca o valor pelo prazer, que deseja as vantagens das ações sem compreender o seu propósito e procura freneticamente um placebo rápido e fácil para remediar o profundo vazio criado por uma sociedade humana que esqueceu seu fim último.

A parte mais terrível dessa tragédia, é que as mesmas alegrias que as pessoas procuram em simulacros de plástico, já estava garantida por Deus na vida ordenada e sadia que Ele, em sua infinita sabedoria, sonhou para o ser humano.

O homem sonhado por Deus

Quando falamos de uma vida segundo o sonho de Deus, a maioria das pessoas esquece um fato essencial: Deus criou a vida para ser boa. O sonho d’Ele para o ser humano é que ele viva e viva em plenitude!

“Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente” (Salmos 16,11)

“…e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus” (Efésios 3,19)

Não quero a morte do pecador, mas que se converta e viva” (Ez 33, 11).

Essa felicidade, no entanto, acontece segundo uma ordem.

No homem sonhado por Deus, quem comanda sua vida são a Inteligência, que contempla a Verdade; e a Vontade, que escolhe livremente pelo bem real. Os Afetos puxam para o bem e afastam do mal e o Corpo é saudável e serve aos fins do espírito, como a família pela reprodução.

Nesse homem ordenado, a própria pessoa humana se torna aberta à realidade do Amor verdadeiro, que o torna capaz de ser um com outras pessoas, especialmente e em primeiro lugar com a pessoa de Deus.

Nessa vida maravilhosa, onde conhecemos a Verdade, escolhemos pelo Bem e nos abrimos ao Amor, existe inclusive um sentimento que acompanha todas essas realizações, chamado Alegria. Quando vivemos essa vida continuamente, essa alegria passa a ser chamada Felicidade.

A decadência da natureza

Infelizmente, não é assim que vivemos. Devido a uma mancha em nossa natureza chamada Pecado Original, é muito difícil para nós contemplar a Verdade e o Bem real e, portanto, muito difícil optar pelo Amor.

No estado em que nos encontramos, nossos instintos e afetos correm desgovernados, buscando satisfação sem propósito.

Isso, até certo ponto, é contornável, se a Inteligência não está deformada completamente a ponto de sequer perceber o erro. É aí que entra a macabra distinção do nosso tempo.

Leia mais:
.:
Bebês “Reborn”: separar a fantasia da realidade
.:E os bebês reborns?

Vivemos em uma época em que as pessoas não apenas têm tendências desordenadas e afetos confusos, mas na qual se tenta reiteradamente justificar o erro. As pessoas tentam se convencer que não há nada de errado em buscar o prazer fugindo do valor que deveria ser seu propósito.

Perceba, isso não é novidade! É exatamente o mesmo raciocínio da revolução sexual da pós-modernidade. Todos aqueles que pleiteiam a “liberdade sexual” sem o compromisso de uma família, o que estão exigindo se não o direito de ter prazer sem cumprir com a natureza daquele prazer?

Resultado: um mundo vazio de sentido e verdadeira felicidade, onde as pessoas buscam freneticamente consolações sensíveis sem jamais se satisfazer, como um eterno inferno de Tântalo1.

A consequência nos seus extremos

Levando em consideração esse estado doentio em que se encontra nossa sociedade, não é de se admirar quando vemos pessoas adultas desejando os prazeres da paternidade sem se submeter ao real valor da geração de novas almas para o Céu.

Troca-se o milagre da cocriação e copaternidade com o próprio Deus por uma farsa, da exata mesma forma que trocamos o prazer de uma família por uma vida sexual desregrada, o prazer de uma comunidade por vidas fictícias nas redes sociais, o prazer do servir a Deus pela adoração de ídolos “pop”.

Não, os “bebês reborn” não são uma exceção bizarra. São um sintoma sombrio de um ser humano que se esqueceu quem é e para o que foi feito.

Nosso choque diante desse extremo é, em verdade, um sinal de esperança! É um chamado do Criador que clama: “Lembra-te de quem você é. Lembra-te que foste feito para Mim. Tu és meu e Eu sou teu. Quando decidires deixar para trás os espantalhos secos e escolheres pela Vida, estarei te esperando na varanda de casa para correr ao teu encontro”.

Que Ele nos permita atender a esse chamado.

Prof. João Gabriel

Fundador do Forjado Caráter @forjando.catarer

Referências:

PIEPER, Josef. Virtudes Fundamentais: As Virtudes Cardeais e Teologais. São Paulo: Cultor de Livros, 2018. AZEVEDO JR,

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. São Paulo: Edições Loyola, 2015.

STORK, Ricardo Yepes e ECHEVARRÍA, Javier Aranguren. Fundamentos de Antropologia, um ideal de Excelência Humana. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2005.

LOMBO, José Angel e RUSSO, Francesco. Antropologia Filosófica, uma Introdução. São Paulo: Cultor de Livros, 2020.

VAZ, Henrique de Lima. Antropologia Filosófica. São Paulo: Editora Loyola, 2004. V.1.

GARDEIL, Henri-Dominique. Iniciação à Filosofia de São Tomás de Aquino. São Paulo: Editora Paulus, 2007. V.2.

Balmaseda, María Fernanda. “Metafísica del pudor”. Un aspecto central de la filosofía del cuerpo en “Amor y responsabilidad” de Karol Wojtyla. Pontificia Universidad Católica Argentina. [artigo recebido em 31 de julho de 2009 e aceito para sua publicação em 2 de fevereiro de 2010]

WOJTYLA, Karol (São João Paulo II). Amor e Responsabilidade. São Paulo: Cultor de Livros.

Aristóteles. Ética à Nicômaco. São Paulo: Edipro, 2014.

1 Personagem da mitologia grega condenado a uma eternidade de tortura com água aos pés e uvas penduradas sobre a cabeça. Padecendo de terrível fome e sede, toda vez que estendia a mão para pegar as uvas, estas subiam e ficavam fora de alcance. Toda vez que descia para beber água, esta retrocedia.