O pobrezinho de Assis

Há santos que abalaram o mundo. Deixaram um testemunho inabalável de humanidade e heroicidade de vida de fé perante a história.

A História Sagrada da Revelação, seja do Antigo Testamento quanto do Novo Testamento, nos passou a vida de muitos homens e mulheres escolhidos e conduzidos por Deus para protagonizar papéis importantes na História da Salvação: patriarcas, profetas, João Batista o precursor de Cristo, a Virgem Maria, os apóstolos e outros personagens.

Pelos séculos da cristandade desfilam personagens com vocação extraordinária e originalidade de vida descritas de modo interpelante ao mundo em que vivemos.

Todos testemunham quanto Deus seduziu os seus corações para fazerem um caminho de santidade, de amor pleno a Deus e ao próximo. Quem poderá esquecer no futuro, além de exemplos do passado, os santos de nosso tempo como um Maximiliano Kolbe e uma Edith Stein martirizados no campo de concentração de Auschwits na Polônia, em 14 de agosto de 1941 e 9 de agosto de 1942, respectivamente?

Hoje gostaria de colocar em destaque aquele que é lembrado em todas as nossas comunidades: São Francisco de Assis, cuja festa celebramos no dia 4 de outubro passado.

Nasceu rico em Assis, Itália, em 1182. Depois de uma juventude descomprometida e aventurosa, uma brusca conversão o faz enamorar-se do Cristo pobre. Muda repentinamente de vida. Ajuda os pobres até a prodigalidade. Rompe com o pai que o julga louco. Levado diante do bispo, faz radical profissão de pobreza. A partir deste momento espoliou-se de todas as coisas mundanas e teve em nenhuma conta sua vida. Dedicou-se inteiramente ao serviço divino, por todos os modos que lhe foi possível.

Tinha 25 anos, uma alma de poeta, de extrema e delicada sensibilidade. Sua fome de um amor sem confins se aplaca na aplicação literal do evangelho. Vive esmolando, pregando o amor de Deus. De imediato aparecem discípulos. Os primeiros são: Bernardo de Quintavalle, Pedro de Catânia, Egídio Leão, Elias, Junípero. Vivem junto à igrejinha da Porciúncula, muitas vezes caminhando, pregando e cantando. Havia muita alegria neles, como se tivessem encontrado um grande tesouro no campo evangélico da senhora pobreza. Chegam também discípulas. A primeira, Clara, que inicia a ordem das pobrezinhas.

Sacerdotes e hierarquia eclesiástica lhe têm grande respeito. Francisco apresentou-se ao papa com seus companheiros. Inocêncio III, em 1209, aprovou a primeira regra de Francisco. O santo de Assis sonhou também com as missões. Em 1212, quis partir para uma cruzada pelo oriente. Mas os ventos sopraram contrários e teve de voltar à Itália. Dois anos depois se dirige ao Marrocos. Uma doença o fez parar na Espanha. Em 1219, vai ao Egito e à Palestina. Voltando à Itália recorre ao papa Honório III que aprova a segunda regra que permanecerá em vigor.

Em 1224, recebe os estigmas. Pouco antes de morrer, quase cego e sofrendo de hemoptise, escreveu o Cântico das Criaturas no jardim do Convento de São Damião, onde Clara lhe preparou um leito. Morreu aos 44 anos em 4 de outubro de 1226, na Porciúncula, estendido por terra, cantando o salmo 141 ‘Com minha voz grito ajuda ao Senhor’. Foi canonizado por Gregório IX em 1230.

O fascínio do Pobrezinho de Assis é para todos, crentes e não crentes, irresistível. O evangelho é pregado em sua pureza integral. A palavra simples e pura do santo da alegria toca os corações mais refratários. Os excepcionais carismas do humilde seguidor de Cristo são o selo de extraordinária santidade do esposo fiel da senhora pobreza.

‘Como sol, por meio da palavra e das obras, iluminou, com radiosa claridade, pela luz da verdade acesa no fogo da caridade, o mundo cheio de torpor, quase no inverno do frio da obscuridade, da esterilidade. Francisco o reconduziu o mundo à estação da primavera’, assim diz o prólogo da Legenda dos Três Companheiros.

Diz ainda ‘os Fioretti’ de São Francisco: ‘O Deus altíssimo me elegeu para confundir a nobreza e a grandeza, a fortaleza e a beleza, a sabedoria do mundo, a fim de que se conheça que toda virtude e todo bem vêm de Deus e não da criatura, e nenhuma pessoa se possa gloriar diante da sua face, mas quem se gloria se glorie no Senhor a quem se deve honra e glória pela eternidade’.

O mundo está precisando da grande transformação da pobreza de coração, da simplicidade, da bondade, da disponibilidade, do perdão, da misericórdia, da justiça, da fraternidade para encontrar a verdadeira paz.

O mundo precisa sonhar o sonho de Deus de ter a humanidade como sua família, sonhar a utopia de Deus, o reino de Deus feito de amor, de solidariedade, de bondade, de ternura.

Deus suscite no coração de muitos jovens o amor que abale o mundo.

Dom Geraldo Majella Agnelo
Cardeal Arcebispo Metropolitano de Salvador e Primaz do Brasil