Belém do Pará, o Brasil e muitas partes do mundo assistiram há poucos dias a uma das mais expressivas manifestações de devoção e piedade popular, quiçá a maior de todo o Orbe católico. Para os paraenses, cada ano, quando chega outubro, sempre se trata do mais lindo de todos, o mais participado de todos os Círios. Como pastor visível da Igreja de Santa Maria de Belém do Grão Pará, confirmo com todo gosto que foi mesmo assim.
Fomos privilegiados com a presença do Senhor Núncio Apostólico no Brasil Dom Giovanni D’Aniello, representante do Papa em nosso país, e do Cardeal Dom Cláudio Hummes, Presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia, e durante a quadra nazarena, quando acontecem quinze dias de aprofundamento espiritual do tema do Círio, continuaremos a verdadeira missão, aberta em meados de agosto, na qual foram visitadas em peregrinação mais de cento e dez mil famílias da Arquidiocese. Fizemos ainda pequenos “círios”, visitando mais de duzentas entidades da sociedade que solicitaram e escancararam suas portas.
A Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré é um instrumento, escolhido por Deus, para que a evangelização e a formação catequética cheguem às multidões. Cresceu o conhecimento dos Mandamentos, contribuindo para que mais uma parte do Catecismo da Igreja Católica chegue a todos, num caminho de formação programado até a realização do XVII Congresso Eucarístico Nacional, que acontecerá em nossa Arquidiocese, de quinze a vinte e um de agosto de dois mil e dezesseis, na comemoração do duplo quarto centenário, a saber, do início da Evangelização da Amazônia e da fundação da cidade de Belém.
O reconhecimento da grande obra realizada pela Providência de Deus no Círio de Nazaré, cuja explicação supera nossa capacidade, apura o olhar da fé, para enxergar o mistério humano que se esconde e se revela nos participantes do grande acontecimento. Tive o cuidado de guardar no coração e na mente algumas cenas que me formaram de novo na Escola do seguimento de Jesus. A exiguidade do espaço me leva a escolher algumas experiências.
Um jovem, ao final da grande procissão do domingo, no meio da multidão, com um pedaço da corda, um de nossos ícones do Círio mais apreciados, pede uma bênção e declara, no meio de lágrimas, o sentido de seu esforço para chegar ao final. Tratava-se de um pedido a Deus, pela intercessão de Nossa Senhora, pelo seu pai, que sofre por uma grave enfermidade. Pude apenas apertar suas mãos, assegurando-lhe minhas preces. Depois, perdeu-se no meio da multidão, mas as lágrimas que se misturaram ao sorriso ampliaram minha compreensão dos muitos mistérios a serem respeitados e acolhidos.
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Foi o sinal de Deus para mim, e fiquei até o final, apertando um sem número de mãos de devotos e aspergindo-os com a água santa, que recorda o Batismo, porque só Deus sabe o que existe no coração humano e eu não sou capaz de ver. Descubro outra vez minha missão, que é ir ao encontro de todos, sem exceção, em nome do Senhor e debaixo do manto de Nossa Senhora, buscando aí o espaço para dar guarida especialmente aos que sofrem mais. A profecia de Oséias se cumpria mais uma vez: “Sim, fui eu quem ensinou Efraim a andar, segurando-o pela mão. Só que eles não percebiam que era eu quem deles cuidava. Eu os lacei com laços de amizade, eu os amarrei com cordas de amor; fazia com eles como quem toma uma criança ao colo e a traz até junto ao rosto. Para dar-lhes de comer eu me abaixava até eles” (Os 11, 3-4).
Os muitos promesseiros encontraram sempre, ao longo do percurso do Círio, ajuda para cumprir o empenho assumido. Ainda que seja possível mudar, no confessionário, algumas promessas feitas no arroubo das necessidades espirituais e materiais, era obrigatório, no Círio, respeitar a palavra dada por tantas pessoas ao Senhor, contando com a oração da Virgem de Nazaré. Trata-se de um espaço garantido pelo Senhor no mais íntimo da consciência. É terreno sagrado!
“Quem der, ainda que seja apenas um copo de água fresca, a um desses pequenos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não ficará sem receber sua recompensa” (Mt 10,42). No último final de semana devem ter chegado ao Céu muitos registros de tal promessa do Senhor! Brotava do meio da multidão presente pelas ruas de Belém, como nascida do chão, uma quantidade incrível de copos de água. Jovens, sem qualquer acanhamento, giravam por todas as partes para que ninguém ficasse com sede. Uma Comunidade da Assembleia de Deus também se agregou aos católicos do Círio, passando pela porta da água distribuída. Seu pastor escreveu ao Arcebispo e agradecia “pelo seu carinho e amor”. Disse ainda: “Os membros da nossa Igreja, que participaram da comunhão fraternal entre nós, estão felizes pela oportunidade que tiveram de estar próximo do seu rebanho”, e augurava, declarando o amor, em Cristo Jesus, “que Deus possa permitir mais momentos como este”.
Final do Círio, quando multidões gritam de alegria ao conseguirem uma lembrança a ser abençoada pelo Arcebispo, e há uma mão que se estende. Não se tratava de um pedaço de corda a ser levado pela casa, mas era justamente uma mão abençoada que dava um pouco da mesma corda ao que abençoava. Mais do que o sinal externo, era a festa da reciprocidade. Aprendi de novo que o movimento era de mão dupla, dar e receber. O mandamento do amor recíproco se realizava no Círio: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,34-35). Quem nos viu unidos e irmãos no Círio teve o privilégio de acolher o maior espetáculo de todos e se abrir à conversão.
Muitas pessoas só têm contato direto com o Bispo no Círio! Que se sintam convidadas a participarem sempre da Igreja, mas não ouso apagar a chama do fumega, mesmo quando estiverem mergulhadas em tantos problemas, conhecidos no imenso mar da misericórdia de Deus. Viva o Círio! Viva Nossa Senhora de Nazaré! Viva Cristo!