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Ireneu nasceu com toda a probabilidade em Esmirna (hoje Izmir, na Turquia) por volta do ano 135-140, onde ainda jovem frequentou a escola do Bispo Policarpo, por sua vez discípulo do apóstolo João. Não se sabe, ao certo, quando se transferiu da Ásia Menor para a Gália, mas a transferência coincidiu, ao que tudo indica, com os primeiros desenvolvimentos da comunidade cristã de Lião, lugar em que, no ano 117 d.C., encontra-se Ireneu incluído no colégio dos presbíteros. No referido ano, ele foi enviado a Roma como portador de uma carta da comunidade de Lião ao Papa Eleutério (175-189 d.C.). A missão romana subtraiu Ireneu à perseguição de Marco Aurélio, que causou pelo menos quarenta e oito mártires, entre os quais o próprio Bispo de Lião, Potino, o qual faleceu no cárcere, em decorrência de maus-tratos, com noventa anos de idade. Assim, com o seu regresso, Ireneu foi eleito Bispo da cidade. O novo pastor dedicou-se, totalmente, ao ministério episcopal, que se concluiu por volta de 202-203 d. C., talvez, com o martírio (Ratzinger, 2025).
Em Roma, ele recebeu informações sobre a nova heresia do montanismo, cujo fundador foi Montano, sacerdote de Cibele, o qual se julgava “[…] o instrumento do Espírito Santo prometido por Cristo” (Ribeiro Júnior, 1082, p. 29).
De volta à sede de Lião, foi eleito bispo, tendo escrito diversas obras para explicar a verdadeira doutrina contra os hereges, particularmente, contra os gnósticos, mas sempre procurando conservar intacta a paz na Igreja. Tanto assim que chegou a escrever ao Papa Vítor (189-199 d. C.), por ocasião da retomada da polêmica sobre a data da festividade pascal.
Diferente dos apologistas do segundo século, que procuravam fazer uma explanação e uma justificação racional do cristianismo para as autoridades, Irineu pode ser considerado um polemista cristão. Desde o final do segundo século até o início do terceiro depois de Cristo, os polemistas empenharam-se em responder ao desafio dos falsos ensinos dos hereges, condenando esses ensinamentos e seus mestres de maneira veemente (Cairns, 2008).
A teologia de Irineu é baseada, de maneira muito sólida, na Escritura e na tradição eclesial, sobretudo, porque ele retoma o tema da sucessão apostólica romana, iniciada por Egesipo, como princípio normativo da fé. Sua teologia é, pois, de tipo polêmico, vale dizer, de posicionamento contra a “falsa gnose”, propondo, em seu lugar, a “verdadeira gnose”, isto é, o verdadeiro conhecimento baseado na fé.
Diante dessas doutrinas efervescentes, vale dizer, diante do montanismo e da gnose, “[…] ergue-se o bispo de Lião, Irineu. Ela é a voz do corpo eclesial da Igreja” (Pierrard, 1982, p. 34).
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Mais diretamente contra o gnosticismo, Irineu retoma o tema paulino da “recapitulação”. O gnosticismo é considerado a heresia mais complexa, compreendendo elementos filosófico-teológicos orientais e cristãos. Os gnósticos não compunham uma seita, porém, vários movimentos sincréticos que absorviam todas as tradições religiosas da época: a filosofia helênica (platônica), o dualismo persa, as doutrinas dos cultos de mistério (Elêusis e Dionísio), o judaísmo e cristianismo (Ribeiro Júnior, 1989). Tendo como elemento de sustentação a história da salvação, ele delineia um sistema de recapitulação antignóstica. Contra o dualismo gnóstico, que afirma a existência de dois deuses (o do bem e do mal), de duas humanidades, de duas histórias. Irineu apresenta o organicismo católico, que afirma um só Deus, uma só humanidade, uma só história da salvação. Além disso, contra o docetismo gnóstico, seja exegético, cristológico ou sacramental-eclesiológico, ele expõe o realismo católico, que afirma uma só Bíblia, um só Cristo Deus-homem, uma só Igreja como nova criação. E, ainda, em oposição ao fatalismo gnóstico, propõe a salvação católica baseada na pedagogia divina e na docilidade humana. Nesse quadro, como nova Eva ao lado de Cristo, novo Adão, Maria também assume o seu papel. Como se tem dito, Irineu estava “[…] consciente do grau de unidade que se poderia conseguir com uma Igreja bem coesa, e sentia que essa Igreja resistiria facilmente às lisonjas das ideias heréticas e de seus mestres” (Cairns, 2008, p. 95).
Destarte, não resta dúvida de que o testemunho de Irineu foi de grande relevância. De fato, nele confluem o Oriente (Esmirna, Policarpo e, através de Policarpo, Inácio e o Apóstolo João) e o Ocidente (Lião, as Igrejas da Gália), a controvérsia e a prática pastoral, a tradição e a elaboração teológica. Além disso, Irineu evoca a importância da sede romana naquele final de século II d. C.
Marcius Tadeu Maciel Nahur
Natural de Lorena (SP), Coordenador do Curso de Filosofia da Faculdade Canção Nova. Formado em Direito, História e Filosofia. Mestrado em Direito com ênfase na Filosofia de Henrique Cláudio de Lima Vaz. Delegado de Polícia Aposentado.
Referências
CAIRNS, Earle Edwin. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. Tradução de Israel Belo de Azevedo e Valdemar Kroker. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008. 671 p.
PAPA BENTO XVI. Audiência Geral. Santo Irineu de Lião (28 de março de 2007). Disponível em:https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2007/documents/hf_ben-xvi_aud_20070328.html. Acesso em: 07 jun. 2025.
PIERINI. Franco. A Idade Antiga – Curso de História da Igreja I. Tradução de José Maria de Almeida. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2004. 249 p.
PIERRARD, Pierre. História da Igreja. Tradução de Álvaro Cunha. São Paulo: Edições Paulinas, 1982. 298 p.
RIBEIRO JÚNIOR, João. Pequena história das heresias. Campinas: Papirus, 1989. 130 p.