“Para Fulano é mais fácil ser santo, porque é uma pessoa naturalmente mais tranquila. Eu mesmo sou bastante agitado, não consigo nem parar e me concentrar para rezar”.
“Fácil de verdade é para Beltrano, que tem um coração bom. As pessoas falam dele e ele nem está aí para nada. Quando acontece comigo, o sangue sobe para a cabeça na hora e quando percebo, já estou brigando”.
“E Cicrano?…”
A conversa poderia continuar por muito tempo, mas você já entendeu aonde quero chegar. O conhecimento superficial da natureza humana, especialmente de si mesmo, inevitavelmente leva ao pensamento de que há em mim defeitos que outros não têm e, por isso, minha vida espiritual é mais difícil dessa ou daquela maneira. É a história da grama do vizinho ser mais verde. “Eu até queria ser como Fulano, mas esse meu jeito não ajuda…”
Nosso temperamento pode nos reger?
Não podemos nos esquecer nunca de dois pontos fundamentais: em primeiro lugar, como ensina o Catecismo da Igreja Católica, nascemos com uma natureza humana decaída e manchada pelo pecado original. O batismo nos liberta do poder das trevas e nos transfere para o domínio da liberdade dos filhos de Deus, mas continuamos inclinados para o mal. Sozinhos, portanto, não somos capazes de fazer o bem. Nossa natureza – aqui entendida no sentido das características da personalidade, do temperamento, do caráter – não nos “ajuda” de verdade, por mais que pareça que sim.
Entra aqui o segundo ponto: é o Espírito Santo o protagonista, o santificador, que age sobre nossa natureza, nos permitindo usar bem nossas características. Sem o Espírito Santo agindo em nós, “perdemos a mão” e transformamos o que parece ser bom em algo ruim, desequilibrado.
Vamos refletir com este exemplo:
Como o espaço do texto é pequeno, deixo apenas um exemplo, bastante comum: imaginemos certo casal com duas características bem distintas um do outro. A mulher tem naturalmente uma grande empatia. O sofrimento e a alegria do próximo falam-lhe ao coração, e por isso ela tem mais facilidade para se importar com as pessoas. O marido, por sua vez, tem uma inclinação natural a ser autocentrado, o que o leva à indiferença para com os outros, manifestando, por isso, pouca empatia. Dificilmente se envolve emocionalmente com o que outras pessoas estão vivendo. Tem dificuldade tanto para se alegrar como para sofrer com os outros.
Se ficarmos apenas em um espectro da situação, é fácil apontar que a inclinação da esposa favorece seu crescimento espiritual, o oposto ocorrendo em relação à inclinação do esposo. Mais sensível à dor do outro, POSSIVELMENTE ela se envolverá mais com obras de caridade, lembrará mais de rezar pelos que sofrem, cairá menos no pecado do egoísmo. Talvez até esse se torne um ponto de tensão entre os dois, pois o marido POSSIVELMENTE sucumbirá com mais frequência justamente ao egoísmo, que será uma tendência marcante em sua vida, e quem sabe ele lamente não ser como a esposa.
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O perigo da fofoca
Atenção, porém, porque aqui estamos olhando para os dois a partir de um recorte bem específico: a esposa está deixando a sua empatia ser conduzida pelo Espírito Santo, enquanto o mesmo não está acontecendo com o ser autocentrado do esposo. A vida, entretanto, é dinâmica, e a todo momento estamos agindo movidos por diferentes impulsos. Num casamento real, nada é sempre assim, tão “redondo” e estático.
A mesma esposa, que se deixa conduzir tantas vezes pelo Espírito Santo, sendo caridosa e misericordiosa com os que sofrem, perceberá em si que essa inclinação à empatia torna-a muitas vezes curiosa demais sobre a vida dos outros, o que pode levá-la, por exemplo, ao julgamento e à fofoca.
“Fulana estava sofrendo tanto por causa do casamento que acabou. Ontem, vi que ela estava toda sorridente na missa e estava sentada ao lado de um homem que nem conheço. Será que já está de namorado novo? Não é possível…”
“Depois da reunião, Beltrano comentou que uma vida de aventuras é muito mais interessante do que aquela coisa monótona, rotineira. Será que ele estava se referindo ao casamento? Eu não duvidaria…”
Sejamos conduzidos pelo Espírito Santo
Enquanto a esposa pode sofrer nesse tipo de situação, a inclinação do esposo à indiferença, se conduzida pelo Espírito Santo, ajuda-o, preservando-o da curiosidade, do julgamento e da fofoca. Ele sequer terá notado uma variação no humor de Fulana, e, se o fez, não desenvolverá raciocínio nenhum acerca de possíveis novos envolvimentos amorosos, assim como não irá gastar nenhum tempo refletindo acerca de possíveis significados ocultos na fala de Beltrano ou de quem quer que seja.
Em suma, não há temperamento vilão ou mocinho, nem traço de personalidade melhor ou pior. O que há é pessoas conduzidas ou não pelo Espírito Santo, que de todas as características faz brotar o bem. Doravante, não olhe de si para o outro lamentando não ser desse ou daquele jeito. Há o que lamentar somente quando você não se deixa conduzir por Deus e age movido por sua natureza manchada.