A localização do sol naquele período do dia denunciava a proximidade com a hora nona, ou seja, por volta das quinze horas. Era o exato momento em que, dentro dos templos, os cordeiros pascais estavam sendo imolados. Não se trata, simplesmente, de uma infeliz coincidência. A dinâmica dos acontecimentos providenciou para aquele momento a imolação do verdadeiro e régio cordeiro. Um sacrifício perfeito! Jesus, então, expiou pregado em seu madeiro feito de trono real.
Toda a vida de Jesus, e por que não dizer a vida de todos os seres humanos do presente, do passado e do futuro, após a queda no Éden, passou a ser orientada para este supremo acontecimento que a história teve a grande graça de contemplar. Cristo é, verdadeiramente, a “nossa Páscoa”, aquele que, em silêncio, se deixou conduzir para o matadouro.
O caminho até o cume daquela colina não foi trilhado sem cansaço, dor, humilhações nem extrema angústia. Jesus, aliás, mal consegue chegar ao término de Sua caminhada, estava ofegante e completamente exausto. Quem o acompanhava tinha pressa, afinal, Ele precisava morrer mais que depressa, uma vez que o sol em breve se poria no horizonte dando início à Páscoa Judaica juntamente com a festa dos pães sem fermento.
Jesus, o Cordeiro imolado
Desse modo, mal Jesus atingira o cume da colina, sem pedir licença, os soldados O pregaram no madeiro. Os cravos que atravessaram os membros de Jesus romperam-Lhe a carne, os nervos e os tendões. O gemido de dor não constrangeu seus algozes. Sem demora, eles içaram Jesus, que já havia sido pregado no madeiro, e fixaram no chão uma das extremidades da trave vertical. Diante daquela cena lastimável estava Maria, a Mãe de Jesus. Ela viu tudo, acompanhou tudo, sofreu com Ele as dores da crucificação, e nada podia fazer.
De uma árvore do Éden nascera um fruto que se tornou maldição. Também de uma árvore renascera a vida, tornando-se objeto da mais elevada bênção que se poderia existir. Se o madeiro foi instrumento de queda, agora, transformou-se em via para a glória. O espetáculo era desolador! Jesus não se contentou em sofrer simplesmente, sofreu tudo, no esgotamento do sofrimento, sem se poupar. Loucura e escândalo, porém, é nessa loucura e nesse escândalo que a dor do mundo encontra o verdadeiro sentido.
A cruz não gerou morte, mas vida, ou melhor, pura vida. Os primeiros frutos de vida nova brotaram ali mesmo diante do madeiro ensanguentado. Um ladrão – este sim um verdadeiro infrator da lei – depois de reconhecer os seus pecados, perante Jesus suplicou-lhe perdão. Bastou contemplar o sofrimento do Senhor para transformar o seu próprio sofrimento, outrora sem sentido, num legítimo instrumento de conversão. A súplica que vinha do recanto mais profundo do verdadeiro ladrão deu um pouco de alívio às dores de Jesus. O infrator transformara-se num fidedigno cristão, no significado mais profundo desta palavra.
Jesus era a própria vida
Isso mostra que a eficácia da Paixão do Nosso Senhor não tem limite e não terá ocaso. A venerável Redenção realizada por Cristo na cruz aplica-se a cada homem do passado, do presente e do futuro. Jesus não morreu por nós, Ele morreu por mim, Ele morreu por você. Ninguém nunca morreu como Ele e nunca morrerá, porque Jesus era a própria Vida.
Contudo, uma vez que possuímos livre-arbítrio, somos capazes de tornar vã a Paixão do Senhor. Tudo passa por um “não querer” conscientemente, um “não aderir” conscientemente, um “recusar” conscientemente. É triste reconhecer que isso pode acontecer no dia de hoje ou em qualquer outro dia, basta recusarmos a graça e aderirmos ao pecado. O infrator da lei que foi crucificado ao lado de Jesus soube fazer a melhor escolha, ele quis a Salvação, optou por ela. Fez para nos mostrar como devemos também fazer, nós que, como ele, similarmente somos infratores da lei.
Leia mais:
.:A misericórdia da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo
.:Contemple as estações da Via-Sacra
.:Semana Santa, a semana das semanas
.:Sexta-feira Santa: meditação da Santa Cruz
Esperança da Vida Eterna
A Paixão e Morte de Jesus transformou o desespero em esperança. A esse respeito, disse São Bernardo de Claraval: “Quem é que não é tomado de esperança e confiança (…) quando olha para o crucifixo e vê como Nosso Senhor está lá pendurado, com a cabeça inclinada como se fosse [nos] beijar, os braços abertos como se fosse [nos] abraçar” e totalmente pregado como se quisesse conosco sempre permanecer?
Uma lição, embora não muito agradável, pode ser aprendida. Se formos capazes de passar pela cruz como Jesus passou, seremos também agraciados com a Vida Eterna. Não somos cristãos para viver como pagãos, mas para seguir os passos de Cristo e, assim como Ele, suportar as nossas próprias tribulações e sofrimentos. Depois de carregarmos as nossas cruzes, reinaremos junto d’Ele na alegria perpétua.
Que o nosso coração aprenda a cantar com toda a Igreja este hino:
“Crux fidelis, inter omnes arbor una nobilis:
Dulce lignum, dulce clavo, dulce pondus sustinens”
(Ó Cruz fiel, dentre todas as árvores, mais nobre:
Ó doce lenho, que os doces cravos e o doce peso sustentas)
Deus abençoe você. Até a próxima!