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Seu desejo não é uma ordem para Deus

Uma das fantasias mais presentes no nosso imaginário é “meu desejo é uma ordem”. Poder obter, de forma mágica, aquilo que desejamos é uma ideia inebriante. A vida é dura demais e há realidades que aparentemente nunca estarão ao nosso alcance, por mais que nos esforcemos. Deixar de ser pobre, tornar-se popular, conquistar a pessoa dos seus sonhos, ter poder… Quem nunca se imaginou encontrando a lâmpada mágica de Aladim e fazendo sair dela um gênio que lhe garantisse três desejos que resolveriam todos os seus problemas num piscar de olhos? Esse anseio se reflete no sem número de histórias contadas na literatura e no cinema que apresentam pessoas em situações difíceis que têm a oportunidade de “dar a volta por cima” a partir de uma intervenção mágica, como a já citada lâmpada maravilhosa encontrada por Aladim. Isso já foi contado por Robert Louis Stevenson no conto “O demônio da garrafa”, por W. W. Jacobs em “A pata do macaco”, por Goethe em “Fausto” e em incontáveis fábulas, filmes e desenhos animados em que uma figura sobrenatural, como uma fada, concede um desejo a uma pessoa desafortunada. Mais recentemente, o filme Mulher Maravilha 1984 baseia a sua fraca narrativa na Pedra dos Sonhos, que concede ao seu portador qualquer desejo.

Seu desejo não é uma ordem para Deus

Foto ilustrativa: Marilyn Nieves by Getty Images

O seu desejo foi atendido por Deus?

Em alguma medida, muitos de nós transferimos essa poderosa fantasia para a nossa vida, e uma demonstração clara disso é o número de pessoas que arriscam a sorte nas loterias e apostas. Quer magia maior do que tornar-se milionário com o auxílio de seis “números da sorte” ou com o palpite certo para aquele jogo de futebol? Infelizmente, essa transferência não fica restrita aos jogos de azar. Quantas vezes olhamos para o alto e nos convencemos de que Deus é uma espécie de “fada madrinha” ou de “Pedra dos Sonhos”, que existe tão somente para nos dar o que pedimos. Também pudera! Meu vizinho estava endividado, mas um ministro de Deus proclamou que sua vida seria próspera, “em nome de Jesus!”, e hoje o comércio dele está de vento em popa. Outro conhecido estava doente, mas proclamaram a vitória de Deus em sua vida e ele está saudável como nunca. Este queria comprar um apartamento, aquela queria um novo amor, aquele outro, comprar o carro dos sonhos, e todos saíram do seu “encontro com Deus” com seus desejos atendidos. Como não se empolgar e querer tudo isso para mim? Se Deus dá vitórias, graças, curas, bens, prosperidade para os outros, eu também quero!

Só que não é bem assim. Na verdade, não é nada assim, está tudo errado, mas insistimos em fazer de Deus uma megaloja virtual, onde podemos obter tudo o que desejamos. A ideia de que o “meu desejo é uma ordem” é perigosa, e a literatura expressa bem isso. Não há atalhos para a vida. Ela precisa ser vivida com suas alegrias e suas muito frequente cruzes. Como disse Paulo Leminski, “bem no fundo, no fundo, no fundo, bem lá no fundo, a gente gostaria de ver nossos problemas resolvidos por decreto”, mas “problemas não se resolvem, problemas têm família grande”. Sempre que queremos o caminho mágico e fácil há um preço a pagar, e normalmente ele é alto demais. O conto A pata do macaco é uma das melhores representações disso. Uma família simples e feliz (pai e mãe idosos e um filho jovem e trabalhador) obtém de um amigo a pata do macaco, um item mágico feito por um faquir. O amigo reluta em entregar o item, que garante três desejos ao portador, porque diz que o preço cobrado é terrível. Mesmo dizendo que não precisa de nada, que já é feliz com o que tem, o pai insiste em ficar com a pata do macaco e faz o primeiro desejo: quer dinheiro suficiente para quitar o financiamento da casa em que vivem. Aparentemente, nada acontece naquela noite. No dia seguinte, logo cedo o filho sai para trabalhar. Mais tarde, um mensageiro aparece para dar a notícia de que o filho morreu num acidente na fábrica e a empresa envia um cheque com a exata quantia que o pai pediu à pata do macaco na noite anterior. Isso mesmo, o pedido foi atendido, mas o preço foi a vida do próprio filho. A história continua com os pais tentando remediar a situação usando o desejo seguinte, mas as coisas só pioram. É um conto que faz lembrar o que ensina São Tiago: “Pedis e não recebeis, porque pedis mal, com o fim de satisfazerdes as vossas paixões”.

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Espiritualidade delivery

Quantas pessoas colhem como fruto dessa espiritualidade delivery tão em moda atualmente a decepção com Deus, o desencantamento com a vida, tristeza, desespero? São pessoas que aprenderam a cultivar um relacionamento com Deus que não se baseia na fé, na esperança e na absoluta gratuidade do amor, mas no escambo, na negociação: eu
troco meu louvor por bens, graças, curas e milagres. Quando Deus não me responde na mesma velocidade com que eu penso que ele responde aos outros, quando a minha vitória custa a chegar, minha situação financeira não melhora, minha saúde não é restaurada, experimento a revolta contra Deus, que “não me honrou”, “não me escutou” e assim sucessivamente. Minha fé é abalada porque ela estava sustentada sobre a areia das realidades terrenas, não sobre a rocha do Reino dos Céus.

Pedimos mal, nos ensina São Tiago, porque pedimos com o fim de satisfazer nossas paixões, mas devemos ter em nós os “mesmos sentimentos de Cristo”, que abriu mão de tudo e aceitou a humilhação, a privação, a injustiça, a perseguição, o abandono, tudo por amor a nós, que sequer merecemos tal sacrifício. Não, meu irmão, o meu desejo não é uma ordem para Deus. Pelo contrário, é a ordem de Deus que deve ser o desejo do meu coração: Sede santos! Abandonemos os atalhos, esqueçamos dos gênios e de suas lâmpadas maravilhosas e trilhemos o caminho percorrido pelo próprio Jesus: “Quem quiser seguir-me, negue a si mesmo, carregue sua cruz e me siga. Quem se empenha em
salvar a vida, a perderá; quem perder a vida por mim, a encontrará. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro às custas de sua vida?”

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