A caridade é a maior de todas as virtudes
Após citar inúmeros dons e virtudes, o apóstolo Paulo diz: “ainda vou indicar-vos o caminho mais excelente de todos” (1Cor 12,31). Esse caminho, método ou dom que supera em muito todos os outros se chama caridade. Em algumas Bíblias, utiliza-se a palavra “amor” buscando uma maior aproximação com o sentido original do texto. Por quê?
A “caridade” de que trata o texto não é somente aquela que hoje entendemos como “fazer o bem ao próximo”, “querer bem a todos” ou “suprir as necessidades materiais dos menos favorecidos”. A caridade, por excelência, é o amor que se tem a Deus. Daí vê-se que a tradução pela palavra “amor” também não traduz o sentido completo que o apóstolo queria explicitar.
Caridade
Antes de mais nada, refere-se à terceira virtude teologal, a virtude da caridade. Por ser uma virtude, como vimos nos artigos anteriores, trata-se de um hábito que tem a capacidade de aperfeiçoar o ser humano. Esse é o primeiro detalhe relevante: a caridade pode e precisa ser treinada, é necessário habituar-se a ela, ou seja, fazê-la parte da rotina diária, a ponto de ela se tornar uma atitude comum e constante. Isso é fazê-la um hábito, isto é, torná-la uma virtude.
Quando ouvimos o jargão “amor é decisão”, é sobre essa característica que ele se assenta: um hábito que necessita de uma decisão firme, para ser incorporado à nossa vida. Não se trata, portanto, de um sentimento que vai e volta e permanece fora de controle. É algo decidido, treinado e incorporado.
E o que se quer dizer ao se referir que somente “amor” não é o sentido completo de caridade? Diferentemente de algumas formas de sentimentos que o nome “amor” também acabam recebendo indevidamente, como a paixão, atração sexual ou a fixação em algo ou alguém, a caridade é o amor ao supremo bem, à suprema bondade, ao próprio Deus. Como “Deus é amor” (1Jo 4,8), esse deleite gerado por Aquele que é (Ex 3,14), pelos seus supremos atributos espirituais, só pode ser gerado pelo próprio Criador e só pode direcionar-se a Ele. Tem-se aí o verdadeiro sentido do “teologal” atribuído a essa virtude: procede de Deus e só pode verter-se para Deus.
Amor a Deus
Esse amor intenso por Deus, com Ele e para Ele, naturalmente deve se derramar aos seus filhos adotivos, suas criaturas eleitas. Afinal, “se alguém disser: ‘amo a Deus’, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê” (cf. 1 Jo 4,20). A partir disso, esclarece-se por que a “caridade”, na linguagem comum, deixou de ser o amor a Deus para se tornar a ação de fazer bem ao próximo. Incapaz de ver o verdadeiro motor que move a ação (o amor a Deus), identificou-se a ação com sua aparência externa (o fazer o bem).
Desse modo, conclui-se também que, embora a caridade humana, ou seja, fazer o bem ao próximo motivado pela simples vontade de ajudá-lo ou de melhorar a sociedade, seja boa em si, não se trata de verdadeira virtude teologal. É essencial, portanto, que o fazer o bem esteja motivado pelo amor a Deus e seja um derramamento desse amor também aos irmãos. Uma das frases atribuídas a Santa Teresa de Calcutá reflete bem esse ponto. Ao tratar com um desvelo sobrenatural um homem tornado extremamente repugnante em seu aspecto por causa de sua doença, ela ouviu de um milionário que estava conhecendo seu trabalho “de caridade”: “Eu não faria esse trabalho nem por um milhão de dólares!”. Ao que a santa respondeu: “Nem eu”.
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Somente por caridade, por amor a Deus, podemos realizar ou suportar certas coisas. É o amor de Deus que se derrama, insere-se no ser humano, torna-se parte dele por meio do hábito ou virtude, cresce à medida que este “hábito bom” é reforçado e, finalmente, derrama-se aos outros.
Fé
Como explicitado nos artigos anteriores desta série Virtudes Teologais, a virtude da fé provoca o crescimento da virtude da esperança, e é esta esperança nos bens futuros e na realização das promessas de Deus que provoca o crescimento da caridade. Assim, sem esperança não existe caridade. Mas por quê?
Do mesmo modo que o conhecimento de Deus (virtude da fé) faz com que a inteligência encha a memória com seu modo de agir, essa memória do modus operandi de Deus, na história e na nossa vida, provoca a reflexão de que suas promessas são verdadeiras e que não só podemos, mas devemos, esperar sua concretização (virtude da esperança). Com o crescimento da esperança no ser humano, começa-se a perceber que somente no esperar já existe benefício, e que Deus já concede agora o que promete. Esse maravilhoso conhecimento da ação e realização de Deus no mundo e em nossa vida já é o amor d’Ele que se derrama em nós. Revigora-se, assim, Aquele amor que já existe em todo o ser humano, mas que permanece como que adormecido enquanto não é provocado pela esperança: a virtude da caridade.
No próximo artigo, veremos quais os cuidados necessários para mantermos esse hábito sobrenatural vivo em nossa vida, e quais os erros podem ser cometidos, que acabam por matar essa virtude no ser humano.