Iniciamos esta reflexão com alguns versículos do Livro dos Provérbios: “O amigo ama em todo o tempo: na adversidade, ele se torna um irmão” (Pv 17,17). “Melhor é a correção manifesta do que uma amizade fingida. As feridas do amigo são provas de lealdade, mas os beijos do que odeia são abundantes” (Pv 27,5-6).
Muito se fala que “amigo é aquele irmão que se escolhe”. Ou seja, um amigo é alguém que entra em nossa vida porque há identificação, admiração, afinidades, além de gostos, valores, interesses e pensamentos similares. Criamos uma relação de reciprocidade, liberdade e espontaneidade.
Com o amigo, podemos ser nós mesmos e contamos com o seu apoio e disponibilidade, tanto nos momentos alegres como nos tristes. Sabemos que ele estará ali, nas horas difíceis; e esperamos dele, como também manifestamos, a confiança, lealdade e transparência. Oferecemos a nossa presença sem máscaras. É o que se espera de toda amizade verdadeira!
Contudo, infelizmente, como pessoas diferentes que são e devido às circunstâncias variadas da vida e aos limites humanos, os amigos acabam tendo seus momentos de divergências e contrariedades. Podem ferir-se mutuamente e a amizade fica abalada.
Como então reconstruir uma amizade?
Os dois trechos bíblicos acima apontam algumas direções:
“O amigo ama em todo o tempo”: se é todo o tempo, então é todo! Todo é todo, não é parcialmente. Amizades genuínas resistem ao tempo e às adversidades. Quando essas ocorrem, o amigo se torna um irmão, ou seja, os vínculos são tão fortes como ou maiores do que os consanguíneos. Há uma disposição legítima de amar, perdoar, ser paciente, esperar o tempo do outro. Nisso, a célebre passagem de 1 Coríntios 13 de São Paulo nos recorda bem: “Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Cor 13,7). Mais uma vez os pronomes indefinidos nos dão a referência: se é tudo, é tudo.
“Melhor é a correção manifesta do que uma amizade fingida”: outro indicativo de uma amizade verdadeira é a transparência. Corrige-se outro – claro que, com base na caridade e na verdade – porque queremos o seu bem e não “passamos a mão na cabeça” quando comete algum erro ou está seguindo um caminho inadequado. Não é nada agradável ouvir uma correção. Isso mexe com nossas vaidades, ego e presunções. Contudo, a parte que ouve a emenda também precisa de ter maturidade de acolher e reconhecer o que for preciso.
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“As feridas do amigo são provas de lealdade, mas os beijos do que odeia são abundantes”: amizades autênticas são maduras e compreendem que uma verdade ou correções trazidas pelo outro, se bem colocadas, são provas de fidelidade e afeição. Se, de fato, sabemos que o amigo nos ama, veremos, com tranquilidade, que suas palavras foram de amor e zelo conosco. São Paulo, em Coríntios, também confirma tal realidade: “[O amor] não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade” (1 Cor 13,6).
Além disso, havendo divergências entre os amigos, é sinal ainda de maturidade perceber que uma discordância é normal em qualquer relacionamento! Não estamos falando de agressões físicas e verbais que extrapolam qualquer limite, mas do fato de que sempre teremos pontos de vista diferentes. O que vale é levar o atrito como oportunidade de fortalecimento na amizade. As grandes amizades crescem quando, face a um desentendimento, há diálogo, respeito, transparência e liberdade para expor o que se deseja e também para ouvir.
Vale a pena?
Sendo assim, o que preferes? As “feridas” do amigo ou os “beijos” de quem não nos quer bem?
Um amigo pode, muitas vezes, nos ferir com maus atos ou com a verdade. Entretanto, se é um amigo fiel, as feridas são curadas, tratadas e ele não nos rouba de nós mesmo. Permanece a dignidade de ambos. Já os beijos fingidos são amargos e podem tirar essa dignidade.
Os passos de reconstrução de uma amizade, em alguns momentos, são árduos, mas, se for para crescermos na comunhão e fraternidade com os outros, vale a pena encarar!