🫂 Amizade

Amando nossos inimigos, o desafio de todo cristão

Entre simpatias e inimizades, a complexidade da relações humanas

Durante a nossa vida, somos confrontados com o diferente, quanto às características das pessoas, as ideias, posições políticas e ideológicas, simpatias ou antipatias, e até a inimizade. Pode acontecer que tenhamos inimigos não declarados, quando, interiormente, uma parte ou outra se recusa a um relacionamento adequado. Ou podem existir inimizades explícitas e declaradas, e cada pessoa emite julgamento sobre elas e ou reage de acordo com suas convicções e formação.

"Cuide dele", um chamado à solidariedade e ao amor ao próximo

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As Bem-aventuranças se realizam em plenitude naquele que é “o bem-aventurado”, Jesus! Nele se realizam as propostas que apresentou aos seus discípulos e a todos os que dele se aproximassem, e nós nos sentimos escolhidos como destinatários.

Além da amizade, o chamado ao amor universal

E uma das maiores exigências é o amor aos inimigos, anunciado na Liturgia do Sétimo Domingo Comum, de cuja celebração todos nós participamos neste final de semana (Lc 6,27-38). O cantor e compositor Renato Teixeira celebrou a amizade de forma esplêndida: “A amizade sincera é um santo remédio, é um abrigo seguro. É natural da amizade o abraço, o aperto de mão, o sorriso, por isso, se for preciso, conte comigo, amigo, disponha. Lembre-se sempre que, mesmo modesta, minha casa será sempre sua”.

A amizade é gratuita, é encontrada, e não somos obrigados a tê-la com todas as pessoas, ainda sabendo que ela é um “santo remédio”! Entretanto, e aqui as coisas apertam, temos que amar a todos, inclusive e de forma especial os inimigos! Os santos, especialmente os mártires, identificaram-se com Jesus até expressarem, com a palavra e o testemunho, o que o Senhor proclamou do alto da Cruz: “Pai, perdoai-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23,34).

A chave da vida cristã, o amor como caridade

Em Jesus se expressa totalmente o amor que nos é pedido pela fé que professamos, expresso numa resposta: “Um doutor da Lei perguntou-lhe, para experimentá-lo: ‘Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?’ Ele respondeu: ‘Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. Ora, o segundo lhe é semelhante: ‘Amarás teu próximo como a ti mesmo’” (Mt 22, 35-40).

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O amor caridade é uma virtude infundida por Deus na vontade, pela qual amamos a Deus e ao próximo! É a essência da vida cristã, a chave da vida de todos nós. A fé vai se transformar em visão, a esperança se tornará posse do que aguardamos, mas a caridade permanecerá para sempre (1Cor 13,13).

Falai bem, orai e amai, a arte de superar a inimizade

Fomos feitos para amar! E sabemos que nosso Senhor nos amou até o fim, e indicou-nos que a maior prova de amor é dar a vida pelos que amamos! O Evangelho proclamado neste domingo desce a detalhes formativos de grande alcance para o nosso dia a dia: “A vós que me escutais, eu digo: amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam. Falai bem dos que falam mal de vós e orai por aqueles que vos caluniam. Se alguém te bater numa face, oferece também a outra. E se alguém tomar o teu manto, deixa levar também a túnica. Dá a quem te pedir e, se alguém tirar do que é teu, não peças de volta. Assim como desejais que os outros vos tratem, tratai os do mesmo modo” (Lc 6,27-31).

Vivendo a regra de ouro, paciência e amor 

Talvez alguns de nós julguem necessário um verdadeiro heroísmo, até alcançar a “regra de ouro”, que é fazer aos outros tudo aquilo que desejamos seja feito a nós. Mas vamos passo a passo, sabendo que o Espírito Santo nos assiste e que o que é proposto no Evangelho não é impossível! Somos chamados por Deus a amar a todos, dando sempre o primeiro passo para ir ao encontro dos outros.

Comecemos por olhar as pessoas não como potenciais inimigas, mas homens e mulheres amados por Deus e dados de presente a cada um de nós para serem amados! Para tanto, há que fazer um esforço, ajudados pela graça de Deus, na superação das simpatias, apegos, antipatias e preconceitos. Purificar o olhar a respeito das pessoas! É necessário fazer a experiência da paciência e serenidade no trato com os outros.

Da rejeição à aceitação, a jornada de Damião de Molokai 

Uma pessoa que nos parece à primeira vista arrogante pode vir a ser amiga de verdade, se se sente amada e acolhida, na superação dos sentimentos primários que nos assaltam com frequência. É bom tomar consciência de que o amor, como compreendido na graça da caridade, não é um sentimento, mas um ato de inteligência e vontade.

Um santo como Damião de Molokai foi ao encontro de uma rejeição total da parte de uma colônia de hansenianos até conquistar a todos, inclusive tornando-se como eles hanseniano! Trata-se de um nadar contra a correnteza, num mundo polarizado e cheio de inimizades, conflitos e guerras, começando nas verdadeiras batalhas no campo chamado “redes sociais”, que tem se tornado um espaço privilegiado para acusar, denunciar, caluniar e destruir pessoas e grupos.

Jubileu da esperança, tempo de reconciliação e reconstrução social

De nossa parte, como cristãos, é necessário estabelecer pequenos laços para sanar o tecido social extremamente fragilizado! Se qualquer um de nós tiver declarado inimizade ou tenha sido alvo de tal infortúnio, propomos uma declaração interior de amor a todos, sem exceção, para superar distâncias e vencer obstáculos, proclamando um perdão geral em tempos jubilares!

Autoridades de qualquer nível não poderão obrigar quem quer que seja a dar este passo, mas somente a ação do Espírito Santo, encontrando docilidade no coração de cada pessoa de fé, que aposta na verdade o Evangelho, fará vencer a eventual dureza dos corações.

O texto Evangélico que suscitou nossa reflexão termina levando-nos às alturas, pois nos propõe ser misericordiosos como o Pai do Céu é Misericordioso. A medida está no Céu, e os peregrinos da Esperança haverão de dar este salto qualitativo no ano do Jubileu!

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará