No Natal, que manifesta de forma extraordinária a misericórdia divina, é significativo que meditemos sobre a generosidade do Deus Altíssimo, que em Jesus Cristo não veio ao mundo somente para redimir o gênero humano, mas também para elevar a sua dignidade. Esta meditação torna-se ainda mais significativa pelo fato de que celebramos este Natal no Ano Santo da Misericórdia, que começou no último dia 8 de Dezembro. Pois o Senhor dos Céus e da Terra enviou seu Filho ao mundo para fazer muito mais do que perdoar os nossos pecados, que em si já é uma graça extraordinária.
Nossos primeiros pais pecaram, por isso perderam o estado de amizade com Deus e foram expulsos do paraíso. Em resposta, Jesus Cristo veio ao mundo para reparar a ofensa cometida pelo homens para com o Criador. No entanto, em sua infinita misericórdia, Deus não se contentou em devolver ao gênero humano a dignidade perdida por causa do pecado original. De forma extraordinária, Deus elevou a nossa dignidade a tal ponto que jamais chegaríamos com nossas próprias forças, e nos fez herdeiros de bens que não passam.
O Verbo se fez homem para revelar a nossa dignidade, que tem sua raiz mais profunda na criação do gênero humano à Sua imagem e semelhança e realiza-se na nossa vocação última à comunhão plena com a Santíssima Trindade no Reino dos Céus. O Filho de Deus, o “Príncipe da Paz”, veio ao mundo, não em um grande e luxuoso palácio, mas num pequeno, simples e pobre presépio. Teve como pai não um grande e poderoso rei, mas São José, carpinteiro pobre e humilde. Dessa forma, o nascimento de Jesus, em condição tão pobre e humilde, lança sobre todos nós uma luz maravilhosa, revelando que a dignidade humana independe da condição social ou econômica. Cada um de nós, filhos e filhas de Deus, ainda que vivendo à margem da sociedade, na mais extrema pobreza, ou na mais alta classe da sociedade, na riqueza excessiva, temos todos a mesma dignidade.
Jesus Cristo na vida da Virgem de Nazaré e a vocação da mulher
No entanto, vindo ao mundo na casa de José, homem pobre e humilde, o Filho de Deus nos mostra que essa condição era mais favorável não somente para realização de Sua vocação, mas também da nossa. Tanto que as “bem-aventuranças” dizem respeito, de certa forma, a São José, a Jesus Cristo, e certamente a muitos de nós: “Bem-aventurados os que têm um coração de pobre”: ambos tinham o coração pobre, desapegado; “Bem-aventurados os que choram”: Jesus chorou sobre Jerusalém, na morte de Lázaro e do filho da viúva de Nain; “Bem-aventurados os mansos”: “sou manso e humilde de coração” disse o próprio Jesus a respeito de si mesmo; “Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça”: São José e a Virgem Maria tiveram que fugir com o Menino Jesus para o Egito, por causa de lei iníqua imposta pelo rei Herodes.
Ao contrário do que disse a respeito da pobreza, Jesus Cristo ensina que a riqueza pode dificultar a realização de nossa vocação: “é difícil para um rico entrar no Reino dos céus!” Depois de retornar do Egito, o Filho de Deus permaneceu na casa de São José durante a maior parte de sua vida terrena, exercendo o mesmo ofício que ele, na pequena cidade de Nazaré, na província da Galileia. Tão valoroso é diante do Senhor a vida pobre e o trabalho simples e humilde, que o próprio Filho de Deus os quis para si durante por quase toda a Sua vida terrena.
A mulher de Nazaré
Na “plenitude dos tempos”, Deus manifestou a extraordinária dignidade da “mulher” ao enviar seu Filho unigênito ao mundo no ventre da Mulher de Nazaré. Pois, sendo Onipotente, Deus poderia escolher outra forma para vir ao mundo. “A presença especial da Mãe de Deus no mistério [de Cristo e] da Igreja nos consente pensar no vínculo excepcional entre esta ‘mulher’ e toda a família humana”.
Neste sentido, considerando que a graça não dispensa nem anula a natureza, mas a aperfeiçoa e enobrece, a “plenitude de graça”, concedida à Virgem Maria em vista de tornar-se “Theotókos”, Mãe de Deus em grego, significa a plenitude da perfeição daquilo que é característico da mulher, daquilo que é feminino. Esta perfeição, ou plenitude da graça, da Santíssima Virgem é o modelo ideal da dignidade pessoal da mulher. Dessa forma, a Santíssima Virgem é a expressão mais acabada da dignidade e da vocação da mulher, enquanto imagem e semelhança de Deus.
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O Natal de Jesus Cristo manifesta a infinita misericórdia de Deus para com todo gênero humano
Maria de Nazaré assume em si mesma e abraça o mistério da “mulher”, cujo início é Eva, “mãe de todos os viventes”. Antes de tudo, Nossa Senhora assume e abraça este mistério no interior do mistério de Cristo, novo e último Adão. Desse modo, a Mãe de Deus supera a consequência do pecado original em relação à mulher e retorna ao “princípio”, no qual se encontra a “mulher” tal como foi pensada na criação.
Maria é o “novo princípio” da dignidade e da vocação da mulher, de todas e de cada uma das mulheres. Em vista dos méritos da paixão, morte e ressurreição de seu Filho Jesus Cristo, a Mãe de Deus foi a primeira redimida, vocação à qual todo gênero humano é chamado, especialmente as mulheres, que tem nela seu modelo mais perfeito.
Deus se fez humano para que o homem se tornasse divino
No nascimento do Menino Jesus, o Senhor do Universo se fez extremamente pobre, não tendo nem mesmo uma lugar digno aonde nascer. Deus Todo-Poderoso se fez pequeno e indefeso, na fragilidade de uma criança. O Rei da Glória escondeu seus esplendores nascendo em um estábulo, tendo como berço uma manjedoura.
O Senhor dos Céus e da Terra se fez um pequeno menino, para que nós pudéssemos amá-Lo, para que ousássemos amá-Lo, e, como menino, coloca-se com confiança nas nossas mãos. Como não ver, na Eucaristia, essa graça de Deus, que se abaixa até o nosso nível, para que possamos tocá-Lo, recebê-Lo em nosso interior. É como se o Filho de Deus nos dissesse: “Sei que o meu esplendor te assusta […]. Por isso venho a ti como menino, para que Me possas acolher e amar”. Ao contrário dos homens, que quiseram “ser como deuses”, Deus Onipotente se fez limitado, assumindo a nossa condição humana, exceto o pecado.
O Filho de Deus na vida de São José e a vocação do homem
Deus se fez homem para revelar a nós a nossa vocação divina: “o Filho de Deus fez-Se homem, para nos fazer deuses”, já diziam os Santos Padres, para fazer-nos “participantes da natureza divina”. O Verbo eterno se fez carne para que nós, entrando em comunhão com Ele e recebendo assim a adoção divina, nos tornássemos filhos de Deus. “Unigenitus […] Dei Filias, suae divinitatis volens nos esse participes, naturam nostram assumpsit, ut homines deos faceret factos homo – O Filho Unigênito de Deus, querendo que fôssemos participantes da sua divindade, assumiu a nossa natureza para que, feito homem, fizesse os homens deuses”.
Dessa forma, o mistério do homem torna-se compreensível no mistério do Verbo encarnado. “Adão, o primeiro homem, era efetivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime”. Esta nossa altíssima vocação se traduz em palavras na memorável frase de Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Vós e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Vós”.
A resposta do homem ao chamado de Deus
Assim, no Natal, celebramos a vinda do Verbo de Deus, que se encarnou pelo Espírito Santo no ventre da Virgem Maria. Celebramos ainda a grande obra da misericórdia divina, que em Jesus Cristo redimiu o gênero humano e elevou a sua dignidade. Esta humanidade redimida, tem na Mãe de Deus o seu membro mais eminente.
Por sua participação no mistério da Redenção, a Santíssima Virgem foi coroada como Rainha dos Céus e da Terra, dos anjos e dos santos. Olhando para Nossa Senhora, compreendemos a altíssima vocação à qual somos chamados, de também estarmos com ela no Reino dos Céus. No entanto, temos a liberdade de corresponder ou não a esta vocação. Em Jesus Cristo, somos chamados a permanecer em comunhão com a Santíssima Trindade e a manifestar Seu amor infinito e misericordioso a todos os homens.
Em tempos nos quais o materialismo e o ateísmo são quase uma “religião”, a vivência e o anúncio da vida nova em Cristo tornam-se ainda mais necessárias. Não nos preocupemos em guardar tesouros neste mundo que passa, mas entreguemos nossa vida a Jesus Cristo, pois Nele somos herdeiros dos tesouros celestes: “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam”. Peçamos a Jesus Cristo que nos ajude a compreender nossa altíssima vocação e a Virgem Maria o auxílio necessário para correspondermos a esta com amor e fidelidade. Feliz Natal!