✝️ Glória de Deus

A transfiguração do Senhor e a escuta que transforma a vida

”Este é meu Filho amado. Escutai-o!”

O Evangelho da Transfiguração (cf. Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36) está situado num momento decisivo do ministério público de Jesus. Pouco antes, nas regiões de Cesareia de Filipe, o Senhor dirige aos discípulos uma pergunta fundamental: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15). É Pedro quem toma a palavra e professa com fé: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). A profissão de fé de Pedro é o fundamento sobre o qual Cristo edificará sua Igreja, que, pelos séculos, permanece como rochedo inabalável e indestrutível, como diz o próprio Senhor: e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. (Mt 16,18).

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É significativo que, poucos dias depois, Pedro seja chamado a subir ao monte com Tiago e João para testemunhar a glória de Jesus. Entre os três, Pedro continua a ter um lugar de proeminência. É ele quem fala durante a visão, é a sua reação que o Evangelho registra, e ele está presente novamente em momentos-chave da missão de Cristo. O Senhor o leva a um lugar alto – tradicionalmente identificado com o Monte Tabor – para fortalecê-lo, a fim de que sua fé resista nos dias escuros da paixão que se aproximam.

O monte é o lugar onde Deus se revela

Na tradição bíblica, o monte é o lugar onde Deus se revela: o Sinai, onde Moisés recebeu a Lei; o Carmelo, onde Elias defendeu a santidade de Deus e a força de sua presença; o monte Moriá, onde Abraão ofereceu Isaac; e, no ápice da revelação, o Calvário, onde o Filho se entregará por amor para nossa salvação. O Tabor insere-se nessa geografia espiritual da revelação. Nele, a glória escondida de Jesus se manifesta, preparando os discípulos para o escândalo da cruz. (1Cor 1,23)

O rosto de Jesus brilha como o sol, suas vestes se tornaram brancas como a luz. Moisés e Elias aparecem ao seu lado, representando a Lei e os Profetas, a totalidade da Escritura, que agora se ilumina à luz do Cristo. A nuvem luminosa, sinal da presença divina, envolve os discípulos, e a voz do Pai ressoa: “Este é o meu Filho amado. Escutai-o!” (Mc 9,7). O evangelista Lucas nos dá um detalhe precioso: Jesus falava com Moisés e Elias sobre “o êxodo que Ele iria realizar em Jerusalém” (Lc 9,31). Eis a nova páscoa: o caminho da cruz, da entrega e da ressurreição. 

O Papa Bento XVI já nos recordava que não devemos separar o mistério da transfiguração do caminho que Jesus está a percorrer: “Jesus leva consigo três deles ao monte e revela a sua glória divina, esplendor de Verdade e de Amor. Jesus quer que esta luz possa iluminar os seus corações quando atravessarem a escuridão espessa da sua paixão e morte, quando o escândalo da cruz for para eles insuportável. Deus é luz, e Jesus deseja doar aos seus amigos mais íntimos a experiência desta luz, que habita n’Ele. Assim, depois deste acontecimento, será neles luz interior, capaz de os proteger dos assaltos das trevas. Também na noite mais escura, Jesus é a lâmpada que nunca se apaga. Santo Agostinho resume este mistério com uma expressão lindíssima; diz: «Aquilo que o sol que vemos é para os olhos do corpo, o mesmo é [Cristo] para os olhos do coração» (Sermo 78, 2: pl 38, 490.)”¹

Diante de tal visão, Pedro exclama: “Senhor, é bom estarmos aqui!” (Mt 17,4). Sua reação é humana e compreensível: ele quer permanecer naquele lugar de luz, naquela experiência profunda da presença divina. Mas Jesus os convida a descer do monte, a continuar o caminho, pois o Tabor deve culminar no Calvário. A vida cristã não é feita apenas de momentos de consolação espiritual, mas do seguimento cotidiano do Senhor – no serviço, no sacrifício, na fidelidade.

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À transfiguração provocou a profissão de fé de Pedro

Por fim, a grande resposta da pergunta de Jesus, que no episódio anterior à transfiguração provocou a profissão de fé de Pedro, agora é respondida pelo próprio Pai: Este é meu filho amado. Escutai-o! A nós também, hoje, o Pai repete: “Escutai-o!”. Escutar Jesus é mais do que simplesmente ouvir sem que sua voz se torne viva em nós; é acolher sua Palavra como critério de vida, é permitir que Ele nos transforme com sua luz. Há muitos que falam, há muitas vozes no mundo, mas só uma merece ser escutada com o coração: a voz do Filho amado.

Como Pedro, somos chamados a professar a fé com coragem, a subir com Jesus ao monte da oração e da intimidade, a contemplar sua glória, e depois descer, levando no rosto o reflexo dessa luz para o mundo. Escutar o Filho é transformar-se n’Ele, é segui-Lo até a cruz, certos de que ela conduz à ressurreição. Que o Tabor nos ensine a reconhecer a glória escondida no cotidiano e a viver cada dia como discípulos que escutam, creem e anunciam: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!

Fr. Jean Ajluni, OFM.

 

¹Bento XVI. Angelus 4 de março de 2012.