Aspiração à vida religiosa
A Doutora Edith Stein não estava acostumada a fazer “pela metade” o que se propunha. Logo após a sua conversão, que se torna pública pelo seu batismo e crisma, ela pensa em entrar para a vida religiosa. Ela leva a sério o que havia aprendido com a Madre Teresa de Jesus: “Quem a Deus tem, nada falta. Só Deus basta”. Deseja tornar-se carmelita descalça, viver a sua nova vida de modo pleno e radical, em todas as dimensões de seu ser.
A reação negativa de sua mãe, já idosa, e de seus irmãos e irmãs, com relação à sua entrada na Igreja católica, a levou a buscar o conselho de um diretor espiritual. Sua mãe sempre lhe tinha apoiado em tudo, ou quase tudo – não apoiara a sua ida como voluntária da Cruz Vermelha ao Front, durante a Primeira Guerra Mundial, mas quando Edith disse que iria, mesmo sem o seu apoio, a sua mãe concordou. O choro, a fragilidade demonstrada por sua mãe e a sua idade avançada a fizeram repensar o seu impulso inicial em consagrar-se imediatamente a Deus ingressando no Carmelo.. Se esse fosse um chamado verdadeiro, ele se realizaria, mais cedo ou mais tarde, passando pela prova do tempo.
Primeiro diretor espiritual
Edith Stein é aconselhada por seu diretor espiritual, o padre canonista Joseph Schwind, a deixar amadurecer o seu desejo de ingressar na vida religiosa e procurar consolidar a sua fé vivendo no mundo, beneficiando outras pessoas “com sua ciência, sua pedagogia e, sobretudo, com o seu testemunho cristão”1.
O padre Joseph Schwind será interlocutor de Stein, como também seu primeiro diretor espiritual, seguindo-a regularmente até 1927, ano de sua morte. Depois, ela terá como diretor espiritual o abade beneditino Rafael Walzer, que também concorda e que ela “devia colocar seus talentos ao serviço de Deus, engajando-se profissionalmente”2.
Professora em Espira
Esse fato é importante para compreender as atitudes que nossa querida Edith tomou após a sua conversão. Apesar do seu temperamento forte e de sua vontade decidida, ela aceita aprender a ser dócil à vontade de Deus. Ela deixa-se guiar pela Providência Divina que lhe fala principalmente por meio de seu diretor espiritual, mas também no contato e cartas com seus familiares e amigos mais íntimos. Assim, ela escreve para seu amigo, o filósofo fenomenólogo polonês, Roman Ingarden:
“Em torno da Páscoa recebi uma oferta para lecionar em Espira. Dado que minha mãe já superou, de certo modo, a sua antipatia [pelo cristianismo], aceitei imediatamente. Portanto, o que para a minha mãe seria uma dificuldade, para mim era o principal atrativo: trata-se de um antigo e grande monastério de dominicanas, ao qual está vinculada uma grande quantidade de centros docentes, entre eles a Academia católica de professores para o Palatinado.Já me encontro aqui, dou aulas de alemão em quatro cursos, além de história em um curso. Como uma pequena ocupação complementar, logo se organizou um curso de filosofia para as irmãs do Colégio; também, desde um certo tempo, [se organizou] aulas de latim para duas irmãs jovens que devem fazer o bacharelado. Em sua maioria as alunas estão em um internato, onde também eu resido. Meu quarto é muito pequeno, mas em nenhum lugar me senti tão bem. (…) Com exceção de mim, as aulas são ministradas apenas por irmãs, e este é um ambiente ideal. Não existe o menor atrito [entre nós]”. (STEIN, carta a Roman Ingarden, 5.11.1924).
“VERITAS”
O padre Schwind foi quem buscou um posto de trabalho para Edith – que não desejava mais viver às custas da mãe – junto às dominicanas de Santa Madalena de Espira. Na entrada do complexo arquitetônico do convento, com quase sete séculos de existência, estava escrita, com letras bem grandes, a palavra “VERITAS” (do latim “Verdade”), e isso encheu de gozo a filósofa Edith Stein. “Ela, que afirmava desde a sua juventude, que ‘sua sede de verdade era a sua única oração’, havia descoberto Aquele que é a Verdade e se alegra em viver nesse local uma vida de simplicidade, de silêncio, de pobreza e de recolhimento, que não deixará nada a desejar à vida monástica que ela almeja.” (GOLAY, 2009, p.114)3.
No mesmo complexo, se encontrava uma escola católica primária, uma escola superior de moças, uma escola de trabalho para mulheres e, posteriormente, uma escola de comércio e de economia doméstica. Foi nesse ambiente, essencialmente feminino, que Edith Stein começou a desenvolver as suas pesquisas e conferências sobre a mulher e sua vocação específica, compreendida em contraposição com a vocação específica masculina.
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Como professora em Espira, Edith Stein permanece vinculada às suas pesquisas filosóficas, correspondendo-se com seus colegas, corrigindo seus textos, trocando ideias e escrevendo artigos. Seu salário não era alto; mas ela praticamente não o gasta para si. Deleita-se em comprar pequenos mimos e presentes para enviar pelo correio aos seus amigos e amigas, cultivando as suas amizades, que sempre considerou um bem precioso, além de usá-lo para fazer caridade com os mais necessitados, costume que tinha aprendido com a sua mãe.
Ao trabalhar como professora em um convento – e não em uma instituição universitária -, Edith procura tirar o melhor proveito da situação em que se encontrava, mesmo sendo algo que não havia sonhado para si. Enquanto dedicava-se ao trabalho pedagógico, que tanto aprecia, pôde conhecer mais de perto a vida religiosa: participa da missa diária, faz suas longas adorações eucarísticas, segue o tempo litúrgico e outras orações com as irmãs.
Noites inteiras em adoração
Algumas de suas alunas, que chegavam mais cedo na escola, muitas vezes a encontraram na Capela rezando e relataram que sabiam que a professora tinha passado a noite inteira em adoração. Depois, ela se dirigia para o seu quarto, se arrumava, tomava café e ia para a sala de aula, como se tivesse dormido a noite inteira. Ela é vista como modelo de mulher cristã para muitas de suas alunas, inclusive, para as suas colegas religiosas.
Docilmente, Edith vai se deixando transformar, permitindo que a voz do seu Salvador penetre cada vez mais profundamente em sua alma, curando suas feridas e preenchendo o seu vazio existencial. Um fato demonstra bem essa mudança de atitude: quando ela pede para ter acesso ao claustro das irmãs, e isso lhe é recusado, “sua fé não perde a força por causa disso, mas lhe serve para colocá-la à prova e fortalecê-la” (ROJO, 2016, p. 185).
A mesma mulher rebelde, que pede para deixar de ser assistente de seu mestre, o grande fenomenólogo Edmund Husserl, por intuir que ele não lhe dava tempo e liberdade para trabalhar em suas próprias pesquisas, decide obedecer às irmãs dominicanos, para ser agradável a Deus e, deixando-se conduzida pelos acontecimentos bons e ruins de sua vida, descobrir qual é a sua vocação, o que o seu Salvador espera dela, o que a fará mais realizada e feliz.
Pensadora cristã e conferencista
De 13 de abril de 1923 a 23 de março de 1931, Edith Stein permanece em Espira. Nesse tempo de quase dez anos como professora, ela utiliza o seu tempo livre para estudar os filósofos e teólogos cristãos, ampliando o seu conhecimento nesse campo, que tornara-se o seu principal referencial de vida. Ela começa a elaborar e solidificar os fundamentos antropológicos, teológicos e metafísicos de seu pensamento maduro, colocando em diálogo a filosofia moderna em sua corrente fenomenológica com o pensamento aristotélico-tomista (metafísica cristã).
No tempo em que permanece em Espira, a Doutora Edith Stein começa a ser chamada para dar conferências sobre a formação dos jovens e dos professores – na Alemanha e em outros países de língua alemã. O seu grande objetivo é o de influenciar o meio em que vive , para que se fizesse reformas que possibilitariam às mulheres receberem uma formação integral, semelhante à oferecida aos homens. Por exemplo, as meninas não tinham classes de matemática e ciências em suas escolas,como os meninos, pois acreditava-se que a mulher não possuía a mesma capacidade de abstração que o homem.
Ser humano concreto
Stein, fundamentando-se na compreensão da constituição geral do ser humano, que havia aprendido de Husserl e aprofundado em sua tese doutoral sobre a empatia, procura formar professores que entendam que a mulher e o homem possuem uma mesma estrutura geral – corpo vivenciado, psique e espírito -, apesar de a “preencherem” de modo diverso: um modo preponderantemente feminino ou preponderantemente masculino. Mas, o que realmente conta é o ser humano concreto, o indivíduo com suas características próprias, que precisam ser compreendidas, respeitadas e trabalhadas por ele próprio e pelo educador, a fim de que compreenda e realize a sua vocação específica.
Não se deve pensar a relação entre homem e mulher como dominação e submissão, pois independentemente de quem domina, ambos sairão perdendo. E isso não vale apenas na relação entre esposos, mas também nas relações de trabalho, amizade etc. É no confronto de diálogo e amor entre homem e mulher que pode-se dar a harmonização e o equilíbrio da natureza humana.
Referências:
1 ROJO, Ezequiel García. Sé para qué vivo. Biografía interior de Edith Stein. Espanha, Burgos: Grupo Editorial Fonte, 2016, p. 182.
2 HERBSTRITH, WALTRAUD. Edith Stein – A loucura da Cruz. Trad. Manuel Ordónez Villarroel, OCD. Éditions du Signe, Ordem dos Irmãos Descalços da B.V.M. do Monte Carmelo. São Paulo, Brasil, p.19.
3 GOLAY, Didier-Marie, o.c.d. Devant Dieu pour tous. Vie et message de Edith Stein. Paris : Les Éditions du Cerf, 2009.