Há pessoas cuja vida se impõe pela força dos acontecimentos. Outras, pelo brilho das suas ideias. E há aquelas que nos tocam porque, no fundo, são próximas. Como se partilhassem conosco as mesmas perguntas, o mesmo cansaço, a mesma sede. Edith Stein é uma dessas pessoas. Viveu intensamente, questionou e pensou profundamente, e sofreu até ao fim. Mas não é por isso que nos fascina. É por ter deixado que tudo isso fosse habitado por Deus, e por nos mostrar que a fé não nasce da facilidade, mas de um encontro profundo e transformador.

Créditos: Cologne Carmel Archives.
Antes de ser santa, antes de ser mártir, antes sequer de acreditar em Jesus Cristo, Edith procurava. Tinha um olhar atento, um coração inquieto e uma mente exigente. Não se contentava com respostas fáceis. E talvez seja aí que nos encontramos com ela: nesse desejo de que a vida tenha mais sentido do que aquilo que os olhos veem.
A busca
Era ainda adolescente quando deixou de rezar. Não por revolta para com as tradições do seu povo, mas porque já não encontrava ali o que procurava. A oração parecia-lhe algo vazio. Continuou a viver, a estudar, a crescer, mas com um silêncio dentro. Um vazio que não era indiferença, mas espera por algo mais.
Talvez tenha sido essa espera que a levou à filosofia. Quis compreender o ser humano. Saber de onde vimos, o que sentimos, como pensamos. Mergulhou na investigação filosófica com rigor e paixão. Estudou a empatia, o sofrimento, a consciência. Queria chegar ao centro mais íntimo da pessoa. E, sem saber, aventurava-se já no território onde a alma se abre a Deus.
Mas por detrás de cada página havia algo mais: uma sede de verdade. Não uma verdade teórica, mas uma verdade que desse sentido e respondesse ao que não se pode calar.
Numa noite tranquila, em casa de uns amigos, pegou no livro da Vida de Santa Teresa de Jesus. Começou a ler sem grandes expectativas. E ao terminar, não precisou de mais nada. Sabia o que tinha encontrado: a Verdade. A verdade não lhe apareceu como uma ideia. Com Teresa descobriu, e experimentou, que a Verdade é uma pessoa: Cristo. E ali, na quietude daquele instante, começou um outro caminho.
Edith não se converteu por cansaço, nem por tradição. Foi o gesto livre de quem reconhece o lugar onde sempre pertenceu. Percebeu que Deus não é o contrário da razão. É, antes, o seu horizonte. E que a fé não apaga as perguntas, mas leva-as até onde elas já não bastam.
A cruz
Anos mais tarde, quando Edith pediu para entrar no Carmelo, não o fez por romantismo nem porque queria fugir do mundo. Vivia, já há algum tempo, como cristã, tinha sido batizada, estudava, escrevia, dava conferências… Era uma mulher adulta, profundamente marcada pela história que a cercava. A sombra da guerra aproximava-se cada vez mais. Os judeus, o seu povo, começavam a ser perseguidos. E ela sentia que não podia ficar à margem, não podia ser indiferente ao que aí vinha.
No momento de escolher o nome religioso, pediu que fosse Teresa Benedita da Cruz. Não se tratava de uma devoção sentimental. Era uma escolha livre e consciente. A cruz não era para ela um símbolo vago. Era um lugar. Um lugar onde o amor se oferece sem reservas. Onde a dor, longe de ser inútil, se torna fecunda. Onde Deus não se ausenta do mundo e da história da humanidade, mas se revela.
Edith não queria escapar do sofrimento. Queria estar onde Cristo estivesse. E se Cristo carregava a cruz do seu povo, então ela também a queria carregar. Por eles. Com Ele.
No silêncio do Carmelo, rezava pelos que não podiam rezar. Oferecia os seus dias por quem já não via sentido nos próprios dias. Sabia que a oração, mesmo escondida, transforma o mundo. E mesmo quando a ameaça se tornou real, mesmo quando o perigo passou a ser certo, não recuou. Continuou ali, fiel. Como uma vela acesa no meio da noite. Na sua oração escondida, fazia-se ponte entre Deus e o mundo, como alguém que escuta a dor dos outros no silêncio do próprio coração.
A cruz, para Edith, não foi um peso a suportar. Foi um mistério a habitar com liberdade. Era o lugar onde o amor vence sem fazer alarido. Um lugar de comunhão com o seu povo. Uma resposta de amor ao absurdo da guerra e da perseguição racial.
É difícil entender isso com os olhos do mundo, pois este mede tudo em termos de sucesso e visibilidade. Mas ela sabia que há frutos que só nascem da fidelidade. Sabia que a cruz, unida à de Cristo, não destrói, antes purifica e transfigura. E quando é levada com amor, pode tornar-se caminho para outros.
A entrega
A vida no Carmelo não apagou a paixão de Edith pelo pensamento. Pelo contrário, deu-lhe um novo centro. Continuava a escrever, traduzia obras místicas, refletia sobre a cruz, a mulher, a pessoa humana… Mas, agora, tudo isso brotava de uma oração mais intensa. Já não era apenas uma busca. Era uma escuta. Uma escuta feita de silêncio, de tempo, de presença junto da Verdade.
Na comunidade, era uma irmã como as outras. Lavava o chão, cozinhava, acolhia as tarefas simples com a mesma atenção com que antes tratava argumentos filosóficos. Continuava a pensar com profundidade, mas, agora, com os pés bem assentes na vida quotidiana e rotineira. Era outra a qualidade da sua presença. A fé não lhe tirou nada. Deu forma a tudo.
Em 1942, a ordem chegou. Teria de abandonar o Carmelo de Echt, na Holanda, onde vivia em exílio discreto. Os nazis tinham invadido o país. Ela sabia o que aquilo significava. E partiu com a irmã Rosa, também convertida, também disposta. Levaram-nas para Auschwitz.
Dizem que, no campo de concentração, ajudava como podia. Que oferecia o seu pão. Que abraçava os que choravam. Que continuava a orar, só ou acompanhada. Que era calma, serena, firme. Morreu no meio de muitos, sem distinção, como mais uma. Mas quem olhava com olhos de fé via que ali havia mais. Que havia uma vida oferecida até ao fim.
Nada ficou de fora. Nem a inteligência, nem a ternura, nem a dor. Tudo foi entregue. Não porque gostasse de sofrer, mas porque sabia em Quem confiava. E porque acreditava que, mesmo na noite mais escura, Deus está presente. Não como ideia, mas como amor silencioso.
Edith partiu sem resistir, mas com liberdade. Morreu como quem já se entregou por inteiro; vítima do absurdo do genocídio e, no caso dela, do ódio à fé cristã, com o coração cheio da luz que nunca se apaga.
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No silêncio, uma palavra
A vida de Edith Stein não nos pede imitação. Pede escuta. Não exige que sigamos os seus passos tal e qual, mas convida-nos a parar um momento e olhar para o nosso interior. O que procuramos? Em quem confiamos? O que estamos dispostos a entregar?
Edith não foi uma mulher perfeita. Mas procurou a verdade com honestidade, acreditou mesmo quando tudo era obscuro e amou com liberdade e sem reservas. Não se dividiu entre o pensamento e a oração, entre o mundo e o Carmelo, entre o medo e a entrega. Viveu ciente de a Quem pertencia.
E talvez seja isso que Deus mais deseja de nós: não vidas impecáveis, mas vidas inteiramente entregues. Edith caminhou confiante e dando-se até ao fim. No seu silêncio, ficou uma palavra viva que alimenta a nossa esperança: Deus é digno de confiança, mesmo quando tudo parece perdido.
Padre João Carlos Vieira, OCD