Razão e religião

Um dos equívocos mais arraigados, no senso comum moderno, é ver a religião como algo fundado em fatores exclusivamente subjetivos, sem nenhuma relevância intelectual. Assim, ela seria reduzida a crenças sem fundamentos ou a um mero sentimento interior, confinando-se, portanto, ao domínio do irracional. Na religião, não haveria o que se pensar, aprender ou saber. É preciso que se diga, no entanto, que tal concepção equivocada tem suas causas históricas e sociais, e que também é própria não apenas de seus inimigos, mas também de pessoas que se consideram sinceramente religiosas, no entanto, acreditam que a religiosidade é isso mesmo: uma fuga da realidade para um mundo de fantasia, uma exaltação do sentimentalismo em detrimento da racionalidade.

Efetivamente, se a religião tem alguma coisa a ver com a verdade, ela não pode se reduzir ao sentimento nem à fantasia. De fato, a fantasia não tem ligação com a verdade, pois esta também não se sente, mas se entende. A autencidade é objeto de compreensão, não de sentimento nem de imaginação. E o Cristo ensinou que a experiência religiosa é uma prática da verdade: «Conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres» (Jo 8,32).


Assista: “Fé e razão”, com professor Felipe Aquino

 


O Cristianismo é a religião do Logos: «No princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus» (Jo 1,1). Assim consta no original grego do Evangelho segundo São João. “Logos” se traduz por verbo, mas também por razão. O Cristianismo é a religião da razão divina e universal.

O equívoco do qual falamos, que reduz a religião ao domínio do irracional, é resultado de dois outros erros: o primeiro é o que faz a religião depender apenas da fé, de modo que não haveria verdades religiosas naturalmente acessíveis à razão humana; o segundo é o que confunde a fé com mera crença. Dessa maneira, para demolir esses erros, será necessário: (1) mostrar que existem verdades religiosas naturalmente acessíveis ao conhecimento humano; e (2) expor o conceito da autêntica fé católica, como virtude teologal, de maneira que esta se distingua da mera crença.

A discussão desses dois pontos, que acima indicamos, envolve mais conteúdo e demanda, muito mais espaço do que podem comportar os limites de um só artigo. Talvez sejam necessários vários artigos para que possamos deixar clara a matéria. De qualquer maneira, pretendemos desenvolver o tema nos próximos artigos a serem publicados, começando pelo segundo dos pontos indicados. Assim tencionamos, em nossa próxima comunicação, começar a exposição do conceito de fé como virtude teologal, mostrando como ela se distingue de uma mera crença.

Nesse intento, buscamos nos inspirar nas palavras com que o Papa bem-aventurado João Paulo II abriu sua Encíclica Fides et Ratio: «A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade».