Embora toda divina Escritura exale a graça de Deus, o mais suave é o Livro dos salmos.
Moisés, que escreveu os feitos dos patriarcas em simples prosa, quando fez passar através do Mar Vermelho o povo dos pais para imperecível admiração, vendo afogados o faraó e seus exércitos, sentiu inflamar-se seu engenho, pois conseguira portentos acima de suas forças, e elevou triunfal cântico ao Senhor. Maria, também, tomou o pandeiro e assim exortava as outras, entoando: Cantemos ao Senhor, que se cobriu de glória e de honra; lançou ao mar cavalo e cavaleiro.
A história instrui, a lei ensina, a profecia anuncia, a correção castiga, a moral persuade. Ora, no livro dos salmos há proveito para todos e remédios para a salvação do homem. Quem o lê tem remédio especial para as chagas das paixões. Quem quiser lutar como em ginásio de almas e estádios de virtudes, onde estão preparados diversos gêneros de luta, escolha para si aquele que julga mais adequado para mais facilmente alcançar a coroa.
Se alguém quiser recordar e imitar os feitos gloriosos dos antepassados, encontrará compendiada num salmo toda a história de nossos pais, podendo assim enriquecer o tesouro da memória numa breve leitura. Se alguém perscruta a força da lei que está no vínculo da caridade (quem ama o próximo cumpriu a lei), leia então, nos salmos, com quanto amor um só se expôs aos mais graves perigos para repelir o opróbrio de todo o povo. Donde se reconhece não ser a glória da caridade menor do que o triunfo da virtude.
Que direi sobre o dom da profecia? Aquilo que outros anunciaram por enigmas, só a este aparece clara e abertamente a promessa de que o Senhor nasceria de sua linguagem, conforme lhe falou: Porei sobre teu trono o fruto de tuas entranhas. Por conseguinte, não apenas nasce Jesus para nós, mas ainda aceita a salvífica paixão de seu corpo, adormece, ressurge, sobe aos céus, assenta-se à direita do Pai. O que homem algum ousaria dizer, só esse profeta anunciou e depois o próprio Senhor o manifestou no seu Evangelho.