Parece-me pelo menos estranho que se fale em plebiscito para que a morte violenta de um ser humano, inocente e indefeso, deixe de ser classificada como crime. E, também, que se advogue uma legislação que permita o aborto em determinadas circunstâncias ou a critério da mãe, por ela ser livre para dispor de seu corpo. Negam à Igreja o dever de opinar contrariamente à liberalização de práticas abortivas, considerando que o Brasil é um estado laico.
Aos católicos recordo as diretrizes do Concílio Vaticano II sobre o assunto: “Os fiéis aprendam a distinguir entre os direitos e deveres que lhes incumbem enquanto agregados à Igreja e os que lhes competem enquanto membros da sociedade humana (…). Em qualquer situação temporal devem conduzir-se pela consciência cristã, uma vez que nenhuma atividade humana, nem mesmo nas coisas temporais, pode ser subtraída ao domínio de Deus (…). Deve ser rejeitada aquela doutrina que tenta construir uma sociedade prescindindo totalmente da religião e ataca e destrói a liberdade religiosa dos cidadãos” (“Lumen Gentium”, nº 36).
Há ardorosos opositores dessa causa. Quero crer que alguns o façam em boa fé. Todavia, no documento “Apostolicam Actuositatem” o Concílio Vaticano II é peremptório: “O leigo que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se em ambas as ordens por uma única consciência cristã” (nº 5). E recordo que não é católico quem apenas assim se declara, mas somente aquele procura sinceramente ser fiel à doutrina do Senhor Jesus, transmitida pelo Magistério.
A 9 de dezembro de 2006, o Papa Bento XVI, falando aos participantes do 56º Congresso Nacional de Estudo promovido pela União dos Juristas Católicos Italianos sobre “laicidade e laicidades”, assim se expressou: “Não há uma única laicidade, mas várias laicidades, ou melhor, existem múltiplas formas de compreender e de viver a laicidade (…). Na realidade, hoje a laicidade é geralmente entendida como exclusão da religião dos vários contextos da sociedade”. E acrescenta: “Não é um sinal de laicidade sadia a rejeição à comunidade cristã e àqueles que legitimamente a representam. Cabe a eles o direito de se pronunciar a respeito dos problemas morais que hoje interpelam a consciência de todos os seres humanos, de maneira particular dos legisladores e dos juristas. Efetivamente, não se trata de uma ingerência indevida por parte da Igreja na atividade legislativa, própria e exclusiva do Estado, mas sim da afirmação e da defesa dos grandes valores que dão sentido à vida da pessoa e salvaguardam a sua dignidade. Antes de ser cristãos, estes valores são humanos e, por isso, não podem deixar indiferente e silenciosa a Igreja, que tem o dever de proclamar com firmeza a verdade sobre o homem e o seu destino”.
O Papa Bento XVI terminou seu discurso afirmando que, havendo em nossa época alguns que procuram excluir Deus de todos os âmbitos da vida, compete a nós cristãos mostrar que, ao contrário, Ele deseja o bem e a felicidade de todos os homens e, por fim, fazer compreender que a lei moral que Ele nos deu e, que se manifesta através da voz da consciência, tem a finalidade não de nos oprimir, mas nos libertar do mal e de nos fazer felizes.
Anteriormente, a 23 de setembro de 2005, ao receber as cartas credenciais do novo embaixador do México junto a Santa Sé, assim se expressou: “Face ao laicismo crescente, que pretende reduzir a vida religiosa dos cidadãos ao âmbito privado (…) a Igreja sabe muito bem que a mensagem cristã fortalece e ilumina os princípios básicos de toda a convivência, como o dom sagrado da vida (…) e o valor irrenunciável do matrimônio e da família, que não se pode equiparar nem confundir com outras formas de uniões humanas”.
O Estado laico assegura o livre exercício do culto, as atividades espirituais, culturais e caritativas dos crentes, pois “laicidade não é laicismo”, na expressão do Papa João Paulo II.
Essas considerações são particularmente úteis no momento presente, quando diversos assuntos referentes à vida, de modo particular o aborto, são objeto do exercício do Poder Legislativo. O Catecismo da Igreja Católica assim se expressa: “A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta e a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ter reconhecido os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de tudo inerente à vida (…). Desde o primeiro século a Igreja afirmou a maldade moral do aborto provocado. A cooperação formal para realizá-lo constitui uma falta grave. A Igreja sanciona com a pena canônica de excomunhão este delito contra a vida humana. Quem provoca o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão ‘latae sententiae’ pelo próprio fato de cometer o delito e nas condições previstas pelo Direito” (nº 2270ss).
Merece ser recordado o ensinamento do Papa João XXIII na Encíclica “Pacem in Terris”: “A autoridade é exigência da ordem moral e promana de Deus. Por isso, se os governantes legislarem ou prescreverem algo contra essa ordem e, portanto, contra a vontade de Deus, essas leis e essas prescrições não podem obrigar a consciência dos cidadãos”.
Sei que o mundo moderno está invadido por correntes de pensamento contrárias aos ensinamentos de Jesus Cristo. Seus autores dispõem de grande influência junto à mídia. Respeito os que divergem da Igreja, mas estou convicto de que a verdade está com ela, e, também que não sou indiferente ao sofrimento das mães que suprimem a vida por elas concebidas.
Termino com um trecho da Encíclica “Evangelium Vitae”, de João Paulo II: “Afirmo, uma vez mais, que uma norma que viola o direito natural de um inocente à vida é injusta e, como tal, não pode ter valor de lei. Por isso, renovo o meu veemente apelo a todos os políticos para não promulgarem leis que, ao menosprezarem a dignidade da pessoa, minam pela raiz a própria convivência social” (nº 90).