REALIZAÇÃO E FELICIDADE

Escolher Deus

É justamente a serviço do Reino de Deus que nos colocamos como cristãos

“Grandes multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele lhes disse: ‘Se alguém vem a mim, mas não me prefere a seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs, e até à sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha após mim, não pode ser meu discípulo… Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!'” (Lc 14,25-27.33).

Não só alguns privilegiados ou mais corajosos e até heróis, todos serão postos diante da escolha a ser feita como resposta de amor a quem nos escolheu, concedeu-nos o presente da vida, da liberdade e do caminho de realização e felicidade. Mas é possível passar a vida inteira nesta terra sem fazer esta opção fundamental da existência, escolhendo migalhas, quando fomos feitos para a plenitude de Deus e com Deus, que não exclui a convivência com as outras pessoas e o valor a ser atribuído a tudo o que Ele fez. Afinal, Ele viu que tudo era bom!

Quando não se faz essa escolha, a vida parece uma construção mal planejada e realizada. “De fato, se algum de vós quer construir uma torre, não se senta primeiro para calcular os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, ele vai pôr o alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a zombar: ‘Este homem começou a construir e não foi capaz de acabar!'” (Lc 14,28-30). As frustrações não são necessariamente resultados das eventuais falhas no processo de edificação da existência, mas da falta de clareza nos objetivos a serem alcançados. A zombaria pode vir de dentro ou de fora! É que a nota baixa dada pela própria pessoa costuma tornar-se um espectro que acompanha anos e anos de uma vida.

A “batalha” da vida pode ainda ser semelhante a “um rei que sai à guerra contra outro. Ele não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil? Se ele vê que não pode, envia uma delegação, enquanto o outro ainda está longe, para negociar as condições de paz”. Jesus entende de vida e propõe pequenas parábolas cuja atualidade atravessa os séculos. Escolher Deus como tudo da existência é condição indispensável. Quem não o faz, escolhe os afetos passageiros, apega-se a pessoas, cargos, dinheiro, posição social, cria apenas grupelhos de apoio aos próprios caprichos. Qualquer crítica ou incompreensão, ou quem sabe as dificuldades profissionais, tudo derruba o que milita na vida apenas por si mesmo.

Vem também de Nosso Senhor uma comparação oportuna: “O sal é bom. Mas se até o sal perder o sabor, com que se há de salgar? Não serve nem para a terra, nem para o esterco, mas só para ser jogado fora. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Lc 14,35). Volta-se para nós, cristãos, a exigente Palavra de Jesus! Ou somos aquilo que corresponde à nossa vocação ou então não serviremos para nada, nem para adubo! Que a pequena parábola nos ponha numa crise fecunda, para que não falte ao mundo a presença de quem foi chamado a ser sal, luz e fermento do Reino de Deus.

Se acontecer esta escolha de Deus, os afetos valerão sim, porém, a meta e o coração serão castos, sem resquícios de antipatia ou simpatia. O esposo ou a esposa serão respeitados em seu mistério, pois ninguém é feito para ser propriedade de outra pessoa. A edificação da existência levará em conta as outras pessoas, mais ainda, levará a buscar o bem dos outros. Se Deus é amado acima de todas as coisas, estas terão sua importância, sem exageros! Os bens materiais serão buscados e, ao mesmo tempo, compartilhados. Quem fizer a opção por Deus não temerá os desafios, as crises ou perseguições. Sabendo o que escolheu, a pessoa assim amadurecida terá a necessária serenidade para buscar novos caminhos, procurará orientação e apoio em quem pode ouvir, aconselhar e acompanhar. Esta é uma forma para entender os chamados “conselhos evangélicos” da castidade, pobreza e obediência, proclamados por Jesus para todos os Seus discípulos.

Certamente, as propostas aqui oferecidas perecerão utópicas para muitas pessoas, mas é justamente a serviço do Reino de Deus que nos colocamos como cristãos. Quem tiver a coragem de refazer, à luz do Evangelho, suas opções de vida, experimentará que um mundo diferente e novo é possível. Só que precisa começar aqui, dentro do mais íntimo do coração e das escolhas de cada homem e cada mulher, discípulos de Jesus Cristo, que aguarda a todos como missionários do Reino de Deus.

 


Dom Alberto Taveira Corrêa

Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.