O documento reconhece que o atual mundo da comunicação “oferece enorme possibilidade e representa um dos grandes desafios da Igreja” (n.59), que as “novas tecnologias digitais deram origem a um verdadeiro e próprio espaço social, cujos laços são capazes de influir sobre a sociedade e sobre a cultura” (n.60) e que “da influência que eles exercem depende da percepção de nós mesmos, dos outros e do mundo” (n.60).
Desta forma, emerge claramente à consciência que nos encontramos diante de uma cultura – as recentes interversões do Magistério Pontifício falam de uma “cultura digital” – tendo como origem as novas tecnologias comunicativas e que estas sejam um grande desafio para a comunidade eclesial.
Mesmo porque durante os trabalhos da próxima Assembléia Geral Ordinária do Sinodos, coincide com o 50° aniversário de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, isto me parece não só interessante, mas também uma oportunidade de retornar, antes de tudo, ao documento fundante da reflexão eclesial sobre os instrumentos de comunicação social, direi o Decreto Conciliar “Inter Mirifica”, aprovado em 4 de dezembro de 1963.
Os padres conciliares, levando em consideração que se tratava das “maravilhosas invenções técnicas”, que “dizem respeito, principalmente, ao espírito humano e que abriram novos caminhos para comunicar facilmente notícias, ideias e ordens” (n.1), também são amplamente conscientes de que tem muita ressonância com os “instrumentos que, por sua natureza podem movimentar não somente uma pessoa, mas também às multidões e a toda a sociedade humana” (n.1) e “que contribuem eficazmente para unir e cultivar os espíritos e propagar e afirmar o reino de Deus” (n.2).
Nesta perspectiva, o Decreto afirma que a Igreja “considera parte da sua missão servir-se dos instrumentos de comunicação social para pregar aos homens a mensagem de salvação e ensinar-lhes o uso recto destes meios” (n.3)
Esta visão das mídias como “instrumentos” prevalecerá nos anos seguintes do Magistério, ou seja, a Instrução Pastoral sobre as Comunicações Socias “Communio et Progressio”, publicada pela Pontifícia Comissão para as Comunicações Sociais, em 23 março 1971, e a Instrução Pastoral “Aetatis Novae” publicada pelo Pontifício Conselho das Comunicações Sociais – este é o seu novo nome – em 22 de fevereiro de 1992, e as várias intervenções do Papa Paulo VI.
Seria suficiente recordar, a este propósito, uma significativa passagem da exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi” onde o Papa Paulo VI, referindo-se aos meios de comunicação sociais, afirma que “Postos ao serviço do Evangelho, tais meios são susceptíveis de ampliar, quase até ao infinito, o campo para poder ser ouvida a Palavra de Deus e fazem com que a Boa Nova chegue a milhões de pessoas” (n.45). A questão é tão séria e fundamental para a comunidade dos discípulos do Senhor que o Papa não tem nenhuma dificuldade de reconhecer que: “A Igreja viria a sentir-se culpável diante do seu Senhor, se ela não lançasse mão destes meios potentes que a inteligência humana torna cada dia mais aperfeiçoados. É servindo-se deles que ela “proclama sobre os telhados”, a mensagem de que é depositária. Neles encontra uma versão moderna e eficaz do púlpito” (n.45).
Grande parte do mundo comunicativo mudará radicalmente com o descobrimento e a ampla difusão das novas tecnologias que, como ressaltam os estudiosos, não serão mais vistos como simples instrumentos, mas transformados em verdadeiros e próprios ambiente de vida.
Somente os dois últimos Sumos Pontífices – o Beato João Paulo II e Bento XVI – , a colocar na luz estes acontecimentos no campo da comunicação e perceberem, com lucidez pastoral, os consequentes desafios e oportunidades para a ação evangelizadora da Igreja.
O Beato João Paulo II, na Carta Apostólica “O rápido desenvolvimento”, (2005) relevou com clareza que: “os meios de comunicação social alcançaram tal importância que se tornaram para muitos o principal instrumento de guia e de inspiração para os comportamentos individuais, familiares e sociais. Trata-se de um problema complexo, visto que esta cultura nasce, ainda antes do que dos conteúdos, do próprio facto que existem novos modos de comunicar com técnicas e linguagens inéditas” (n.3).
Portanto, “A Igreja (…) não está chamada unicamente a usar os mass media para difundir o Evangelho mas, hoje como nunca, está chamada também a integrar a mensagem salvífica na “nova cultura” que os potentes instrumentos da comunicação criam e amplificam. Ela sente que o uso das técnicas e das tecnologias da comunicação contemporânea é parte integrante da sua missão no terceiro milênio” (ibidem, n.2).
Sobre a mesma linha se coloca o Magistério do Papa Bento XVI quando, na Mensagem para a 43° Dia Mundial das Comunicações Sociais (2009), escreve: “Senti-vos comprometidos a introduzir na cultura deste novo ambiente comunicador e informativo os valores sobre os quais assenta a vossa vida!” e, referindo-se ao delicado tema da relação entre evangelização e novas linguagens, acrescentou: “Nos primeiros tempos da Igreja, os Apóstolos e os seus discípulos levaram a Boa Nova de Jesus ao mundo greco-romano: como então a evangelização, para ser frutuosa, requereu uma atenta compreensão da cultura e dos costumes daqueles povos pagãos com o intuito de tocar as suas mentes e corações, assim agora o anúncio de Cristo no mundo das novas tecnologias supõe um conhecimento profundo das mesmas para se chegar a uma sua conveniente utilização”.
Estes textos do Magistério, acima citados, ajudam a compreender que a missão evangelizadora da Igreja não pode encontrar a sua plena realização somente na capacidade tecnológica-comunicativa, mesmo a mais moderna e sofisticada. Já o Papa Paulo VI recordava a todos nós que “para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização” (EN, n.41).
Todavia, sempre Paulo VI frisava, ao mesmo tempo, que “este problema do “como evangelizar” apresenta-se sempre atual, porque as maneiras de o fazer variam em conformidade com as diversas circunstâncias de tempo, de lugar e de cultura, e lançam, por isso mesmo, um desafio em certo modo à nossa capacidade de descobrir e de adaptar. A nós especialmente, Pastores da Igreja, incumbe o cuidado de remodelar com ousadia e com prudência e numa fidelidade total ao seu conteúdo, os processos, tornando-os o mais possível adaptados e eficazes, para comunicar a mensagem evangélica aos homens do nosso tempo” (EN. n.40)
Acredito que também hoje, sejam necessários audácia e sabedoria no nosso ministério pastoral para encontrar outras vias e capacidades de usar novas linguagens para evangelizar, em um contexto onde o homem é sobrecarregado de mensagens ou de não poucas respostas às perguntas que antes não eram nem mesmo mencionadas. A tensão na busca da verdade, que constitui a mais autêntica dimensão da dignidade do homem, também deve ter espaço em uma multiplicidade de informações que assaltam o homem odierno no seu caminho existencial.
Se trata também da busca, muitas vezes sofrida, de Deus e como dizia o Papa Bento XVI: “Como primeiro passo da evangelização devemos procurar ter uma tal busca; devemos preocuparmo-nos de que o homem não deixe de lado a pergunta sobre Deus, mas a tenha como questão essencial da sua existência. Ter a preocupação que eles aceitem tal interrogação e a saudade que nela se oculta” (Discurso dirigido à Cúria Roma, 21/12/2009).
Me parece que, em maneira quanto mais apropriada, o “Lineamenta” afirme a este respeito: “As comunidades cristãs puderam, pois, aprender que hoje a missão não é mais um movimento Norte-Sul ou Oeste-Este, porque é preciso desvincular-se dos limites geográficos. (…) Desvincular-se dos limites geográficos significa ter a capacidade para colocar a questão de Deus em todos aqueles processos de encontro, mistura, reconstrução das relações sociais que estão em curso por toda a parte” (n.70).
Neste campo joga-se um papel particular das novas tecnologias comunicativas que, como dizia acima, dão origem a uma verdadeira e própria cultura digital, favorecendo também a configuração de uma sociedade caracterizada pelo fenômeno da globalização.
Uma vez que a fé prevê um encontro pessoal com Jesus Cristo, a ação evangelizadora deverá prestar uma atenção especial à concreta e singular situação do destinatário do anúncio, respeitando o absoluto primado da relação com a pessoa. Neste contexto, acredito que seja de dever recordar a importância das várias linguagens com as quais somos chamados a anunciar o Evangelho ao homem de hoje, na sua dolorosa consciência que, pouco a pouco, as futuras gerações – particularmente no continente europeu – crescerão sem conhecer os conteúdos fundamentais do anúncio evangélico e a mesma simbologia cristã.
Qual linguagem usar para que Jesus Cristo seja anunciado ao homem de hoje e possa assim interpelar o coração de cada ser humano? Penso que esta seja um dos desafios mais importantes e urgentes para a missão salvadora da Igreja no mundo contemporâneo. Carácter eminentemente interpessoal da evangelização, e testemunho em todos os sentidos, parecem a primeira vista dois aspectos em contraste com as características do mundo comunicativo de hoje e a fundamental missão da Igreja. A dimensão digital parece mal relacionar-se com a exigência de algo concreto ligado ao caminho de evangelização, e ao mesmo tempo se pode dizer, da perspectiva globalizante quase impessoal da rede que parece estar em estridente oposição com as necessárias dimensões pessoais – falemos de espírito, de coração – do relacionamento do ser humano com Deus em Jesus Cristo.
Não nego que existe de fato certas posições suspeitosas e críticas no confronto das novas tecnologias – o Lineamenta menciona certos limites no artigo 62 – mas é verdade que isso fez com que crescesse ainda mais as capacidades de conhecimento e relação do homem e as redes sociais que são o ambiente existencial de centenas de milhões de pessoas, conectadas em rede.
Que grande oportunidade e desafio para a comunidade de fiéis em Cristo, que têm nas suas mãos a palavra da vida!
Por este motivo é urgente o convite que o Papa Bento XVI dirigiu em 2010 através da Mensagem para a Jornada Mundial das Comunicações Sociais: “O desenvolvimento das novas tecnologias e, na sua dimensão global, todo o mundo digital representam um grande recurso, tanto para a humanidade no seu todo como para o homem na singularidade do seu ser, e um estímulo para o confronto e o diálogo. Mas aquelas apresentam-se igualmente como uma grande oportunidade para os crentes. De facto nenhum caminho pode, nem deve, ser vedado a quem, em nome de Cristo ressuscitado, se empenha em tornar-se cada vez mais solidário com o homem. Por conseguinte e antes de mais nada, os novos media oferecem aos presbíteros perspectivas sempre novas e, pastoralmente, ilimitadas, que os solicitam a valorizar a dimensão universal da Igreja para uma comunhão ampla e concreta”.
Acredito que o Papa seja plenamente consciente dos limites das novas tecnologias e de certa influência negativa que esta pode exercitar especialmente sobre o mundo juvenil, mas mesmo assim, não o teme, ao contrário, convida a Igreja “a exercer uma «diaconia da cultura» no atual «continente digital». (…) Com o Evangelho nas mãos e no coração, é preciso reafirmar que é tempo também de continuar a preparar caminhos que conduzam à Palavra de Deus, não descurando uma atenção particular por quem se encontra em condição de busca, mas antes procurando mantê-la desperta como primeiro passo para a evangelização”.
E a reflexão pontifícia prevê a criação de uma “pastoral no mundo digital”, chamada a “incluir também aqueles que não creem, se encontram sem esperança e tem no coração o desejo do absoluto e da verdade duradouro, do momento que os novos meios consentem de entrar em contato com os seguidores de cada religião, com os não crentes e pessoas de cada cultura”. (Mensagem para o XLIV Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2010).
Prosseguindo nesta linha o Papa se pergunta – usando uma imagem audaciosa mas significativa – se a web não possa abrir espaço – como o átrio dos gentios, do Templo de Jerusalém – também àqueles para os quais Deus é ainda um desconhecido. (Cfr. Mensagem para a XLIV Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2010).
Os textos do Magistério papal acima retomados são palavras pastoralmente iluminadas que podem ajudar, à vigília dos trabalhos do próximo Sínodo, a refletir com “audácia e sabedoria”, sobre o grande desafio que as novas tecnologias comunicativas colocam no caminho da evangelização, percebendo também as grandes oportunidades.