Dom Walmor

Opiniões equivocadas ameaçam a liberdade

As muitas ameaças à liberdade e à cidadania que ocorrem pelo mundo, em razão de opiniões equivocadamente elaboradas
Há uma palavra magistral de Jesus, no Templo de Jerusalém, dirigida aos Judeus que acreditaram nele, conforme narra São João no seu Evangelho: “Se permanecerdes em minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Essa palavra é a indispensável evocação de que existem princípios e valores inegociáveis que permitem à humanidade aproximar-se da verdade que liberta. Trata-se de um ensinamento que não impede a diversidade das opiniões, mas adverte a respeito da verdade como condição insubstituível para que haja autêntica liberdade.

Opiniões equivocadas ameaçam a liberdade

Compreende-se que há um perene e exigente percurso na busca da aproximação da verdade. Ninguém dela é dono ou a possui na sua inesgotável inteireza. Afastar-se desse entendimento produz consequências sérias e abomináveis, como os fundamentalismos religiosos, políticos e outros, que muitas vezes são usados para justificar a perpetração de crimes, atentados e outros tipos de desrespeitos à dignidade humana. Especialmente na contemporaneidade, diante de tantos avanços e conquistas no âmbito de direitos e cidadania, não se pode encastelar a verdade nas estreitezas de parâmetros culturais, religiosos e políticos que cegam e tentam justificar ações inaceitáveis.

As muitas ameaças à liberdade e à cidadania que ocorrem pelo mundo, em razão de opiniões equivocadamente elaboradas – particularmente as que nascem de convicções religiosas e políticas – são motivo de grande preocupação. Não menos preocupantes são os cenários que se formam no interior de culturas e nações, quando mecanismos degradam o erário, a violência ceifa vidas, as disputas desumanas intermináveis destroem sonhos e possibilidades. Cada relato de violência, vandalismo, atentado e outras abominações deve levar a um exame de consciência e a uma postura mais cidadã que indiquem a necessidade permanente de se buscar a verdade para balizar opiniões.

Esse processo educativo e civilizado é uma urgência no contexto do mundo contemporâneo que, na contramão de seus avanços e conquistas, continua a alimentar barbáries e inseguranças. Uma triste realidade em que cada pessoa busca justificar suas ações apenas a partir do próprio ponto de vista. O distanciamento da verdade é o caminho mais curto para todo tipo de terrorismo, corrupção e atentados contra grupos, sociedades e culturas.

O exercício civilizatório que o contexto atual preocupante exige é desafiador, urgente e precisa ser considerado em todos os âmbitos. Não pode restringir-se às estratégias de estado em defesa de sua integridade, ou às instituições na preservação de suas identidades, nem mesmo à família, na sua indispensável condição de ordenar a sociedade. Inclui também, e de modo muito especial, a postura cidadã de cada um diante do outro, da realidade, dos projetos e das diversas situações. Não se pode viver da alimentação indiscriminada e facilitada pelos meios todos disponíveis de um duelo entre opiniões. Continuar nesse caminho é viver sob a ameaça constante de uma “bomba-relógio”, que pode explodir aqui ou em qualquer outro lugar, com danos de toda a natureza para povos, culturas, grupos e indivíduos, acabando drasticamente com projetos, sonhos e possibilidades.

É preciso averiguar e mapear fundamentalismos de todo tipo, lacunas sérias em processos educativos, para desenvolver programas e dinâmicas que garantam aos indivíduos, nas diferentes culturas e realidades, um sentido de apreço pela verdade. Somente assim será possível a convivência de opiniões que contribuam para as escolhas e para a adoção de novas posturas, pois prevalecerá a perspectiva de que o mais importante, e está acima de tudo, é o respeito a direitos e a dignidades. Oportuno é lembrar o que diz o Papa Francisco, na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano: “A Boa Nova de Jesus Cristo – por meio de quem Deus renova todas as coisas – é capaz de redimir também as relações entre os homens, incluindo a relação entre um escravo e o seu Senhor, pondo em evidência aquilo que ambos têm em comum: a filiação adotiva e o vínculo de fraternidade em Cristo”.

Esta referência é um exemplo de princípio e valor que deve incidir sobre dinâmicas culturais e modificá-las na direção de uma incontestável qualificação. Trata-se de um ensinamento que promove a fraternidade, gera paz e sustenta o sentido de igualdade que convence sempre, mentes e corações, sobre a importância de se respeitar a integridade do outro, seus direitos e a riqueza de sua cidadania. É preciso investir permanentemente nas dinâmicas sociais, políticas, religiosas e culturais presididas por valores e princípios capazes de preservar a vida em sociedade. Assim, será possível trilhar o caminho da verdade, distante das tiranias que sempre serão fonte de prejuízos e dos inaceitáveis “duelos entre opiniões” que comprometem o bem, a justiça e a paz.

 


Dom Walmor Oliveira de Azevedo

O Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atual membro da Congregação para a Doutrina da Fé e da Congregação para as Igrejas Orientais. No Brasil, é bispo referencial para os fiéis católicos de Rito Oriental. http://www.arquidiocesebh.org.br