Compreenda

O sentido da fé cristã

A fé cristã, do homem e da mulher que se encantam pelo Reino de Deus, escancara novas e inusitadas oportunidades

Acima dele havia um letreiro: ‘Este é o Rei dos Judeus’. Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: ‘Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!’ Mas o outro o repreendeu: ‘Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma pena? Para nós, é justo sofrermos, pois estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal’. E acrescentou: ‘Jesus, lembra-te de mim, quando começares a reinar’. Ele lhe respondeu: ‘Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso’” (Lc 23, 38-43).

A situação dos três condenados é a mais crítica que se possa pensar e, no entanto, alguém é capaz de dar um verdadeiro salto, o salto da fé, que supera as circunstâncias mais dolorosas e abre o horizonte do Reino de Deus, “Reino eterno e universal: Reino da verdade e da vida, Reino da santidade e da graça, Reino da justiça, do amor e da paz”. Da dura realidade da cruz brotaram as fontes da evangelização.

Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, revelou-se apaixonado pelo Reino de Deus. Anunciou o Reino com toda a força, indicou seus sinais na natureza e na vida das pessoas, proclamou-o presente e ao mesmo tempo o porvir, alertou sobre o fato de que este Reino se encontra perto de nós! Seus discípulos percorrerão o mundo inteiro, para chegar aos confins da terra, descobrindo as sementes do Reino de Deus plantadas pelo Espírito Santo, mostrando-as presentes, proclamando a Boa Nova da salvação e realizando o próprio Reino na Igreja, testemunha e presença do domínio de Deus.

Só que Deus não domina com os critérios e modalidades correntes. Falar de Reino de Deus exige pensar em semente, luz, fermento, grão de trigo, que morre para dar a vida… Até o fim dos tempos, quando o Senhor vier em sua glória, este Reino, qual trigo no meio do joio, será provocado pela presença do mal, ainda que os discípulos de Jesus saibam, com a certeza da fé, que a vitória será do bem e da verdade. Ele, Jesus Cristo, é o Senhor da história, princípio e fim, alfa e ômega da aventura humana! N’Ele está a vida verdadeira e o sentido de toda a procura do bem e da verdade!

Se parece muito bonito e confortador afirmar tais verdades, bem sabemos que elas pertencem ao âmbito da fé. Sem a fé, a realidade será compreendida de forma diversa. Tanto que aparecem dois modos de encarar a vida, ambos fadados a bloquear o sentido da própria existência. De um lado, perder de vista a eternidade para a qual fomos criados por Deus, justamente por não enxergar a maravilhosa realidade de criaturas em que nos encontramos. As pessoas que vivem assim só acreditam em si mesmas e naquilo que veem com os olhos da carne. É a pretensão de autonomia absoluta, na qual somos apenas obra do acaso ou dos processos físico-químicos da natureza, pelo que “comamos e bebamos, pois amanhã morreremos” (Cf. 1 Cor 15, 32). É ainda possível enxergar a existência como uma fatídica destinação do sofrimento, com a qual o pessimismo se instala e corrói as pessoas. De Deus se tem apenas medo, pois é visto como um vigia implacável, juiz severo, pronto a condenar os atos humanos. A fé se reduz à crença, os mitos se instalam, o medo ocupa o coração e cresce o risco do fanatismo. É o outro lado de uma medalha com a qual se pretende pagar o preço da passagem pela vida. Sabemos que nenhuma das duas visões é a autêntica fé cristã.

A fé cristã, do homem e da mulher que se encantam pelo Reino de Deus, escancara novas e inusitadas oportunidades. Jesus Cristo é o centro da fé cristã. O cristão crê em Deus por intermédio de Jesus Cristo, que nos revelou a face de Deus e é Deus com o Pai e o Espírito Santo. Ele é o cumprimento das Sagradas Escrituras, Aquele em quem acreditamos, Aquele “que em nós começa e completa a obra da Fé” (Cf. Hb 12,2). Jesus Cristo, consagrado pelo Pai no Espírito Santo, é o verdadeiro realizador da evangelização, com a qual a Igreja se apresenta diante do mundo.

Sua missão continua no espaço e no tempo (Cf. Homilia de Bento XVI, na abertura do Ano da Fé, 11 de outubro de 2012). É um movimento que parte do Pai e, com a força do Espírito, conduz a levar a Boa Nova aos pobres. A Igreja é o instrumento desta obra de Cristo, unida a Ele como o corpo à cabeça. “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21). E soprando sobre os discípulos, disse: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22). O próprio Cristo quis transmitir à Igreja a missão, e o fez e continua a fazê-lo até o fim dos tempos, infundindo o Espírito Santo nos discípulos, dando-lhes a força para “proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19).

Nossa vida cristã é resposta a este imenso amor de Deus. É fundamental reavivar o desejo ardente de anunciar novamente Jesus Cristo. Nos últimos tempos aconteceu o avanço de uma “desertificação” espiritual. Já se podia perceber, a partir de algumas páginas trágicas da história, o pouco o valor dado à vida num mundo sem Deus, mas agora, infelizmente, vemos o vazio que se espalhou. Mas é precisamente a partir da experiência desse deserto, desse vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer e a sua importância vital. No deserto é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida. Há sinais da sede de Deus, de um sentido para a vida, ainda que muitas vezes expressos de modo confuso ou negativo. E no deserto existe, sobretudo, necessidade de pessoas de fé que, com suas vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança. A fé vivida abre o coração à graça de Deus, que liberta do pessimismo (Cf. Bento XVI, “Porta Fidei”).

Na conclusão do Ano da Fé, nasce uma nova perspectiva de missão. Acolhamos o impulso evangelizador da Exortação Apostólica “Evangelii gaudium”, com a qual o Papa Francisco impulsiona a tarefa da evangelização. O Reino de Deus é de novo anunciado e com novo ardor, novos métodos e novas expressões. Deus seja louvado porque não podemos parar!


Dom Alberto Taveira Corrêa

Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.