Não é comum chamar Maria de Nazaré de a “Mãe do refugiado”. E não foi um erro o adjetivo no singular, pois ela é a Mãe de Jesus, o refugiado. Nas estradas dolorosas do exílio, à procura de refúgio no Egito, José, Maria e Jesus experimentaram a condição dramática dos caminhantes, refugiados marcados pelo medo, pelas incertezas e dificuldades.
O evangelista coloca a fuga para o Egito como a realização das Escrituras e cita Oséias (cf. Os 11,1), porque a humana história, mesmo com tantas peripécias e desafios humanos, é digna sempre de ser interpretada como Palavra de Deus na sua pequenez, fraqueza e fragilidade. José é um homem justo, sensível à Palavra de Deus e aos seus sinais, e assume-a com responsabilidade. Tendo, então, preparado todas as coisas para iniciar a viagem de volta para Nazaré, eis que um anjo apareceu a José: “E, tendo eles se retirado, eis que o anjo do Senhor apareceu a José num sonho, dizendo: ‘Levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e foge para o Egito, e demora-te lá até que eu te diga, porque Herodes há de procurar o menino para o matar’. E, levantando-se ele, tomou o menino e sua mãe, de noite, e foi para o Egito. E esteve lá, até a morte de Herodes, para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor pelo profeta, que diz: Do Egito chamei o meu Filho” (Mt 2,13-15).
Mateus como é conhecido, escreveu o Evangelho para os hebreus, e é solícito ao evidenciar a realização das profecias. Por isso, faz notar implicitamente a entrada no Egito do pai Abraão (cf. Gn 12, 10), então de Jacó (cf. Gn 46, 6) e a permanência secular de todo o povo de Israel até o dia do êxodo.
Vivendo a experiência de um refugiado
Temos ainda que fazer uma breve referência sobre Herodes, o Grande, uma figura de grande importância durante o nascimento de Cristo e também de seus filhos durante a vida pública de Jesus e Sua Paixão. Sabemos que Herodes, o Grande, ficou à espera dos reis magos. Ele sabia o quanto os escribas e os próprios magos tinham se referido acerca da aparição da estrela e que se tratava do verdadeiro Messias. Sendo assim, a espera para Herodes tornou-se um tormento. Ele era de uma gana pelo poder, a ponto de ser considerado “paranoico”, como seria classificado pela Psicologia e Psiquiatria de hoje. Em seu passado, Herodes teria assassinado a esposa e os próprios filhos, com o medo de perder o reino e o poder. Seus filhos os encontramos ainda durante a vida adulta de Jesus, que herdaram o reino depois da morte de Herodes, o Grande, mas sempre submissos ao Império Romano. Um deles, tendo sido deposto, deu lugar ao interventor Pôncio Pilatos.
No nascimento de Jesus, vemos Herodes furioso e dominado pela cólera, e projetou a morte do protagonista de toda profecia da salvação: Jesus, nascido na gruta de Belém. As notícias destes eventos e deste personagem Herodes temos das fontes de Flavio José, das narrações da revolta judaica e, ao mesmo tempo, da grande capacidade de construção e organização do grande rei Herodes. Como provas, existem ainda ruínas de grandes obras e cidades construídas por ele.
Por momentos, os três reis magos também foram foco de Herodes, até que avisados em sonho, passaram por outro caminho (cf. M t 2, 12). Entrando pelas estradas de Jerusalém, passaram por “Hebron Bersabea”. Já quando a Sagrada Família se colocou a fugir para o Egito e mesmo sendo associados a outros viajadores da Palestina, podemos imaginar o sentimento que agitava os corações de Maria e José! Dos estudos arqueológicos e históricos dos nossos frades franciscanos, estudiosos da Arqueologia, podemos ter uma ideia sobre aquela estrada, muito diferente daquela que temos hoje: era esquálida e tanta vezes sombria, escura, deserta e sufocante. Dias duros de viagem com escassez de água e de refúgios inseguros; medo de alguma surpresa, como ataques de animais e de homens. Como não se emocionar? O Filho de Deus vivendo a experiência de um refugiado, de um imigrante como tantos nos nossos dias de hoje. A fuga para o Egito, como causa das ameaças de Herodes, indica-nos que Deus é presença onde o homem está em perigo, onde o homem sofre, para onde ele foge, e onde experimenta a recusa e o abandono.
Problema de fé ou de humanidade?
E como nós homens e mulheres de Igreja, cristãos batizados, comportamo-nos frente ao fenômeno da imigração nos nossos dias? Problema de fé ou de humanidade? O que levam dentro dos corações as famílias refugiadas de nossos países árabes, em especial os cristãos da Síria e do Iraque, hoje perseguidas por serem cristãos? Quantos pais imigrantes que fogem pensando ao futuro dos próprios filhos, para os salvar da guerra e das perseguições? Assim, o nosso Deus da Encarnação quis viver a experiência humana da imigração e da insegurança para nos indicar o caminho do abandono e da confiança à paternidade do Pai. Quis ter Mãe que o protegesse na experiência de refugiado. Quis ter um pai, São José, que o defendesse na dura vida de refugiado.
Apenas passados os confins do reino do rei Herodes, cessou o medo de caírem nas mãos do perseguidor e, assim, o Menino Deus estava salvo. Impressionante e além das nossas possibilidades de compreensão é a ideia de “Deus ser salvo” por figuras humanas. Provavelmente, pararam em Pelusio, na fronteira onde floria uma colônia judaica, e ali ficaram à espera até que um anjo teria vindo para avisar que já poderiam voltar para casa. Não encontramos nenhuma informação do que teria acontecido durante aquele período da vida de Jesus. Já foram faladas muitas fantasias, mas o que podemos afirmar é que Cristo Jesus se fez em tudo igual a nós, menos no pecado, e da mesma forma que muitos, fugiu, escondeu-se, teve medo, frio, cansou-se, precisou da ajuda e da hospitalidade das pessoas como todos os imigrantes daquele tempo e também dos nossos tempos. Certamente, a Santa Família não compreendia que toda a admirável história a eles foi narrado não reduziam a pessoa de Cristo.
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Massacre de inocentes
Ainda sobre Herodes, a triste realidade e consequência de seu ciúme paranoico foi o massacre dos inocentes. Mesmo sem o retorno dos reis magos ao rei Herodes, de algum modo pode ter a notícia chegado até ele tendo em vista a proximidade de Belém a Jerusalém. Assim, o rei Herodes determinou, escreve o evangelista Mateus, o massacre de todas as crianças do seu território que tinham abaixo de dois anos, correspondente ao tempo informado pelos magos sobre o nascimento de Jesus, realizando-se, portanto, a profecia de Jeremias: “Em Ramá se ouviu uma voz, Lamentação, choro e grande pranto: Raquel chorando os seus filhos, e não quer ser consolada, porque já não existem” (Mt 2, 18). As vítimas da crueldade de Herodes são as criancinhas mártires inocentes martirizadas nos braço das próprias mães.
Depois da morte do rei Herodes, um anjo do Senhor avisou em sonho a São José no Egito e lhe disse: “Com a morte de Herodes, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, no Egito, e disse: ‘Levanta-te, toma o menino e sua mãe e retorna à terra de Israel, porque morreram os que atentavam contra a vida do menino’. José levantou-se, tomou o menino e sua mãe e foi para a terra de Israel. Ao ouvir, porém, que Arquelau reinava na Judeia, em lugar de seu pai Herodes, não ousou ir para lá. Avisado divinamente em sonhos, retirou-se para a província da Galileia e veio habitar na cidade de Nazaré para que se cumprisse o que foi dito pelos profetas: Será chamado Nazareno” (Mt 2, 19-23). Herodes, como sabemos, morreu e foi enterrado no “Herodium”, a poucos quilômetros de Belém.
Depois de muitos meses de permanência no Egito, a Sagrada Família tomou o caminho de volta. Tendo passado o pânico, eles voltam para casa, para o pequeno povoado da Galileia, chamado Nazaré. E sobre esta região, Isaías escreve: “No passado ele humilhou a terra de Zabulon e de Neftali, mas no futuro cobrirá de honras o caminho do mar, a Transjordânia e o distrito das nações. O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; sobre aqueles que habitavam uma região tenebrosa resplandeceu uma luz” (Is 9, 1-2). E ainda: “porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado; a soberania repousa sobre seus ombros, e ele se chama: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz” (Is 9, 6).
Ó Senhora nossa, Mãe que alimentaste a Deus, a Ti elevamos as nossas súplicas: no nascimento de teu Filho, que deste à luz permanecendo virgem, e envolveste em paninhos, reclinando-O numa manjedoura, obtém-nos d’Ele o perdão. Com o remédio da tua misericórdia cura a queimadura que a nossa alma sofreu por causa do pecado, e que, assim, possamos chegar à glória da vida eterna. Com o auxilio d’Aquele que quis nascer de Ti, Ó Virgem gloriosa. A Ele seja dada honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém! (Santo Antônio)
Trecho extraído do livro “Maria, mãe da humanidade”, de Fr. Bruno Varriano, ofm