A vivência na fé requer posições maduras
Os Apóstolos de Jesus e os discípulos que a eles se juntaram eram pessoas provenientes do ambiente popular, com atividades diversificadas. Vários deles eram pescadores profissionais. O Mar de Tiberíades, também chamado Mar da Galileia ou Lago de Genesaré, era o espaço de trabalho e convivência. Pregações, milagres, caminhadas, muitas das atividades de Jesus se desenvolveram ali, num sobe e desce de barcos, ventanias, redes, peixes, comércio no mercado, suor, cansaço, horas de expectativa dos peixes, que nem sempre vinham, famílias que dependiam daquele trabalho, um conjunto de vida e atividade certamente muito carregado de humanidade e lutas, temperado também com muitas alegrias.
Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com
É para o lago que retorna Pedro, seguido de seus companheiros. Não lhes era ainda claro tudo o que viria a acontecer, se pensarmos na origem simples daqueles homens, que não eram especialistas em profecias, letras da lei ou mesmo na novidade do próprio Evangelho. Era um mar de novidades, num mar de ideias confusas. Sabemos que foi depois do derramamento do Espírito Santo que aqueles homens adquiriram a ousadia (Parresia!) necessária para pregar, constituir as primeiras comunidades cristãs e derramar o próprio sangue pela Igreja e pela causa do Reino! Tinham que aprender muito, e o Senhor aproveita a aparente volta à profissão de pescadores para oferecer-lhes e a todos nós preciosas lições (Jo 21,1-19).
Enxergar o amor em meio à escuridão
Seis pescadores profissionais chegam à madrugada sem qualquer fruto do trabalho. Barca e trabalho na barca de Pedro, que sabemos ser a Igreja, não leva a nada sem a presença do Senhor. O lusco-fusco da madrugada mostra uma figura na praia. É que a experiência da fé exige mesmo amadurecimento! Jesus os provoca, perguntando sobre algo para comer. Nem sabiam que da Ressurreição para frente quem oferece o alimento que perdura para a vida eterna é Jesus! É João, o discípulo amado, que proclama com força “é o Senhor!”, pois o amor verdadeiro faz enxergar no meio da escuridão dos acontecimentos.
Redes lançadas pela força da Palavra de Jesus, frutos em profusão. Começa uma nova mudança em Pedro, que culminará em mais um chamado. O homem nu reveste-se agora de sua inusitada missão. Corre até Jesus, mas me parece ver o próprio Jesus entrando na barca do coração de Pedro. Chegados à praia, é Jesus quem havia preparado tudo. O Mestre e Senhor se faz mais uma vez servidor. Uma refeição oferecida por Jesus é sinal daquela que o mesmo Senhor oferece todos os dias, até o fim dos tempos, na Eucaristia. Além disso, a rede da Igreja tem cento e cinquenta e três grandes peixes, e essa rede nunca vai se romper, podendo acolher, na contínua festa eucarística da misericórdia, todas as gerações, até que ele volte outra vez. É a abundância do tempo novo inaugurado pelos discípulos capazes de lançar na fidelidade à ordem do Senhor. Eles têm alguma e muita coisa para oferecer. Igreja é assim! Deus recebe, Deus se doa, suscita a maravilhosa comunhão em que Céu e Terra compartilham seus dons! É claro que ninguém mais se atreve a perguntar nada, pois é certa a vinda e a presença do Senhor.
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A experiência da nova missão
Mesa preparada, convivas que se alimentam, corações pulsantes pela emoção de mais uma aparição do Ressuscitado. A virada de página para um novo chamado tem no Senhor a iniciativa. Pedro, que três vezes havia negado conhecer o Senhor, agora não precisa do canto do galo para desatar suas lágrimas. É o próprio Cristo que lhe faz três vezes, com expressões e entonação diversa, a pergunta sobre o amor! Jesus sabe tudo, sabe que Simão, filho de Jonas, o ama, malgrado todas as suas fraquezas e infidelidades. Apascentar ovelhas e cordeiros é a nova missão daquele que tinha o mar como lugar de trabalho. Deverá seguir por muitas estradas o seu Senhor, confessando-o até o martírio, pois a definitiva resposta virá com o Sangue derramado! Segue-me! Basta isso, hoje, quando Simão Pedro ficar velho e sempre. Basta seguir Jesus!
Lições para a Igreja e para todos nós. Ninguém pense em singrar qualquer mar sem a presença de Jesus no barco da vida. Não dá certo! E as noites e os dias serão estéreis! Na escuridão do tempo ou das crises pessoais, comunitárias e sociais, descobrir gente que às vezes tem “pouca leitura”, mas muita percepção das coisas de Deus. A luz pode chegar por meio de tais pessoas! Quando parece que o mar não está para peixe, na aventura diária da existência, apostar naquele “É o Senhor!”, que manda jogar as redes onde nem poderíamos pensar. Ao chegar às muitas praias que a vida oferecer, levar o que tivermos, sabendo que as redes agora repletas não se romperão! Depois, aceitar a gratuidade daquele que se assenta em torno de um fogo aceso e se faz servidor, oferecendo o alimento que dura até a vida eterna.
O olhar pessoal de Deus
Os apóstolos de Jesus devem ter comentado tais acontecimentos, depois de passados a Ascensão do Senhor e o Pentecostes, quando tiveram a lucidez necessário para montar o verdadeiro quebra-cabeça que lhes tinha sido oferecido por Deus. Há uma linha mestra que lhes serviu de guia para a vida e o apostolado e iluminam nossa vida. O chamado de Deus é gratuito, parte de seu amor infinito que vai ao encontro das pessoas, sem depender de suas qualidades ou eventuais defeitos. Deus tem a paciência necessária para cercar de amor e infinitas iniciativas ou repetidas perguntas a respeito de nossas disposições. Há um olhar pessoal de Deus, que nos leva a sério, mostrando-nos alternativas, novas possibilidades de serviço ao seu Reino, para o qual Ele nos oferece dons necessários. Ninguém pense que tudo está definido e muito explicado nas medidas humanas que desejamos, muitas vezes, impor a Deus. Antes, ele é mais criativo do que nós e encontrará sempre o modo para nos surpreender. Estejamos atentos, porque, mesmo quando passamos anos fugindo dele, numa noite de suor, sobre o barco em alto mar, ele se mostrará. Quando as luzes de nossa limitada inteligência parecerem insuficientes, é hora de dizer, com o Apóstolo e Evangelista São João, que “é o Senhor”!
Se forem corajosas nossas respostas, diante dos grandes desafios de nosso tempo, que podem levar-nos a “baixar a guarda” diante das tentações, e poderemos dizer como Simão Pedro, aquele que, convertido, foi chamado a confirmar os irmãos: “É preciso obedecer a Deus, antes que os homens” (At 5, 29). Aliás, é hora dos cristãos assumirem posições ousadas!