Chamado

A pergunta de Cristo aos apóstolos São Pedro e São Paulo

No texto de Mateus, que escutamos na Missa de hoje e nos nutre nesta solenidade, é relevante a pessoa de Pedro que se mostra, não tanto o porta voz, mas o protótipo do discípulo. Jesus, num momento decisivo do Seu ministério, do Seu caminhar pelas ruas, com a intenção de nos mostrar o rosto do Pai, faz a dupla pergunta: Quem sou eu para o povo? Quem sou eu para vocês? Jesus faz perguntas, não dá lições, leva-nos gentilmente a procurar dentro de nós. E nisso aparece como um mestre da existência quer que todos sejamos pensadores e poetas da vida; não doutrina ninguém, estimula respostas. E assim, fertiliza os nascimentos.

Os discípulos dizem que, para o povo, Jesus é “João Batista; para outros, é Elias; e ainda outros é Jeremias ou algum dos profetas”. João Batista é o último profeta, o maior entre os nascidos de mulher, mas o menor no Reino dos Céus é maior do que ele (Mt 11,11). Elias é o primeiro e o maior dos profetas, “profeta semelhante ao fogo, cuja palavra ardia como uma tocha” (Sir 48,1). Um profeta que arde de zelo pelo Senhor, mas que sabe reconhecê-lo na voz de um silêncio suave.

Jeremias, o profeta perseguido, é aquele que sofreu nas mãos dos chefes do seu povo, aquele que, em Jerusalém, como manso cordeiro, foi conduzido ao matadouro (Jr 11,19), aquele que partilhou até o fim a sorte do seu povo e da cidade santa. Ele foi um dos profetas, isto é, homens de Deus, arrebatados pela Sua Palavra, incansavelmente apaixonados por Israel, chamando-o de volta dos muitos para o único Senhor. Todas as respostas verdadeiras que encontram em Jesus o irmão profeta anunciado por Moisés (Dt 18,18); o profeta dos últimos tempos, a última Palavra de Deus à procura do homem.

Tu és Pedro e sobre essa pedra construirei a minha Igreja

Todas as respostas verdadeiras, mas a Pedro está reservada a tarefa de dizer a perene novidade de Deus. Um Deus que não se deixa contar apenas pelo passado, mas que tem sempre uma palavra a mais, aquela palavra a mais que sabe fazer saltar de alegria os dias do homem tentado por olhares resignados; aquela palavra a mais que sabe fazer renascer as palavras antigas da história; aquela palavra a mais que se diz no rosto de Cristo, o Filho do Deus vivo.

Foto ilustrativa: São Pedro e São Paulo / Institucional Canção Nova

Aquela palavra a mais que não nega as palavras anteriores, mas as traz para dentro de si, as torna grávidas de futuro. E Pedro é chamado bem-aventurado, porque só de Deus pode vir tal novidade, não vem da carne nem do sangue, não nasce da força do homem, não é o homem que é capaz de a conceber, de a gerar, mas apenas de a acolher como um dom. É por isso que o nome de Pedro, um nome que afirma a sua identidade, é interpretado como firmeza, pedra, rocha, porque o que nasce nele vem de Deus e não é fruto dos seus próprios dons.

Ele é como a “estaca” da tenda de Eliakìm, uma estaca cravada num lugar sólido. A Pedro são confiadas as chaves, ele torna-se como que o mestre de palácio de Jesus: é o protótipo do discípulo de Jesus que se torna o meio de encontro com o Mestre. A ele é confiada a responsabilidade de reunir os homens com o seu Senhor, de mostrar o seu Rosto a todos. Uma responsabilidade que aqui é confiada a Pedro e depois a todos os discípulos (Mt 18,18).

 O chamado a ser portador da esperança

Mas a solidez de Pedro, como a de Eliakìm, filho de Chelkìa, reside na sua fidelidade ao que lhe foi dado do alto, em sentir-se “um chamado” que exerce uma missão porque foi livremente escolhido, não um privilegiado, não um super-homem, mas um homem-irmão chamado entre os seus irmãos; em sentir-se “servo” que age não por direito próprio, mas para um Outro, um pobre servo que, depois de ter cumprido todo o seu dever, só pode ver que só fez o que lhe foi ordenado; em sentir-se “pai” que se alegra ao ver crescer os seus filhos, que sabe afastar-se no momento oportuno para que haja abundância de vida e, como bênção, os filhos dos seus filhos (Sl 127,6).

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Uma palavra dirigida a Pedro, primeiro dos Doze, protótipo do discípulo, mas uma palavra dirigida a todos nós hoje, porque todos somos chamados, servos e pais. Cada discípulo do Senhor, por pura graça, é chamado a ser portador da esperança e testemunha da novidade de Deus: portador daquela palavra a mais para a história humana que só Deus pode pronunciar. Por isso, também nós podemos ser “firmes”, porque somos chamados, servos e pais/mães; podemos ser “bem-aventurados”, porque somos portadores de uma palavra que vem de Deus.

Caros irmãos e irmãs, Jesus não é uma “resposta”. As duas colunas da Igreja que celebramos hoje, Pedro e Paulo, confirmam muito bem isso. Jesus é uma “pergunta”. E responder essa pergunta exige “paixão” pela vida.

Mas tu, quem dizes que eu sou?

Só entendo de Cristo o que vivo de Cristo. A vida não está no que eu digo da vida, mas no que eu vivo da vida. Cristo não é aquele que eu tenho de compreender, mas aquele que me atrai; não é aquele que eu interpreto, mas aquele que me agarra. A cruz não nos foi dada para a compreendermos, mas para a agarrarmos. “Compreender” Jesus, defini-lo, também pode ser fácil, mas “compreendê-lo” no sentido original de se apoderar de mim, de agarrar, de se agarrar ao seu segredo, só é possível se a sua vida me tiver “agarrado”.

Corro porque sou conquistado, diz Paulo. Corro porque sou tomado, vencido, cativo, seduzido por Cristo. A nossa vida não avança por decretos, mas por uma paixão. Não por golpes de vontade, mas por atração. Sou cristão por sedução divina: eu, prisioneiro de Cristo (Ef 4,1), tomado por Ele, corro para O agarrar.

Dom Cristiano Sousa OSB Cam
Mosteiro de Fonte Avellana – Itália