Era a festa do batizado do Lucas, filho de minha prima. Estava lá um quarto da minha família. Família grande é assim, nunca se encontra… Espera aí, minto, só se encontra toda em enterro. Quando morre alguém, encontramos todo mundo. Não sei nem como esse povo fica sabendo que morreu alguém, mas acredito que a dor e o sofrimento causam, em nós, esse efeito de solidariedade. Quando é festa, aí faltam alguns! Nesse batizado faltaram muitos, inclusive eu, porque já estava na Canção Nova e não tinha como estar lá.
O certo é que, depois do batizado, aconteceu a nossa festa familiar “básica”: churrasquinho, bate-papo e muita música. E música, lá em casa, só se usa o aparelho de som se não houver outra opção. O povo gosta mesmo é de tocar e cantar. A família tem raízes… o seu Zeca, meu tio que tocava na “Orquestra de Guedes Peixoto”; o Jatson, filho dele, excelente flautista; Jú, Pitato e Toinho (sax, trompete e clarinete); tia “Carminha” e tio “Lula” (excelentes violonistas) e eu, que também levo um jeitinho na viola. Ah, e a turma da percussão… aí varia um pouquinho. Tia Edjane, ex-cantora do TV Jornal e “mainha”, que tem uma bela voz.
Porém, nesse dia, nenhum de nós estava lá. E a festa já estava se encaminhando para um enfadado “sonzinho” com CD, quando, do nada, a campainha tocou. Era “Seu Carneirinho”.
Para quem não conheceu (provavelmente você), “Seu Carneirinho” era o um senhor que tocou por muitos anos no “Regional de Choro” da antiga Rádio Jornal nos anos 20 ou 30. Mas que, naquele momento, tocava na Igreja, animando a missa de sábado. Como ele era das antigas, tinha uma grande dificuldade de tocar ritmos que passassem da década de 50, como rock, balada, forró, frevo, reggae – essas coisas nas mãos de seu Carneirinho eram um verdadeiro desastre -, mas quando as músicas tendiam para “as antigas” (chorinho, samba-canção, valsas), ele se “espalhava”. Era uma coisa sublime!
Tão logo ele chegou, já pegou o violão e começou a tocar. O grande problema é que o povo era jovem, e queria baladas, rock, pop… Então, o que se viu foi um verdadeiro desastre. O povo foi ficando nervoso porque o som estava horrível! Mas, de repente, tio Dodô saiu com essa pérola: “Vamos agora aplaudir ‘Seu Carneirinho’, o melhor violonista do mundo!”.
As palmas foram pouquíssimas e fracas, porém meu tio não desanimou. A cada música ele tornava a gritar: “Palmas para ‘Seu Carneirinho’, o melhor violonista do mundo!
O povo ficava sem jeito, mas aplaudia.
E meu tio repetia: “Viva, o melhor violonista do mundo!”
Pois bem. Assim se passou boa parte da festa. “Seu Carneirinho” tocava, meu tio gritava e o povo aplaudia meio sem vontade.
Certa hora, “Seu Carneirinho” resolveu ir ao banheiro. Tão logo a porta se fechou, o comentário foi geral (dialeto pernambucano):
– Oxe Dodô! Tu tá doido é? Conversa é essa? – Indagou minha Tia.
– Melhor do mundo… Quem já viu! – Disse Carolina.
– Esse “véio” sabe tocar violão não… – Falou Catinha…
– Com tanta gente boa no violão (Carminha, Lula, Cadú…), Dodô agora vem dizer que “Seu Carneirinho” é bom… – Mais uma opinião.
Mas meu tio serenamente perguntou a todos: “Carminha está aqui? Não. Luis está aqui? Não. Cadú está aqui? Não. Quem está animando a festa? “Seu Carneirinho”. Então ele é o melhor do mundo, porque veio animar a nossa festa! Precisamos ajudar. De que adianta ficar elogiando quem não está aqui?
Depois que “Seu Carneirinho” voltou, a festa ficou muito mais animada!
Engraçado como nós fazemos isso sem nos dar conta. Deixamos de elogiar o que temos para elogiar aquilo que não temos; preferimos as coisas dos outros.
Deixamos de elogiar quem está perto de nós, para elogiarmos quem está longe. E quando quem está longe, fica perto, deixamos de elogiá-lo para elogiar outros.
Eu também tenho um pouco dessas coisas. Mas depois que soube dessa história familiar, aprendi com meu tio que se não valorizarmos aquilo que temos hoje, certamente não valorizaremos nada na vida!
O meu amigo Eto diz que quem engorda o porco é o “zóio” do dono!
Você tem valorizado quem está do seu lado? Quando elogiamos alguém, muitas vezes, esse alguém se supera por se sentir apoiado. Pense nisso! É o que o Padre Jonas procura ensinar a todos nós da Canção Nova. Ser positivo, investir no irmão e nunca desanimar.
Somos muito imediatistas, queremos que tudo dê certo na primeira tentativa. Isso é natural. O problema é que somos humanos, temos fraquezas, erramos, deparamo-nos com nossas limitações e, às vezes, não conseguimos sucesso nas nossas tarefas.
E se fazemos isso com nós mesmos, fazemos pior com nossos irmãos. Somos superexigentes com os outros. Queremos que eles acertem de primeira, façam sempre bem feito; mas não é assim que devemos proceder. Quem está do nosso lado sempre poderá vir a ser uma potência. Depende do mestre que ele vai ter.
Nós somos mestres uns dos outros. Ensinamos e somos ensinados diariamente, por isso precisamos aprender a lidar com o tropeço e a limitação deles. Com aquilo que o outro não consegue fazer bem feito ainda…
Os grandes inventores, os grandes artistas, músicos e cientistas não acertaram tudo na primeira tentativa. Erraram muitas vezes e foram aprendendo com os erros. Agora, imagine se ao seu lado estivessem pessoas dizendo: “Você ainda é um amador. Nunca vai conseguir”. Ou então: “Muda de profissão. Você não leva jeito pra isso!”
Uma vez conversando com “Seu Carneirinho”, dentro do famoso conjunto “Praia do Janga”, ele me dizia que, às vezes, sentia-se assim meio jogado de lado só pelo fato de não saber os tais “ritmos modernos” (como ele costumava dizer). Mas ao mesmo tempo, ele dizia que se sentia bem em chegar em um lugar que estava sem vida, puxar o seu violão, tocar alguma música e ver o ambiente ganhar vida, ficar alegre. Como não valorizar alguém assim?
Às vezes, eu via, na missa da paróquia onde eu morava, tantos bons violonistas e músicos desaprovando o estilo do meu amigo. Mas onde estão os bons violonistas? Sentados julgando o outro, ao invés de se colocarem a serviço da Igreja.
Devo dizer que muito do que eu aprendi a respeito do bom e velho violão, devo a “Seu Carneirinho”. Hoje, como missionário da Comunidade Canção Nova, percebo que o dom que Deus nos dá deve sempre ser colocado a serviço de alguém. E isso “Seu Carneirinho” sabia fazer, colocar-se a serviço dos outros.
Dedico o texto de hoje a ele. Que lá no céu ele esteja tocando seu violão de sete cordas e animando os anjinhos com seus boleros e valsas. (“Seu Carneirinho” faleceu com câncer. Que Deus o tenha!).