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Qual a natureza do pecado?

Aprofundando o tema:

Iniciemos com Santo Agostinho de Hipona, doutor da graça. O bispo se refere ao pecado como um “ato, palavra ou desejo contrário à lei eterna” (Contra Faustum manichoeum, 22, 27: PL 42, 418. Cfr. Catecismo, 1849). Ou seja, como o pecado é um ato, compreende-se que advém da nossa vontade. A definição mais clássica é a desobediência – livre – à Lei. Consequentemente, se não é voluntário, não seria um pecado e muito mais, nem sequer de um verdadeiro e próprio ato humano.

De maneira a explicar a questão da Natureza do pecado, ou sua essência, é preciso considerar alguns conceitos que para nós, Igreja Católica Apostólica Romana, são ensinados em casa ou no primeiro ano de catequese. Todos nós nos compreendemos no pecado de Adão. É São Paulo quem o afirma: “pela desobediência de um só homem, muitos [quer dizer, a totalidade dos homens] se tornaram pecadores” (Rm 5,19): “Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte atingiu todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5,12). À universalidade do pecado e da morte, o Apóstolo opõe a universalidade da salvação em Cristo (Rm 5,18): “Assim como, pelo pecado de um só, veio para todos os homens a condenação, assim também, pela obra de justiça de um só [Cristo], virá para todos a justificação que dá a vida” (Catecismo da Igreja Católica, 402).

A remissão dos pecados

Depois de São Paulo, a Igreja sempre ensinou que a imensa miséria que oprime os homens e a sua inclinação para o mal e para a morte não se compreendem sem a ligação com o pecado de Adão e o fato de ele nos ter transmitido um pecado de que todos nascemos infectados e que é “morte da alma”. A partir dessa certeza de fé, a Igreja confere o Batismo para a remissão dos pecados, mesmo às crianças que não cometeram qualquer pecado pessoal (Catecismo da Igreja Católica 403).

Por isso, se, na fé da Igreja, maturou a consciência do dogma do pecado original, foi porque ele está relacionado inseparavelmente com o outro dogma, o da salvação e da liberdade em Cristo. Bento XVI nos ajuda a mergulhar no tema. A consequência disso é que nunca deveríamos tratar o pecado de Adão e da humanidade separando-os do contexto salvífico, isto é, sem os incluir no horizonte da justificação em Cristo.

O significado do pecado original

Mas como homens de hoje, devemos nos perguntar:  o que é este pecado original? O que ensina São Paulo? O que ensina a Igreja? Ainda hoje, pode-se afirmar essa doutrina? Muitos pensam que, à luz da história da evolução, já não haveria lugar para a doutrina de um primeiro pecado, que depois se teria difundido em toda a história da humanidade. E, por conseguinte, também a questão da Redenção e do Redentor perderia o seu fundamento. Portanto, existe ou não o pecado original? Para poder responder, devemos distinguir dois aspectos da doutrina sobre o pecado original. Existe um aspecto empírico, isto é, realidade concreta, visível, diria tangível para todos. E um aspecto mistérico, relativo ao fundamento ontológico deste fato. 

O dado empírico é que existe uma contradição no nosso ser. Por um lado, cada homem sabe que deve fazer o bem e intimamente até o quer fazer. Mas, ao mesmo tempo, sente também o outro impulso para fazer o contrário, para seguir o caminho do egoísmo, da violência, para fazer só o que lhe apraz, mesmo sabendo que assim age contra o bem, contra Deus e contra o próximo. São Paulo, na sua Carta aos Romanos, expressou essa contradição no nosso ser assim: “Quero o bem, que está ao meu alcance, mas realizá-lo não. Efetivamente, o bem que quero, não o faço, mas o mal que não quero é que pratico” (7, 18-19). Essa contradição interior do nosso ser não é uma teoria. Cada um de nós a vive todos os dias. E, sobretudo, vemos sempre em nossa volta a prevalência desta segunda vontade. É suficiente pensar nas notícias quotidianas sobre injustiças, violência, mentira, luxúria. É uma realidade. E assim perguntamos de novo:  o que diz a fé testemunhada por São Paulo? Como primeiro ponto, ela confirma o fato da competição entre as duas naturezas, o fato deste mal cuja sombra pesa sobre toda criação. Ouvimos o capítulo 7 da Carta aos Romanos, poderíamos acrescentar o capítulo 8.

O mal simplesmente existe. Como explicação, em contraste com os dualismos e os monismos que consideramos brevemente e que achamos desoladores, a fé nos diz: existem dois mistérios de luz e um mistério de trevas que, contudo, está envolvido pelos mistérios de luz. O primeiro mistério de luz é este: a fé nos diz que não existem dois princípios, um bom e um mau, mas há um só princípio, o Deus criador, e este princípio é bom, só bom, sem sombra de mal. Por isso também o ser não é uma mistura de bem e mal; o ser como tal é bom e por isso é bom ser, é bom viver. É essa a boa nova da fé: há apenas uma fonte boa, o Criador. E por isso viver é um bem, é bom ser um homem, uma mulher, a vida é boa. Depois, segue-se um mistério de escuridão, de trevas. O mal não provém da fonte do próprio ser, não tem a mesma origem. O mal vem de uma liberdade criada, de uma liberdade abusada.

Como foi possível? Como aconteceu?

Isso permanece obscuro. O mal não é lógico. Só Deus e o bem são lógicos, são luz. O mal permanece misterioso. Apresentamo-lo com grandes imagens, como faz o capítulo 3 do Gênesis, com aquela visão das duas árvores, da serpente, do homem pecador. Uma grande imagem que nos faz adivinhar, mas não pode explicar quanto é em si mesmo ilógico. Podemos adivinhar, não explicar; nem sequer o podemos contar como um fato ao lado do outro, porque é uma realidade mais profunda. Permanece um mistério de escuridão, de trevas. Mas acrescenta-se imediatamente um mistério de luz. O mal vem de uma fonte subordinada. Deus, com a sua luz, é mais forte. E por isso o mal pode ser superado.

Portanto, a criatura, o homem, é curável. As visões dualistas, também o monismo do evolucionismo, não podem dizer que o homem é curável, mas se o mal só vem de uma fonte subordinada, é uma verdade que o homem é curável. E o livro da Sabedoria diz:  “São salutares as criaturas do mundo” (1, 14 vulg). E, finalmente, último aspecto, o homem não é só curável, de fato está curado. Deus introduziu a cura. Entrou pessoalmente na história. Opôs à fonte permanente do mal uma fonte de bem puro. Cristo crucificado e ressuscitado, novo Adão, opõe ao rio impuro do mal um rio de luz. E este rio está presente na história:  vejamos os santos, os grandes santos, mas também os santos humildes, os simples fiéis. Vemos que o rio de luz que provém de Cristo está presente, é forte.

O homem não pode, enquanto está na carne, evitar todos os pecados, pelo menos os pecados leves. Mas esses pecados que chamamos leves, não os consideres insignificantes, se os consideras insignificantes ao pesá-los, treme ao contá-los. Um grande número de objetos leves faz uma grande massa; um grande número de gotas enche um rio; um grande número de grãos faz um montão. Qual é então nossa esperança? Antes de tudo, a confissão. (CIC 1863).

1Concílio de Trento, Sess.5.ª, Decretum de peccato originali, cânon 2: DS 1512
2Idem, cânon 4: DS 1514.
3PAPA BENTO XVI. Audiência geral: São Paulo, Adão e Cristo: do pecado (original) à liberdade (3 dez 2008) in vatican.va

Guilherme RazukSeminarista na Comunidade Canção Nova