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Enquanto cristão, qual é a sua missão?

“Cada santo é uma missão, um projeto do Pai que visa refletir e encarnar, em um momento da história, um aspecto do Evangelho” (Papa Francisco — Guaudete Et Exsultate).

Quando sabemos para que estamos vivos, somos capazes de enfrentar qualquer tribulação. E até mais: colocamos
sentido em cada sofrimento porque sabemos para onde estamos indo. Mas quando estamos perdidos e não sabemos o propósito da nossa existência, você concorda que qualquer dificuldade pode se tornar um obstáculo intransponível?

Imagine alguém que ama o que faz, um atleta, por exemplo, por mais que alguém queira convencê-lo de que aqueles exercícios são muito exigentes e dolorosos, ele, que tem aquela atividade como propósito da sua vida, vai sempre justificar a dor, o esforço e as dificuldades dizendo que faz parte do processo, que é necessário o treinamento para deixá-lo mais preparado. Se alguém quiser falar sobre derrota, também não vai funcionar, porque certamente ouvirá uma resposta do tipo: só vence quem perde; e assim por diante.

Créditos: Tamer Dagas by GettyImages

Agora, vamos imaginar um engenheiro civil que não gosta do que faz e sempre quis ser um atleta. Por mais que as pessoas falem para ele que seu trabalho é valioso e que, graças ao trabalho dele, muitos prédios da cidade estão de pé, ele sempre vai colocar algum problema, como: meu trabalho é muito exigente, não vejo sentido, não tenho o reconhecimento devido etc.

Você sabe qual é a sua missão?

Você pode até ter sobrevivido a alguma tragédia que lhe machucou fisicamente, psicologicamente e espiritualmente, mas se não souber para onde ir, a tendência será encontrar o vazio mesmo com um lindo troféu de vencedor nas mãos.

Cerca de 10% dos soldados tiveram algum problema psicológico depois da guerra: muitos vieram de guerras vitoriosas, condecorados, aplaudidos em sua pátria, mas encontraram o vazio!

Não basta ter o troféu, não basta ter a vitória do câncer, do acidente, da covid-19 ou do trauma psicológico, é preciso
seguir em frente porque a vida continua. Creia que a sua vida é uma missão: se ela não foi interrompida, se ela não foi ceifada, é porque sua missão não foi terminada. Vamos refletir sobre o  exemplo de José do Egito para entender que, quando sabemos a nossa missão, suportamos qualquer circunstância.

Para resumir a história (você já deve conhecer bem), José era filho de Jacó, que tinha ao todo 12 filhos, os quais representam as doze tribos. José era o filho predileto de seu pai, porque veio na sua velhice, e isso gerava muito ódio em seus irmãos. Um dia, José ganhou uma túnica colorida de Jacó, e seus irmãos planejavam uma forma de matá-lo, até que um dia isso aconteceu:

Então Judá disse aos seus irmãos: Que proveito haverá que matemos a nosso irmão e escondamos o seu sangue? Vinde e vendamo-lo a estes ismaelitas, e não seja nossa mão sobre ele; porque ele é nosso irmão, nossa carne. E seus irmãos obedeceram. Passando, pois, os mercadores midianitas, tiraram e alçaram a José da cova, e venderam José por vinte moedas de prata, aos ismaelitas, os quais levaram José ao Egito (Gn 37,26-28).

Porém, o Senhor estava com José, e ele foi vendido a Putifar, um egípcio, ministro e mordomo do faraó. Logo Putifar confiou toda a administração da casa a José, porque tudo o que ele fazia prosperava. No entanto, a mulher de Putifar tentou José; como ele fugiu, ela o colocou em uma armadilha que o fez ir para a prisão.

Mas o Senhor continuava com José, e veja: ele não desanimou, em todos os lugares que passava, ele sempre deixava um rastro de Deus e tinha a certeza de que, mesmo que as circunstâncias fossem confusas e contrárias, o Senhor estava no comando e sabia o que estava fazendo.

Na prisão, José passou a ganhar a confiança do chefe, com isso ele cuidava de todos os presos. Vamos refletir: ele não teve pena de si mesmo em nenhum momento, ele não ficou se lamentando: “ó! quanta desgraça na minha vida! Quanta injustiça! Blá-blá-blá…”, ele simplesmente fez o que tinha que ser feito. Ele foi um homem reto mesmo com o coração sangrando, sabe por quê? Porque ele dava sentido a todo aquele sofrimento e porque sabia que tinha uma missão maior, então aquelas adversidades serviram apenas para fortalecê-lo. Lembra o atleta?

Colocar nossos dons em prática

Apareceu uma oportunidade de José colocar o dom que Deus lhe deu de interpretação de sonhos em prática, e ele não perdeu a chance. Dois presos tiveram sonhos, e ele interpretou dando todo mérito a Deus e pediu a um dos servos: “Mas lembra-te de mim quando estiveres bem, e faze-me este favor: menciona meu nome ao faraó para que me tire da prisão” (Gn 40,14).

O tempo passou, os sonhos interpretados por José se realizaram, mas esqueceram José. Entretanto, um dia José interpreta o sonho do faraó, anunciando sete anos de abundância e sete anos de fome no Egito. Essa interpretação fez José se tornar o administrador geral de todo o Egito, cargo que ficaria somente abaixo do faraó. Anos depois, na época da fome, os seus irmãos que o traíram foram buscar alimento em suas mãos. Depois de algumas provas, José os perdoou e revelou onde estava sua força para enfrentar, com toda resiliência, tantas provas e até mesmo perdoar a traição:

Eu sou José, vosso irmão, que vendestes aos egípcios. Mas, agora, não fiqueis tristes, nem vos pese ter-me vendido pra cá; porque para salvar vidas Deus me enviou à frente. Deus me enviou à frente para que possais sobreviver neste país, para conservar a vida de muitos sobreviventes (Gn 45,4b-5).

Essa é a grande revelação da força de José! Para ele ter enfrentado a dor do desprezo dos irmãos, de ter sido vendido, de ter sido separado do pai, de ter sido preso, chicoteado, abandonado… Ele tinha uma missão, e estava clara para ele: para fazer um povo sobreviver, inclusive sua família.

José estava certo de que ele foi feito para ir à frente alimentar um povo para que ele sobrevivesse. Mas e você e eu? Para que você acredita que Deus tenha colocado você para ir à frente e ter sobrevivido a tantas dores, lutas, perdas, traições, abandono e dores? Para fazer quem sobreviver ? De que fome? Reze agora e peça que o Espírito Santo lhe revele isso e tenha força de revolução em você.

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Nossa missão como cristãos

Em todos os relatos que conhecemos, percebemos que os propósitos de vida são voltados ao outro, e não ensimesmados. Você percebe que não há sentido nem propósito em uma vida egoísta, voltada apenas a projetos que visam seu bem-estar e seus objetivos?

O Papa Francisco nos diz: “Cada santo é uma missão, um projeto do Pai que visa refletir e encarnar, em um momento da história, um aspecto do Evangelho.” Em que momento da história você se encontra? Em que contexto no mundo? Você é um sobrevivente neste tempo da história da humanidade para refletir algum aspecto do Evangelho. Não sei qual é esse aspecto, mas você tem essa missão de descobrir.

Os santos, desejosos de ter todas as virtudes, se destacaram natural e especialmente por uma. Não significa que aquele santo não tinha as outras virtudes, mas brilhava nele um dom.

Talvez, você tenha o dom da caridade com os pobres, ou da escuta para quem se sente só, ou é chamado a escrever e consolar as pessoas pelas palavras. Qual aspecto? Por que, meu querido leitor, sua vida é uma missão, e a missão só tem sentido em Cristo, que é a nossa paz.

À pergunta por que a missão?, respondemos, com a fé e a experiência da Igreja, que abrir-se ao amor de Cristo é a verdadeira libertação. N’Ele, e só n’Ele, somos libertos de toda a alienação e extravio, da escravidão ao poder do pecado e da morte. Cristo é verdadeiramente a nossa paz (Ef 2,14), e o amor de Cristo nos impele (2Cor 5,14), dando sentido e alegria à nossa vida. A missão é um problema de fé, é a medida exata da nossa fé em Cristo e no Seu amor por nós (JOÃO PAULO II, 1990).

 Sua vida é não é um acaso

Você não nasceu por um acidente. Lembra o início do livro? Mesmo que seu nascimento tenha sido uma relação sexual acidental, Deus ama você. Existiam 300 milhões de chances de você não estar vivo, de existir outra pessoa no lugar, mas você nasceu, e mesmo que, como todos os relatos que conhecemos, aqui você tenha passado por tantos sofrimentos físicos, psicológicos e espirituais, você sobreviveu! Somos todos sobreviventes, Deus nos colocou à frente como José do Egito para fazer um povo sobreviver à fome de Deus.

Você tem a opção de se lamentar pelo caminho, de cair em tentação como José poderia ter caído com a esposa de Putifar ou como Jó, que poderia abandonar sua fé. Você ainda pode sentir pena de si mesmo e se vitimizar acreditando que sua vida perdeu o sentido e deixar que essa dor o afunde ou você pode fazer como Jó, como José do Egito e como todos os sobreviventes deste livro: dar sentido a cada lágrima, oferecer seu sofrimento e se identificar com Cristo e ajudar os famintos de Deus que virão de todos os lugares encontrar quem possa dar esse alimento que, uma vez encontrado, sacia a alma para a eternidade.

Sede de Deus

A samaritana buscava água sempre ao meio-dia por causa das outras mulheres — sua situação de pecado fazia ela se isolar da sociedade, e ela vivia às margens. Mas Jesus escolheu passar por aquela cidade, mesmo sendo um caminho mais longo e mais perigoso, somente para encontrar aquela mulher para quem ninguém queria olhar.

Nesse encontro, Ele pede a ela de beber, e ela duvida, mas, depois, Ele se revela para aquela que era rejeitada:

Acredita-me, mulher: está chegando a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis. Nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus. Mas está chegando a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade. De fato, estes são os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade (Jo 4,21-24). 

Essa sede era de Deus, e a sede de Jesus era de almas. Deus lhe chama a ser um dos verdadeiros adoradores que Ele tanto espera. A melhor adoração a Deus é anunciá-Lo; aquela mulher deixou seu cântaro, porque encontrou uma água que mataria sua sede para sempre, e passou a anunciá-Lo. Ela fez isso porque O encontrou.

Não importa o que você tenha passado, sofrido e vivido, o Pai procura os verdadeiros adoradores, que O seguirão em espírito e em verdade.

Deixe então seu cântaro do medo, da insegurança, e firme-se em encontrar sua missão. A samaritana encontrou sua missão: a partir daquele dia, ela anunciaria que o Messias chegou. Não importaria mais ela passar por sede, fome ou desprezo, ela tinha uma missão por causa de um povo. José sobreviveu por causa de um povo. E você? Por qual motivo você e eu sobrevivemos? Complete a frase e não tenha receio de fazer o que Deus pede a você, porque tudo o que Ele faz é por amor e para o amor.

(Trecho extraído do livro “Sobrevive, e agora?”, da Renata Vasconcelos)