A noite tão esperada chegou, depois de um dia agitado. A última data do calendário daqui a algumas horas não mais existirá. Com ela se vão datas que marcaram o coração, dias carregados de esperança, meses cheios de saudades e lembranças, de um tempo que não volta mais.
Como vivi este ano? Abri a porta de casa com esta interrogação a me perturbar. Ao acender a luz da sala, acendi a luz do pensamento e do olhar. Dei de cara com uma frase de Rubem Alves que está no centro da minha sala, igual a estas frases lindas que lemos em livros e anotamos nos cadernos, na mão, nos cartões para os amigos, na porta do guarda-roupa ou as emolduramos e acabam se tornando objetos de decoração, as quais muitos podem ler e colher aquilo de que precisam.
Geralmente, estas frases, depois de se tornarem objetos de decoração, são esquecidas e deixam de ser vividas, mas um dia, elas tiram o nosso sossego. A frase que nunca achei que escaparia da moldura é a seguinte: “Um coração sensível gosta de valores frágeis”.
Um valor frágil que se esconde e se revela ao homem é o silêncio. Naquele momento me decidi por ele. Não o silêncio do isolamento ou da solidão, mas o silêncio interior, aquele que vem de Deus e que nos coloca frente a frente com nós mesmos. Parece loucura, dentro da agitação do dia trinta e um de dezembro, buscar silêncio. No entanto, quero prolongar este dia dentro de mim, eternizá-lo para que se torne mais um desejo da alma vivido pelo corpo.
Há um tipo de silêncio que arranca do coração ameaças, acusações, medos e incertezas e que, simplesmente, anulam datas, encontros e reencontros. Mas, há um silêncio que se oculta por detrás do desejo de toda alma, escondido nas sacolas de presentes, ofuscado pelas luzes dos fogos de artifícios, camuflado em forma de presentes na árvore de natal, velado nos olhares alcoolizados, depois do estouro do champagne. Silêncio cheio de sentimentos ternos e eternos que retiram do coração palavras que são verdadeiras cartas de amor jogadas ao mar, dentro de garrafas que, um dia chegarão ao porto da vida de alguém ou ancorarão em outro coração.
Que o dia trinta e um se eternize e nos faça recolher as folhas do calendário de amores perdidos, as palavras que não foram ditas, os segredos que não foram revelados, os perdões que não foram dispensados, e os olhares negados. Muitos baterão à nossa porta com olhares carregados de esperança sem fingir afeições, com palavras nos lábios que serão verdadeiras sonatas de Chopin a tocar em nosso silêncio perguntando: Quem sou eu? Quais os meus desejos, medos e sonhos? Será que neste ano conquistei corações ou os apartei de mim? Silêncio de reconstrução, não de omissão, que remexe o que está parado, que desconcerta para concertar.
Então, por favor, permita-me e permita-se: o silêncio das surpresas de Deus, da chuva que cai, das ondas do mar, da última folha do calendário que cai no chão, anunciando que o Novo Ano chegou, que uma nova pessoa pode nascer e que é tempo de palavras que se conjugam no coração de sujeitos que decidimos a amar. Um feliz e eterno dia trinta e um!