A vida humana, como toda a criação, é medida pelo tempo. Tempo de nascer, tempo de morrer. Tempo de semear, tempo de colher. As leituras deste domingo nos dão idéia do valor do tempo presente em relação à eternidade.
O evangelho de Marcos 4, 26-34 apresenta o ensinamento de Jesus: “O reino de Deus é como alguém que lança a semente à terra. Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas não sabe como isso acontece. A terra, por si mesma, produz o fruto: primeiro aparecem as folhas, depois vem a espiga e, por fim, os grãos que enchem a espiga. Quando as espigas estão maduras, o homem mete logo a foice, porque o tempo da colheita chegou”.
Não nos damos conta do tempo de nossa vida. Fazemos muitos planos como nos alimentar, como nos vestir, como nos enriquecer. Mas o que vale nossa vida? “O tempo da colheita representa o fim do mundo… O Filho do homem mandará os seus anjos para recolher em seu reino todos os escândalos e os malfeitores, e os lançar na fornalha ardente… Então os justos brilharão como o sol no reino de seu Pai” (Mateus 13,39-43).
A colheita é o ato conclusivo da história humana, o juízo final. Na segunda leitura, 2ª Coríntios 5,6-10, Paulo afirma: “Todos devemos comparecer diante do tribunal de Cristo, a fim de cada um receber a devida recompensa, prêmio ou castigo, do que tiver feito ao longo da vida na terra”.
O pensamento do julgamento final nos perturba: temor, angústia, severidade. Na pintura do juízo final na Capela Sistina, Michelangelo fixou o momento em que Cristo reprova os maus: “Afastai-vos de mim, malditos!” Para o artista, impressiona muito mais esta condenação do que a entrada dos bem aventurados no céu: “Vinde, benditos!”
A verdade do julgamento final é feita para encorajar e não para espaventar. A imagem da colheita não sugere tristeza mas alegria, festa. Que esta visão nos aumente a fé esclarecida e a esperança confiante.
Se na terra nós nos preocupamos com muitas coisas, trabalhamos ardorosamente, suamos, buscamos o bem estar, não pensemos que na eternidade nada faremos e nos encheremos de tédio, aborrecimento. A contemplação de Deus é ativa, visão beatífica, acompanhar o pensamento de Deus sempre infinito, eternamente novo. Santo Agostinho nos assegura: “Ninguém tenha temor de enjoar-se, ninguém acredite que ali haverá tédio. Por ventura te enjoas quando estás bem? Tudo nesta vida no fim cansa; a saúde porém não cansa jamais. Se a saúde não te cansa, cansar-te-á imortalidade?”
Dois desejos humanos, por natureza, não se esgotam jamais: o conhecimento e o amor. Podemos nos cansar de uma coisa que conhecemos, mas não de conhecer. Assim também podemos cansar da pessoa que amamos, mas não de amar. Mas o ser que encerra em si toda a verdade a ser conhecida e todo amor que se pode desejar, não será a sua posse a felicidade eterna? Este ser existe: é Deus. No momento da alegria mais intensa e da vida mais plena, quem não subscreveria se lhe fosse proposto fazer eterno aquele instante? Teria medo de enjoar-se? Nem de longe. A vida eterna é precisamente isto. Um instante eterno!
“Em quanto temos tempo, façamos o bem a todos” (Gálatas 6,10). As últimas semanas antes da colheita são as mais preciosas para o grão e para a uva. O sol é importante para a qualidade do grão e da uva. O mesmo vale para a vida humana, no plano espiritual. Os anos da maturidade e da velhice são preciosos. Não são improdutivos. Absolutamente.
Todo crente é chamado a sempre se confrontar pessoalmente com a palavra do Senhor. Talha na raiz a absurda auto-suficiência da semente que não quer morrer para crescer, para ser transformada em “árvore de acolhimento”.
Para quem renuncia a todas as falsas seguranças, a palavra de Deus é proposta com grande certeza de vida, superação de toda trepidação na própria existência: é feliz descobrir-se acolhido e regenerado na plenitude de vida do “bom terreno”, de saber-se semeado e cuidado pelo “bom agricultor”. Aquele que adquire crédito total em Deus torna-se árvore de refúgio, oferta de vida, dom de alegria para toda criatura que procura a vida.
A eucaristia é o momento forte do poder de Deus. Nela a igreja é sempre de novo misteriosamente inserida na “semente lançada à terra”, morta e ressuscitada e a vida plenamente comunicada. Nela toma consciência e vive a realidade do ser “casa de oração e de acolhimento” para todas as gentes. Nela sente nascer em seu coração o canto da alegria, da fé, da esperança: “anunciar de manhã o seu amor, a sua fidelidade ao longo da noite”.