Somos Igreja

As últimas décadas do século XX viram florescer na Igreja as sementes de uma encorajadora primavera espiritual. Como, por exemplo, não sermos gratos a Deus pela mais clara consciência que os fiéis leigos homens e mulheres adquiriram da própria dignidade de baptizados, que se tornaram “criaturas novas”; da própria vocação cristã; da exigência de crescer, na inteligência e na experiência da fé, como christifideles, ou seja, como verdadeiros discípulos do Senhor; da própria adesão à Igreja?

Ao mesmo tempo, porém, num clima de difundida secularização, não poucos crentes são tentados a afastar-se da Igreja e, infelizmente, deixam-se contagiar pela indiferença ou cedem a compromissos com a cultura predominante. Entre os fiéis não faltam, depois, atitudes seletivas e críticas em relação ao magistério eclesial. Para despertar nas consciências dos cristãos um sentido mais vivo da sua identidade é preciso, portanto, no contexto do grande Jubileu, aquele sério exame de consciência de que eu falava na Tertio millennio adveniente (cf. n. 34). Há interrogativos essenciais, que ninguém pode evitar: O que fiz do meu batismo e da minha confirmação? Cristo é verdadeiramente o centro da minha vida? A oração encontra espaço no decorrer dos meus dias? Vivo a minha vida como uma vocação e uma missão? Cristo continua a recordar-nos:

“Vós sois o sal da terra… Vós sois a luz do mundo… a vossa luz brilhe diante dos homens, para que vejam as boas obras que fazeis e louvem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5, 13-14.16).

A vocação e a missão dos fiéis leigos só podem ser compreendidas à luz de uma renovada consciência da Igreja “como sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (Lumen gentium, 1), e do dever pessoal de aderir a ela de modo mais firme. A Igreja é um mistério de comunhão que tem origem na vida da Santíssima Trindade. É o Corpo místico de Cristo. É o Povo de Deus que, unido pela mesma fé, esperança e caridade, caminha na história rumo à definitiva pátria celeste. E nós, como batizados, somos membros deste maravilhoso e fascinante organismo, alimentado pelos dons sacramentais, hierárquicos e carismáticos que lhe são coessenciais. Por isso, hoje é mais necessário do que nunca que os cristãos, iluminados e guiados pela fé, conheçam a Igreja como ela é, em toda a sua beleza e santidade, para a sentir e a amar como a sua própria mãe. E para isto é importante despertar no inteiro Povo de Deus o verdadeiro sensus Ecclesiae, unido à íntima consciência de ser Igreja, isto é, mistério de comunhão.

Papa João Paulo II,
por ocasião do Jubileu do Apostolado dos Leigos